Muito Além De Nós

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A garotinha me encarava não muito distante com aquele par de amêndoas bem amadurecidas, atentas e curiosas, mais lembrando sua irmã mais velha. Elas tinham a mesma forma de olhar as pessoas, chegava a ser estranho. Meus lábios se dobraram em um sorriso descuidado, eu não sabia ao certo o que fazer e esse gesto foi o que mais soou correto dentro de minha mente. Com certeza lhe apertar a mão não seria bom.

Baixei o olhar e encontrei uma cena familiar: seus dedos se emaranhavam, nervosos, aflitos, brincavam entre si de uma forma descompassada o que me deixava mais calma. A pequena estava tão nervosa quanto eu, mas mesmo assim teve a coragem de sentar ao meu lado e me cumprimentar. Acho que agora era a minha vez de tomar uma iniciativa.

- Você é a Sana, não é? - o cabelo escapou para frente de seu rosto quando ela sacudiu a cabeça, um pouco forte demais, para me responder - Você parece muito com a sua irmã.

Menti. Talvez ela não soubesse ainda que ela e Chaeyoung ainda não tinham muitos traços físicos em comum.

- Você é uma princesa? - meus olhos se esgueiraram, surpresos com sua indagação. Os dedos agora descasavam calmos em seu colo e ela parecia livre de um peso. Eu relaxei novamente me dando conta de que ela não passava de uma criança, e que eu não deveria estar me portando muito diferente dela.

- Bom, eu acho que não sou. Você já viu alguma princesa com dentes tão grandes como os meus? - apontei para os motivos de meu breve apelido da época do ensino médio: Castor. A baixinha sorriu.

- Mas você é bonita.

- Obrigada, é porque você ainda não me viu sorrir de verdade - pisquei me deixando levar pelo momento.

- Seus olhos sãos pretos? - ela me observava curiosa e não desviava o olhar do meu de jeito nenhum.

- Não sei, vê pra mim - arrastei meu corpo para o lado e me inclinei em sua direção, minhas mãos indo parar no meu colo da mesma forma que as dela e nossos rostos agora a centímetros de distância. A pequena alternava sem pressa do esquerdo para o direito repetidas vezes, o que me fez sorrir bobamente. Eu podia sentir sua respiração concentrada bater contra minha pele e me trazer as lembranças de um tempo bom em minha vida.

- Eles são estranhos. Na borda é dourado e no meio fica castanho, meio escuro, meio claro... - ela apontou o dedinho como se eu pudesse ver a mim mesma e eu apenas concordei observando-a.

- Seus olhos também são bonitos. Também são meio escuros, meio claros. Parece uma poça de segredos - foi então que ela pareceu reparar em nossa, um pouco exagerada, proximidade e se inclinou um pouco para longe, me avaliando brevemente por inteira.

Eu fiz o mesmo sem deixar de observa-la e sem deixar escapar o sorriso bobo que pairava em meus lábios desde que ela me elogiara.

- Meus olhos são feios, são comuns.

- Eu não sei todo mundo, mas os seus tem um brilho especial. Eles não são apenas castanhos, eles são castanhos Sana. Completamente diferentes de qualquer outro por ai e mais bonito do que todos. Até que o da sua irmã - inclinei em sua direção novamente, já tendo em vista o traço de divertimento em sua expressão - Não conte para ela.

Trocamos um sorriso cúmplice e só então eu percebi que já estava mais do que confortável ao lado da pequena Sana, o que não me era tão simples de acontecer. Assim como Chaeyoung, ela tinha algo diferente. Eu gostava de pensar que era como uma luz, elas eram capazes de atravessar a mais densa neblina de minha personalidade e se entranhar pela menor fresta de minhas enormes muralhas, grandes e esbeltas, das quais eu me orgulhava profundamente de ter erguido em minha proteção. Ambas tinham um caminho certo para atingir meu verdadeiro eu, um caminho mais rápido e mais simples que as outras pessoas não costumavam ter. Isso me deixava profundamente intrigada.

Requiem - Michaeng [BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora