O Último Debate - pt. 1

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21:20

Um produtor anuncia em um microfone que é hora de entrar no estúdio. A única coisa que passa pela minha cabeça é 'finalmente'.

Só a assessoria tem permissão de entrar comigo na área do camarim. Todos os convidados têm que entrar pela porta principal do estúdio, e nem os vices têm acesso ao espaço de preparação. Ao mesmo tempo em que fico um pouco desapontado por não ter muita chance de conversar com meus convidados, me sinto muito aliviado por não precisar mais apertar a mão de nenhum centralista.

Ciro, já de volta ao seu aspecto sorridente de sempre, teve que se separar de mim para receber as últimas recomendações para o debate de seus convidados. O jeito dramático com que o abraçam faz parecer que ele está partindo pra algum tipo de batalha. Ele só tem dois assessores, e um deles é Lupi. Isso me surpreende, já que ele vive cercado por assistentes.

No corredor dos camarins, a comoção é bem menor do que geralmente é. Meirelles e Marina, que sempre têm dezenas de assessores em volta de si, se contentam com apenas quatro. Talvez por isso, a correria entre os funcionários seja maior enquanto eles tentam realizar as mesmas tarefas que geralmente fazem em grupos que possuem o triplo do tamanho. Deve ser estranho.

Enquanto isso, sou o primeiro a ficar pronto. Temos exatamente dez minutos antes de sermos mandados para o palco (e isso só aumenta a pressa dos assessores, que correm livremente pelo corredor), mas passo mais da metade desse tempo girando na cadeira e ouvindo as recomendações de Juliano, que vai entrar no palco comigo.

- Eu não sei que ideia de dinâmica foi essa. É terrível. - Ele reclama, encostado na porta aberta do camarim. - Como eles fazem vocês gastarem energia antes do debate e depois dão só dez minutos pra resolver tudo, com uma quantidade limitada de assistentes?

- Acho que é uma forma de impor controle. - Dou de ombros.

Um dos produtores alerta aos jovens apressados que devem evitar correr pra não causar um acidente. É ignorado. Irritado, o homem começa a bater de porta em porta pra convidar os que já estão prontos a se colocarem em uma fila no lado de fora. Eu e Juliano esperamos na porta.

O primeiro a concordar em sair é Fernando, que aparentemente estava sozinho na sala. Com as pálpebras relaxadas e o menor dos sorrisos no rosto, ele parece estar mais com sono do que qualquer outra coisa.

Para meu pânico, o produtor mau humorado me convoca pra entrar para a fila logo em seguida, e sou obrigado a esperar logo ao lado de Haddad. Ele não se dirige a mim ou ao menos me olha em nenhum momento. Apenas finge que não me vê, de olhos fechados.

Conforme meus companheiros vão dando o pronto para se dirigir ao estúdio,  percebo que Fernando repete com todos a atitude que teve comigo, e isso faz eu me sentir menos inseguro.

Ciro e Álvaro só saem de seus camarins quando o sinal sonoro toca, mostrando que o tempo acabou. Eles riem um com o outro, quebrando o silêncio pesado do ambiente.

Depois que os assessores para auxiliar os candidatos no palco são escolhidos e organizados em fila também, temos a permissão de seguir em frente. A coisa toda é cerimoniosa demais, deixando tudo mais entediante do que deveria ser. A parte boa disso tudo é que fomos poupados das entrevistas pré-debate.

Entretanto, logo descobrimos o porquê de tudo isso. Assim que coloco um pé no palco, há um burburinho da plateia e quando olho em volta, há uma multidão gigantesca de fotógrafos.

- Isso sim que é um ensaio fotográfico. - A voz de Marina soa atrás de mim.

- Finalmente vou poder seguir a carreira de modelo fotográfico que eu sempre quis. - Ciro provoca uma risadinha entre os candidatos. - Com esse tanto de câmera, não tem como não pegarem meu ângulo bom.

- Mas também é muito mais fácil pegarem os nossos ângulos ruins. - Marina contesta. Os outros concordam.

O produtor que nos guiou até aqui indica os nossos lugares no estúdio. Além de ser muito diferente do sistema de bancadas dos outros debates, ainda me colocaram do lado do Alckmin.

Somos reposicionados porque também temos lugar certo pra tirar foto. Me colocam do lado do Alckmin de novo, mas resolvo ignorá-lo porque pelo menos tenho Ciro pra me acompanhar também.

- Oi, tudo bem? - Ele sorri pra mim, de braços cruzados, assim que me colocam ao lado dele.

- Podia estar melhor.

- Por quê?

- Não sou o maior fã de fotos, ainda mais quando são centenas ao mesmo tempo.

- Lamento informar, meu caro, mas isso é rotina de político. Eles só querem que a gente siga a corrente. Tenta parecer burguês.

Levanto uma sobrancelha.

- Eu não tenho a menor ideia de como fazer isso.

Começo a ouvir uma série de cliques de câmera, e reviro os olhos. Tento me manter sério para que não captem muita coisa de mim, mas é quase impossível. Olhando pra frente, dá pra ver claramente que as congregações políticas estão separadas por filas. A primeira que vejo é justamente a do PSOL, que está na fileira da frente. Ao captar meu olhar, eles começam a fazer gestos pra mim. Não entendo nada, mas tenho vontade de rir.

Ciro nunca perde uma chance de fazer graça, então passa o tempo todo testando poses e arranjando desculpas pra encostar em mim. É um movimento perigoso de se fazer na frente de tantas câmeras, mas a esse ponto eu já sei o que ele está fazendo.

Depois do que eu imagino que tenham sido milhares de fotos, somos liberados para nos dirigirmos aos nossos lugares. Mesmo que eu lembre que nas regras estava escrito que poderíamos nos mover livremente pelo palco, sei que as regras não ditas são tão ou mais importantes que as escritas no e-mail gigantesco.

A única coisa que me impede de sentir sono pelos próximos minutos é o nervosismo para o debate; não ouço uma palavra do que Bonner fala com tom prepotente, pois já sei essas regras todas de cor. Já vi que isso vai ser maçante.

Felizmente, logo um sinal sonoro o interrompe ao sinalizar que é hora da transmissão, e o mediador avisa a todos para que se prostrem em seus lugares.

Por algum motivo, Alckmin dirige a palavra a mim com um sorriso:

- Pronto?

Considero ignorá-lo por um momento, mas isso só pioraria um clima que já é ruim.

- Com certeza. E o senhor?

- Sempre.

Do outro lado do estúdio, Ciro ri abertamente.

Garoto Promissor (Ciro x Boulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora