Aconchego

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Ciro nunca tinha entrado na minha casa; estamos sempre numa completa correria, e nunca há tempo pra coisa alguma. Mesmo antes do período eleitoral, eu e Natália já vivíamos numa pressa sem fim. Entre trabalhar, coordenar ocupações e criar nossas filhas, momentos de paz são mais incomuns do que deveriam. Agora, com toda a agenda de campanha, faz meses que estar em casa com a família é uma raridade pra mim.

- Faz o arroz, Guilherme. Como vocês estão ainda mais cansados que eu, vou tratar de cozinhar hoje. - Minha companheira anuncia, pendurando a bolsa atrás da porta.

É mais ou menos assim que funciona aqui dentro: quem tem mais tempo e disposição é o cozinheiro do dia. Antes desses meses de loucura, na maioria das vezes essa pessoa era eu. Tá aí uma coisa que não me dá saudade.

Trato de ir para a cozinha esquentar água pra fazer arroz, e não demora muito para que ouça a risada da Natália na sala. No começo de tudo isso, cheguei a pensar que ela e Ciro não se dariam muito bem pelos mesmos motivos que fariam com que eu não me desse bem com ele, mas logo aprendi que um político veterano sabe como usar seu carisma. Foi mais ou menos o que aconteceu comigo também.

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São quase 18h quando a van da escola buzina na frente de casa. Vou até lá buscar as meninas, já que Sofia chega dormindo quase todo dia. Hoje não é diferente. Pego ela nos braços e levo pra dentro de casa junto com Laura, que está muito animada por me ver.

Com um sorriso, Natália vai até mim na porta da sala pra pegar a caçula do meu colo.

- Vou colocar essa pequena pra dormir lá em cima. - Ao ouvir a voz da mãe, Sofia abre um pouco os olhos e se abraça nela. Rio. Ela é mesmo mais agarrada na mãe.

Laura, que vive grudada em mim, segue segurando minha mão e olhando curiosamente para Ciro, que olha de volta pra ela com um enorme sorriso. Me aproximo dele assim que Natália sai pra acomodar nossa filha em sua cama.

- Boa tarde. - Minha primogênita cumprimenta Ciro, estendendo a mão para ele. - Meu nome é Laura.

- Boa tarde, moça bonita. - Ele retribui o gesto, segurando o riso. - Seu pai me falou muito bem de você. Meu nome é Ciro.

- Eu também falo bem dele pras pessoas. E da mamãe. - Ela vem na minha direção pra se sentar ao meu lado. - Eu já te vi na TV, Ciro.

- É, eu apareço todo dia. Sou uma celebridade.

- O papai também. Você é amigo dele?
Rio. Ela é muito curiosa. Natália disse que ela seria uma ótima jornalista.

- Sou.

- Isso faz sentido. Já conhece minha mãe?

- Conheço. Ela é uma mulher muito gentil.

- Ah, ela é brava às vezes; principalmente quando eu não faço as tarefas. O papai que me defende.

Tanto eu quanto Ciro damos risada. Ela continua sentada balançando os pés, muito investida em conhecer uma pessoa nova. Se distrai apenas quando Natália desce a escada, voltando para o espaço em que estamos. Assim que ela chega a uma das poltronas, Laura sai de meu lado pra sentar com a mãe.

Laura quer saber tudo sobre Ciro. Passamos os próximos minutos comentando a entrevista exclusiva que o mais velho concede à pequena curiosa. Ele responde a cada pergunta animado e não posso deixar de sorrir. O homem encontrou alguém que quer que ele fale sobre seu assunto favorito: ele próprio.

- Última pergunta, de verdade: Você tem filhos também?

- Tenho quatro.

- Uau! Eles são criança?

- Não, não, três já são adultos e dois tem mais de 30 anos. Tenho um só que é pequeno, o Gael. Quer ver foto deles?

- Quero!!

Natália também se interessa quando Ciro se aproxima delas pra mostrar as fotos. A ideia de que uma pessoa com quem me relaciono tem dois filhos mais velhos que ela chamou a atenção. A diferença de idade entre eu e ele é algo que ela demorou a entender.

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Quando o jantar fica pronto, sou encarregado de acordar Sofia para comer enquanto Ciro convence Natália a deixá-lo colocar a mesa para que ela descanse um pouco. Não é preciso argumentar muito.

A caçula, emburrada por ter sido acordada e naturalmente mais retraída que a irmã, permanece escondida atrás de mim e não quer saber de papo com Ciro. Mesmo assim, ele consegue arrancar um sorriso dela ao elogiar seu cabelo.

Comemos no meio de piadas e comentários infantis. Laura incentiva Sofia a falar também, até que Ciro consegue prender a atenção delas falando do Gael. Natália também entra na conversa.

- Não sinto falta de ter bebê em casa. - Ela comenta - Era uma correria só.

- Ah, e é mesmo. Imagine, eu já tinha três filhos grandes e nem pensava mais em criar menino. Quando esse cabra chegou, pelo menos, eu já tinha as outras crias pra me ajudar. O Yuri se dá muito bem com ele. Brincam juntos o tempo todo.

Yuri é o único filho do Ciro que eu já vi, mas não cheguei a falar com ele. Não é preciso olhar muito pra ver que é o xodó do pai.

- Aqui em casa era só eu e a Natália. - Conto. - Às vezes vinha a avó ou algum amigo pra dar uma olhada nelas em dias muito ocupados, mas quase sempre a gente se virava.

Minha companheira ri ao lembrar daqueles dias. Era difícil, mas eu faria tudo de novo por elas.

Ciro não consegue me convencer a deixá-lo lavar a louça, mas ainda consegue fazer com que eu deixe ele me ajudar. Natália e as meninas ficam na sala fazendo dever de casa.

- Eu nem lembrava mais como era comer à mesa com uma família. - O homem pensa alto, procurando um pano pra secar os pratos. Indico um armário para ele, que finalmente encontra. - É cada um pra um canto lá em casa.

- Ah, aqui nós tentamos manter uma rotina. Um ambiente bom é fundamental pras crianças.

- Queria ser cabeça assim quando tinha sua idade. Às vezes ainda sinto as consequências.

- Nossa, me senti um adolescente careta agora.

Ele sorri e beija meu rosto. Dou uma risadinha.

- Você é bem mais adulto do que eu, cabra. Nem sabia que tinha como fazer isso, mas estou me sentindo criança e velho ao mesmo tempo.

- Acho que entendo. Não tem como mudar o passado.

O celular dele toca no bolso antes da argumentação filosófica que estávamos prestes a entrar. Ele revira os olhos e pega o aparelho, para logo mostrar pra mim o remetente da ligação. 'Kátia Abreu'. Não pondera nem por um segundo antes de silenciar o aparelho e colocar de volta no bolso.

- Ela quer se encontrar comigo ainda hoje pra discutir alianças. Pensei que fosse mais tarde, só que pelo visto deu minha hora. - Vejo que o celular se acende em seu bolso mais uma vez, sem som. - Mas antes, prioridades: Não vou te deixar aqui sozinho com essa louça, homem.

Ele pega seu pano e continua secando as louças que eu lavo, sem pressa.

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Boa tarde gentee
Tá aí um capítulo mais soft pra vcs, pq nem tudo pode ser dedo no cu e gritaria né sushsjdkdkdk
Foi também pra preparar o coração de vocês 👀 os próximos vão ser mais agitados

Garoto Promissor (Ciro x Boulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora