Debate na Record - pt. 3

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No terceiro bloco, quase não há mudança. Quem abre dessa vez é Ciro, que cutuca Haddad novamente ao perguntar sobre a proposta de composição de uma assembleia constituinte. Haddad ainda se mantém firme, mas todo mundo vê que fraqueja um pouco com a rigidez das palavras de Ciro.

- Vai me desculpar profundamente, Haddad, mas você não acredita em uma única palavra do que acabou de dizer.

Depois de receber duras críticas mais uma vez, Fernando se vira para perguntar a mim em um pedido ansioso de trégua. Talvez esteja sendo bonzinho demais, mas resolvo acatar. Até porque, ele me dá a chance de criticar os ditos moderados do centrão e ver Alckmin com cara de tacho é uma das coisas que mais gosto de fazer.

Aliviado por um momento de trégua, ele se permite relaxar um pouco. Enquanto faço minha pergunta para Meirelles, porém, vejo Ciro meneando a cabeça negativamente em minha direção. Assim que saio da visão das câmeras, faço uma pergunta silenciosa ao olhar para ele, que apenas meneia a cabeça de novo e volta à sua pose de debate. Não entendo.

O resto do terceiro bloco passa sem que eu perceba muito do que acontece; não que eu esteja interessado nas críticas vazias desses hipócritas. Porém, aquela negação silenciosa do Ciro me perturbou mais do que eu pensava.

A única coisa que atrai minha atenção verdadeiramente é o circo que Daciolo arma no fim do bloco, com o pretexto de dizer tudo que quer já que o boicotaram no próximo debate. Todos ficam chocados, alguns com um sorriso no rosto. Eu, não tão diferentemente dos outros, tenho que rir quando ele encerra seu show com a pergunta para Ciro:

- Fala pra mim, irmão, sobre FUNDO ELEITORAL!

Dessa vez é Ciro que tem que lidar com a situação de não poder rir abertamente estando na visão das câmeras. Diferente de mim e todos os outros, ele simplesmente não liga muito para essa regra não dita.

O último intervalo do debate chega junto com as equipes de assessores novamente, mas dessa vez não preciso dos conselhos do Juliano. Sinalizo de longe para que ele fique em seu lugar e ele levanta um polegar indicando que está tudo ok.

Olho em volta, procurando ouvir as conversas das equipes com seus presidenciáveis.

Ao meu lado, Marina vai até os mediadores com um batalhão de 20 pessoas atrás dela para tirar dúvidas sobre a mecânica do próximo bloco, quando haverá apenas as considerações finais. Aproveito para observar Ciro conversando com seus assessores e marqueteiros, fazendo alguma graça que provoca uma risadinha entre eles. Quase sorrio também, mas já aprendi minha lição com Haddad.

Quando avisam nos microfones que faltam 5 minutos para o início da última parte da transmissão, Ciro aparentemente dispensa sua equipe. Volto a olhar para frente para que ele não veja que eu estava olhando.

Enquanto penso sobre como perguntar para ele por que está bravo comigo, tomo um susto.

- Oi. - É ele, aparecendo de supetão atrás de mim de novo.

Imediatamente me viro em sua direção, me arrependendo logo depois quando percebo que ele está muito perto. Ao ver meu desconforto, ele dá um passo para trás.

- Oi - Respondo, sabendo que meus gestos estão sendo vigiado por meus correligionários da plateia e provavelmente pelos dele também.

- Você mudou de partido e ninguém me avisou ou é impressão minha? - Conheço bem esse tom de deboche - Que eu saiba, PT e PSOL nunca foram amigos.

- PT e PSOL não, mas Fernando e Guilherme sim.

Ele não gosta da minha resposta; isso está estampado no rosto dele.

- E desde quando vocês são amigos?

Não respondo, até porque não sei a resposta. Ele sorri de canto com as sobrancelhas levemente arqueadas.

- Tudo bem, não estou aqui pra fiscalizar com quem você anda ou deixa de andar. Não tenho esse direito. Ninguém tem. Só estranhei o seu comportamento.

- Estranhou o que, Ciro? Eu conheço o Haddad desde 2013, quando ele era prefeito.

- E eu conheço desde 2005, quando ele era ministro.

Minha vontade é de perguntar se ele realmente está com ciúmes logo do Haddad como está parecendo, mas aqui não é a hora e nem o lugar; principalmente sabendo que tem gente nos observando.

- Tudo bem, Ciro. Conversamos sobre isso depois, ok? Temos tempo.

- Por mim tudo bem.

Com isso, ele tenta ir embora mas seguro seu braço.

- Ei, porque 'cê' tá indo embora?

- Você mesmo disse que queria conversar sobre isso depois, homem.

- Sim, mas ainda quero saber como você tá. Gosto de conversar com você.

Ele abre um sorriso, finalmente. Nunca perde a chance de promover a si mesmo.

- Estou ótimo. Meus assessores disseram que o povo está gostando da minha performance de hoje.

- Isso vai fazer bem pra sua campanha.

- É, eu imagino que sim.

Conversamos por poucos minutos até que nos chamem para voltar ao lugar. Evito olhar para Haddad durante esse tempo, mas logo antes de começar o último bloco, ele pisca para mim do outro lado do palco. Depois de um momento de hesitação, pisco de volta e ele sorri de olhos fechados.

O último bloco não demora nada para passar. Como consiste em apenas apresentar as considerações finais, não percebo a maior parte das falas dos outros. Pra falar a verdade, a fome já está me incomodando.

Sempre passo frio e fome nesses debates mas nunca aprendo. No próximo, vou trazer um casaco e umas barrinhas de cereal pelo menos.

Passo a maior parte do tempo olhando para a plateia ao perceber que Sônia conversa com Eduardo Jorge, vice da Marina, que saiu do espaço destinado à sua equipe para ficar junto com o PSOL. Esse sim é esperto. Trouxe uma torta no debate passado para dividir com a Kátia Abreu e agora trouxe biscoitos para dividir com a Sônia. Imagino que os vices também devem participar de uma espécie de rede de relação de paz mútua, assim como tenho com a maioria dos presidenciáveis.

Me surpreendo quando os mediadores encerram o debate. Marina até me dá um toque ao perceber que estou distraído no final do bloco.

- A cabeça tá longe, né, Boulos?

- Um pouco. - risos - Não vale muito a pena prestar atenção nas propostas vazias da maioria dessas pessoas.

- Isso é verdade. Tantos pedidos por renovação e tão pouca renovação de fato...

- Exatamente. São os 50 tons de Temer.

Ela ri.

- Você tem mais potencial que muitos desses engravatados, Boulos.

Marina é uma das poucas pessoas nesse meio que não me deixam desconfortável. Apesar de divergimos em vários pontos políticos por ela ser do centrão, isso não impede de termos uma relação de solidariedade mútua. Aceito de bom grado quando ela me oferece um abraço.

Logo, aparece Ciro para trocar algumas palavras conosco.

- Eu falei que o nosso amigo Cabo ia aloprar hoje. Ainda bem que eu sou contra o fundo eleitoral, ou seria mandado para o inferno junto com o PT e a Nova Ordem Mundial naquele discurso.

Dou uma gargalhada e sou acompanhado por Marina. Se uma evangélica riu, eu também posso.

Ciro surpreendentemente me oferece um abraço e é claro que aceito. Esse debate melhorou um pouco meu humor e saber que ele não está bravo comigo ajuda bastante.

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Gente desculpa a demora, eu me perdi no horário de verão que nem começou kdnsnfkwnd mas bom dia ♡
Hoje vou soltar o prólogo de uma nova fic spin-off dessa, contando sobre o relacionamento do Ciro com o Haddad em 2005 kkkk se vc faz parte da massa de pessoas que se interessou pelo flashback, podem dar uma olhada lá

Garoto Promissor (Ciro x Boulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora