BÔNUS: A Promessa

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2006

POV Haddad

Chorando no quarto, cumpro minha rotina diária. Já faz meses que não consigo passar um dia sem chorar, e não faço ideia de como fazer isso parar.

Mesmo tendo cumprido minha palavra de deixar o passado pra trás, o presente ainda me assombra. Deitar com minha esposa na mesma cama que já deitei com outro homem faz eu ter pesadelos quase todo dia.

Bem que ele me avisou.

Quando eu fecho os olhos, sinto o cheiro dele. Já cheguei a fumar um cigarro dos que ele me deu ano passado (eu não joguei fora como ele pediu, e guardei em minha gaveta) pra não esquecer. Congelo toda vez que alguém bate na porta do meu gabinete e me vejo decepcionado o dia todo quando lembro que ELE nem mora mais em Brasília.

Há alguns dias, entretanto, tomei uma decisão. Não posso mais deixar a culpa me remoer tão profundamente a ponto de afetar minha saúde, minha sanidade e meu relacionamento com a família.

E por isso, decidi contar tudo pra Estela. Provavelmente é uma péssima ideia, mas não consigo mais viver com esse peso nas minhas costas. Não mais.

Mesmo repetindo isso pra mim mesmo sem cessar há dias, ainda me vejo com a garganta totalmente travada quando ela entra no quarto ao chegar do trabalho e me fita com uma expressão preocupada.

- Nando? O que aconteceu, amor? Por que você tá assim? - As mãos tão conhecidas dela no meu rosto me acalmam um pouco, pelo menos.

- A gente precisa conversar, Estela.

- Sobre o quê?

- S-sobre...

Não consigo falar mais; minha garganta se fecha de novo. Aquele calafrio horrível que às vezes me assombra volta com força total. Me sinto mal e acabo caindo no choro mais uma vez.

- Ei... Calma, tá tudo bem. Espera aí um pouco.

Ela sai do quarto com um pouco de pressa e me jogo na cama, secando o rosto com a mão. Como pode um homem da minha idade ser tão inútil? Me sinto uma criança.

Ao voltar, minha esposa traz consigo um copo d'água e logo me entrega. Então, ela se senta ao meu lado na cama e silenciosamente desliza uma mão por minhas costas enquanto bebo todo o conteúdo do copo ansiosamente. Me sinto mais apto a falar, pelo menos. Quando termino, ela pega o copo e coloca na cômoda ao lado da cama. Observo seus movimentos cautelosamente, me preparando para o que está por vir. Não tem mais volta.

- Agora respira, tá bom? Só me fala: Por que você tá assim?

- Eu sou um monstro, amor... Um m-monstro...

- Ei, de onde você tirou essa ideia? Você é um anjo.

- Não sou. Eu... E-eu...

As palavras não saem de jeito nenhum. Minha garganta dói e eu sinto dificuldade pra respirar.

- Respira, Fernando. Eu não vou brigar com você.

- Eu... Traí você. - É a única coisa que eu consigo empurrar.

A reação imediata dela é a esperada. Ela recua e eu consigo sentir o olhar surpreso dela em mim. Não sou capaz de olhar de volta.

Depois de alguns momentos de silêncio, ela levanta da cama e fica em pé na minha frente.

- Eu já imaginava.

Arregalo os olhos, finalmente tendo peito pra olhar pra ela.

- Quê?

Garoto Promissor (Ciro x Boulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora