Mau Humor

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Eu estava chegando à faculdade com exatos trinta minutos de atraso, uma cara amassada coberta por óculos, grossas camadas de maquiagem e um gorro mal posicionado no topo da minha cabeça. Esse era o meu uniforme oficial de preguiça e descaso, todos sabiam disso, se não pela roupa, pela minha expressão nada convidativa. Minha mão subia à frente dos lábios de minuto em minuto, contendo parcialmente a visão de um bocejo petulante e contínuo.

Eu estava de pé a mais de vinte e quatro horas, havia perdido a conta quando o sol se foi no dia anterior e o mesmo bolo de papéis fazia volume sobre minha mesa. Eu já suspirava em desgaste junto a Nayeon, minha fiel escudeira, despreocupada sequer em fingir que estava gostando de todas aquelas tarefas que nos foi dada pelo meu pai. Sim, Michael estava de volta e me alugando como nunca antes.

A empresa estava praticamente sob meus cuidados. Todos os problemas, todos os projetos, todas as despesas, todas as decisões dependiam de minha avaliação e assinatura. Lembro-me de me perguntar mentalmente: mas que porra ele está fazendo aqui, se não para me ajudar? Sim, agora eu xingava mentalmente. Um hábito desenvolvido após repreensões da minha linda e educada namorada. A mesma que eu não via a, pelo menos, uma semana.

Meu pai voltara e Chaeyoung se distanciara, não por querer, não por meu querer. Eu simplesmente estava ocupada demais, carregada demais, chata demais. Foi-me lembrado como eu me tornava quando estava sob muitas exigências: uma peste mal humorada. Era esse um dos motivos da minha raiva à empresas e lideranças, eu simplesmente não tinha a paciência necessária para lidar com tantas coisas, tantos olhares ansiosos sobre mim, todos passivos de ordens para começar seu afazeres.

Nayeon e Oliver pareciam ter se tornado imunes, assim como o meu pai, que hora ou outra me visitava em minha sala com piadinhas sobre nosso estado e as mesmas perguntas de sempre, sobre as mesmas coisas. Era quase como um despertador muito bem programado. Um daqueles que te irritava profundamente quando começava a soar. Revirei os olhos tantas vezes que me chequei no espelho para ter certeza de que eles não tinham escapado minhas órbitas.

Agora eu estava de volta à minha realidade, não melhor e não pior, apenas tão chata quanto. Eu estava tão cansada que me sentia entorpecida, era como um corpo andante pelos corredores, programado para aquela rotina sem um pingo de vontade de fazê-lo. Então como em um choque escutei passos apressados, um chinelo despojado se gastando contra o piso em uma correria desengonçada em minha direção. Plac. Plac. Plac. Ergui os olhos poucos segundos antes de notar aquele corpo chegando a mim como um borrão de um quadro mal pintado. Pernas se enlaçaram em minha cintura, braços envolveram meu pescoço, meus óculos cambalearam em meu rosto escorregando ligeiramente pelo meu nariz e atingindo o chão.

Eu ficaria puta, ficaria muito puta se não fosse a única pessoa capaz de amansar a minha ira sem motivos aparentes. Se não fosse aquele ligeiro perfume me inebriando sem pedir licença. Se não fosse aquele contato que me fizera tanta falta e me mantivesse acordada até tarde por algumas noites, buscando no calor de sua voz, no telefone, a ilusão do calor de seu corpo comigo. Calor esse que agora me tomava.

- Eu senti sua falta - seu tom de murmúrio carregado em uma alegria e um pedido silencioso de atenção soou contra meu pescoço.

Respondi apenas com um suspiro um tanto alto, deixando meus lábios se partirem abertos enquanto meus braços a apertavam contra mim. Eu mal senti o peso da mais nova em meu colo, estava fazendo o completo oposto, estava relaxando contra ele, enterrando meu rosto em seu ombro descoberto pelo casaco desajustado em seu corpo. Ficamos assim por um tempo, um longo e precioso tempo, até que a mais nova escorregou para fora do meu corpo, deslizando lentamente por mim à medida que suas mãos me capturavam pelas bochechas e me puxavam em sua direção.

Requiem - Michaeng [BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora