Passos Lentos

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Era exatamente seis horas da manhã e eu já estava acomodada no apartamento de Chaeyoung esperando para ter um pouco da prometida atenção. Cheguei aqui há vinte minutos, não sei como e nem porque, mas consegui me levantar da cama junto com o sol e dei bom dia para os pássaros de tão estupidamente alegre que eu estava. Eu parecia uma criança feliz, apesar de não gostar nem um pouco desse sorriso descontrolado e dessa áurea infantil que me cercava, eu estava começando a me adaptar com a ideia de me ver assim mais vezes. Não era tão ruim.

Eu estava sentada no sofá da sala esperando Chaeyoung terminar uma ligação importante com a mãe que, pela forma como sua voz elevava e diminuía a todo o momento, eu podia afirmar que não era algo de bom. Larguei minha cabeça sobre o encosto atrás de mim e me lembrei do dia em que conheci a mãe dela, aquele projeto de cobra, rica e estúpida. Quais eram as chances da Chaeyoung ser realmente filha dela? Porque não é possível que algo tão maravilhoso tenha saído de dentro daquilo, ou pior, tenha partes semelhantes no DNA.

Ouvi um grunhido ao meu lado e virei o rosto dando de cara com a decepção personificada. Bom saber que eu não era alvo exclusivo das grosserias da dona Gain.

- O que aconteceu? - perguntei com medo de estar me metendo em área proibida.

- Minha mãe - ela suspirou fazendo seu caminho até mim. - às vezes ela é super protetora e acaba me sufocando com as medidas de precaução que toma.

- O que ela fez?

- Ela está viajando e não quer que eu vá à consulta sozinha, quer que eu remarque para que vá comigo.

- Bom, odeio admitir, mas ela meio que está certa. - realmente eu estava odiando admitir. - Também não acho o mais indicado que você vá sozinha, ainda mais pra uma situação dessas. Seria melhor se estivesse com alguém.

- Mina, é só mais uma checagem. Não preciso de ninguém lá comigo, não sou mais criança - ela bateu o pé e eu jurava ter visto um bico quase se formar em seus lábios.

- Você é uma criança - ri a deixando ainda mais irritada. - Sério, você é!

- Dá pra calar a boca você também? Se não vou costurar seus lábios um no outro. - ela jogou o celular ao meu lado e desfez o caminho para pega algo.

- Eu ia dizer que você é uma pessoa matinal, mas acabo de mudar de ideia - brinquei a acompanhando com o olhar. Nunca me cansava de admirar o quão hábil ela era ao se movimentar naquele apartamento.

- Já que estamos falando de pais, como está a sua mãe? Você nunca fala dela - meu sorriso se desfez automaticamente.

- Não há muito que falar. - dei de ombros me ajeitando no sofá ao vê-la voltar para perto de mim, agora com as mãos cheias.

- Longa história?

- Longa história. - sorri assimilando seu comentário e me ajeitei vendo-a fazer o mesmo na mesa de centro à minha frente. A falta de visão não parecia ser problema algum para ela, suas mãos corriam rapidamente para dentro do pequeno saco de algodão para o frasco de remédio, do remédio para o cotonete.

- Marco - ela disse se virando para mim e parando como se esperasse algo.

- O que? - perguntei sem entender e então ela bufou trazendo a mão pelo ar até encontrar meu queixo e segurar em minhas bochechas com as pontas dos dedos.

- Você não sabe brincar.

Na mesma medida que ela se inclinou, ela me puxou para frente. A outra mão pairava um pouco desnorteada e cautelosa, calculando o próximo movimento. Um medo de aquilo acertar meu olho me subindo rapidamente. Segurei sua mão e a trouxe até minha boca, tocando a ponta do cotonete exatamente no lugar machucado, deixando que fizesse o resto. Era engraçado vê-la tão determinada a cuidar de mim quando tudo sobre ela pedia pelo contrário. Grunhi baixo no primeiro deslizar daquilo sobre a ferida, a careta que fiz com certeza a faria rir e eu sorri só de imaginar. Meus olhos vagaram pelo seu rosto até focaram em sua boca, logo à minha frente, um poço de martírio e desejo meu. Os lábios perfeitamente rosados me chamando para um beijo.

Requiem - Michaeng [BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora