Betina Narrando.
Já fazia uns bons minutos desde que a porta do meu quarto havia sido fechada e eu não conseguia nem mover os meus lábios para dizer algo a ele. O Miguel não me fez uma pergunta, mas meu coração estava necessitado de responder algo a ele. O fantasma das três palavras estava em cada canto do meu quarto, ele nunca havia sido tão intenso em suas palavras quanto agora, nunca o ouvi confessar amor a ninguém e ele esteve de pé a minha frente para isso. Algo está errado comigo, eu não consigo mais ser a mesma, quando eu olho para o romance que construí junto a ele, percebo tantas marcas que me impedem de abrir a porta e dizer o quanto o amo e é bem-vindo para mim. É ele o meu amor, mas eu não tenho nada para oferecer a não ser mais feridas e mais idiotices. Levantei duas vezes da cama, pensei em ir atrás dele, mas com que cara eu o olharia? Ele estava certo, toda sua dureza não passava de pura verdade.
― Bê? – O quarto estava bem mais escuro do que antes do Miguel sair quando o Noah chegou. Ele acariciou o meu rosto úmido pelas lágrimas recentes, além de secar meu rosto, ele colocou o meu cabelo para trás – Betina vocês não podem mais ficar se ferindo dessa forma.
Betina: Por favor, Noah... – Falei com dificuldade e a minha cabeça doeu tão mais forte do que antes.
Noah: Vocês estão fazendo de tudo para se afastarem um do outro? Forçando um término? É isso? – Neguei com a cabeça e me agarrei ao meu travesseiro – Quantas razões vocês precisam para parar com isso? O que está faltando para você? – Levantei da cama de uma só vez, sentindo meu corpo implorar por qualquer resquício de fidelidade ao amor do Miguel, desejava ouvir mais uma vez, de tão falha eu não fui, não fui porque eu continuava a mesma. A mesma que continuava a me igualar com a minha mãe e essa não conseguia seguir em frente.
Betina: Está me faltando tudo, Noah, me falta esquecer, aprender a seguir em frente, perdoar, tentar ser alguém melhor. Eu não consigo olhar para frente, passei esse tempo inteiro pensando que não há nada igual a nós dois e a primeira coisa que me vez a cabeça quando o vejo é medo dele olhar para mim do mesmo jeito quando brigamos. Eu amo o Miguel, mas não confio mais, por mais que me doa falar isso... – Minha cabeça pesou ao ponto de me fazer olhar para o chão e a lágrima pesada caiu no chão – Não consigo me perdoar, nem ele, nem nada mais.
Noah: E consegue o quê? Vai conseguir lidar com essa besteira? Você acha mesmo que consegue seguir em frente sem ele?
Betina: Tenho que conseguir, na minha mente já não tem nada mais certo e eu não posso dar pedaços de mim para ninguém. – Ele ficou em silêncio, sabia que ele estava me olhando desabar bem a sua frente e ao levantar, veio apenas para me abraçar.
Noah: Não vou te dar um sermão, porque não é disso que você precisa. – Sussurrou – Mas você está pedindo por um, vai doer quando o ver seguindo em frente com outra em seu lugar, mas vai doer muito mais quando se tocar que o perdeu por idiotice. É isso que você quer? Você vai suportar ver ele indo embora, Betina? Como você pode afirmar que o ama se você não se esforça para tentar consertar as coisas? Acha que é na separação que os problemas se resolvem?
Cada vez que eu abria minha boca para falar algo, parecia que eu estava falando cada vez mais besteira, então ouvi em silêncio tudo o que o Noah tinha para me dizer. Ele só me deixou quando o Erick chegou, ele não disse nada, a censura em seu olhar já disse muita coisa e eu sabia da sua opinião compartilhada a da Ritinha e a do Tony.
O certo era eu acordar na terça me sentindo revigorada depois de tanto na cama, mas só senti vontade de ficar ali cada vez mais. Antes de sair do quarto, dei uma arrumada nele, prendi meu cabelo em um coque e sai. Ao chegar na cozinha meu coração foi na boca e voltou ao lugar, dei um passo para trás de olhos fechados dando-me conta de que o cara na cozinha era o Natan, amigo dos meninos.
Natan: Bom dia para você também. – Riu olhando para sua xícara de café e depois levantou o olhar para mim – Quer café?
Betina: Só uma pergunta: Você vai morar aqui agora? – Entrei na cozinha, peguei uma xícara no armário e fui me servir.
Natan: Você é sempre abusada assim?
Betina: Fiz uma pergunta normal. – Fui atrás do açúcar na mesa e ele segurou meu pulso fazendo-me olhar para ele.
Natan: Eu também fiz uma, como eu sou veterano aqui, acho que você quem deveria responder.
Miguel: Você sai da cama só para encher a porra do saco, Natan? – A voz dele soou firme pela cozinha, um calafrio percorreu pela minha espinha, sorri debochada para ele sem mostrar os dentes e puxei meu braço.
Natan: Mano, a sua mina combina bastante contigo, abusadona. – Riu. Adocei meu açúcar sem olhar para o Miguel e voltei para a bancada ficando de costas para os dois.
Miguel: Acho que já está na hora de você ir para a sua casa.
Natan: Saudades de quando eu era bem-vindo.
Miguel: Bem-vindo você é po, só não fica incomodando os outros.
Natan: Estava com saudade das suas diretas.
Miguel: Também sentiria se fosse você.
Natan: Eu teria vergonha, mas palmas pela sua coragem. – Riram, dei um longo gole no meu café enquanto olhava pela janela – Vamos sair para beber hoje?
Miguel: Ainda não estou livre, tenho que estudar porra.
Natan: Que droga, quando vamos beber de verdade?
Miguel: Outback amanhã?
Natan: Amanhã minha gata vai marcar em cima.
Miguel: Coragem para "sua gata". – Ouvi a risadinha ácida e segurei até o riso.
Natan: Falando sério, vamos sair para beber amanhã e te apresento a Jéssica.
Miguel: Sempre foi meu sonho sair do trabalho para ficar de vela.
Natan: Leva sua mina, simples.
Betina: Acho incrível como nessa casa só entra inconveniente, achei que o Caleb fosse ser o último.
Natan: Tu é chata assim mesmo?
Betina: Uhum. – Virei a tempo de ver a cara divertida do Miguel enquanto tomava água, ele estava todo suado, com certeza chegou da corrida. Terminei meu café, coloquei a xícara na pia e peguei minha bolsa para sair logo. Ao passar pela porta, o Miguel me segurou pelo braço e olhou de rabo de olho para o Natan que saiu da cozinha rindo.
Natan: Bom dia casal.
Miguel: Não precisa tratar o cara tão mal, releva.
Betina: Cheio de graça já cedo, não estou com humor para isso. – Cruzei meus braços e olhei para o lado.
Miguel: Você pega birra por causa de nada, simples.
Betina: Vou indo. – Mantive meus olhos vidrados nele involuntariamente e dei um passo desequilibrado para trás.
Miguel: Estou indo para aquele canto, carona?
Betina: Não acho bom. – Sorri sem graça sentindo que estava mais uma vez falhando com ele. O Miguel faz de tudo para se manter intacto, mas seu olhar não acompanha o ritmo do seu corpo e eu vi o quanto estava o decepcionando.
Miguel: Você continua sem ter nada para me dizer, Betina? – Mordeu o lábio inferior como quem estava nervoso – É sério? Em um momento você diz que tem muito para me falar, que sentiu saudade, que queria tentar de novo e no outro você começa a dar sinal de quem quer desistir?
Betina: Miguel...
Miguel: Miguel o quê? Fala de uma vez, Betina! Fala que você não quer mais porque não confia em mim, termina logo com isso, não deixa para eu fazer, porque não consigo. – Já não podia nem mais encará-lo e a minha atitude foi manter minha cabeça baixa e os olhos fechados – Fala Betina! Eu conheço você, eu sei que é isso. – Neguei com a cabeça – Então pelo menos diz alguma coisa, me prova que é diferente.
Betina: Miguel...
Miguel: Eu sei qual é o meu nome, então para de repetir ele e começa a ser sincera comigo. – De segundo em segundo eu fui partindo o meu coração, célula por célula enquanto me perguntava porque eu não conseguia lidar com as coisas com tanta facilidade.
Betina: Eu não posso mais, por mais que eu tente... Eu não confio mais em você. – Olhei para ele e foi a pior visão que já tive em minha vida, eu esperava ver de tudo, porque sabia que não suportaria vê-lo chorar. Ele desviou o olhar para o lado, mas não a tempo de me impedir de ver as lágrimas rolando por sua bochecha. Tentei me aproximar, mas ele se afastou mais ainda.
Miguel: Obrigado por tudo. – O bolo formado em minha garganta me impedia de dizer qualquer coisa enquanto o que sobrara do meu coração lutava com forças para tentar mudar a cena.
Betina: Desculpa. – Saiu com dificuldade, quase nem eu ouvi.
Miguel: Obrigado. – Repetiu antes de sair para a área de serviço.
× Caleb Narrando.
Caleb: Seria pretensioso a gente tentar dar conta de todo o assunto nos poucos encontros que temos, mas vamos trabalhar os elementos essenciais para uma construção prática e teórica do pensamento crítico da nossa cultura histórica. É claro que isso é importante, mas porra... – Parei olhando meu relógio – Jogo do Timão mais tarde, todo mundo já está doido para ir embora, nem eu aguento mais discutir Jacques Derrida com vocês hoje. – A turma riu.
― Falou tudo agora professor, vai dar quem hoje? – Um menino lá do fundo falou.
Caleb: Timão cara, tem fé não?
― Confio no meu time, agora só faltou aquela gelada.
Caleb: Essa se faltar nem dá graça para o jogo. – Faltava poucos minutos para a aula acabar, então sentei só para fazer a chamada - Bem, já discutimos uma parte do texto, continuamos a nossa discussão na próxima semana então? – Olhei para a turma que só riu.
Aimê: Semana que vem vamos começar os debates ou não?
Caleb: Importante mesmo, segunda a gente termina a leitura do texto e a na quinta se preparem para o início do debate. Lembrando que participação vale nota. – Olhei para a Ritinha que nunca fala nada durante as aulas e fica o tempo inteiro anotando o que eu falo.
― Sem cobrar tanto, professor.
Caleb: É o seguinte, claro que eu não vou ser estúpido de cobrar de vocês um debate pautado no que tal autor disse em cada texto que viemos trabalhando até agora, mas é bom vocês começarem a ter noção do que significa estar no meio acadêmico. E não precisam se preocupar, aqui não tem maior ou menor do que ninguém. – Assenti olhando para eles, fiz a chamada rapidamente e dispensei a turma. Passei na cantina para fazer um lanche antes de ir embora, fiquei comendo enquanto conversava com alguns alunos que me acompanharam até fora da sala.
Sou fiel ao jogo do Corinthians, mas a minha fidelidade consegue ser maior ao desejo de provocar a Rita que estava descendo as escadas para o estacionamento. Não pensei duas vezes ao me despedir das pessoas e ir ao encontro da Ritinha. Peguei ela bem no meio da escada e um segurança que passava bem na hora olhou de rabo de olho.
― Eu gostaria de ouvir mais a sua voz durantes as aulas. – Apoiei minha mão no meio de sua costa e a conduzi enquanto descíamos as escadas.
Ritinha: Tira a mão. – Disfarçou se afastando.
Caleb: Sente vergonha se for pega junto comigo?
Ritinha: Com certeza, Deus me livre alguém explanar que eu fico contigo.
Caleb: Vou levar isso como um elogio.
Ritinha: Claro, no país das maravilhas que você vive é normal ser sem noção.
Caleb: Sempre tão carinhosa.
Ritinha: Quer o que de mim, professor? – Virou de frente para mim e me encarou petulante. Meu sorriso abriu de orelha a orelha, amo quando me dão o poder para escolher o que eu quero – Retiro o que eu disse. – Rolou os olhos virando-se para frente.
Caleb: Calma. – Fui atrás dela pelo estacionamento mal iluminado e então me toquei que ela estava de carro.
Ritinha: Você não encontrou ninguém para ver o jogo contigo? – Encostei no carro que ela estava e a olhei.
Caleb: Gosto quando usa o cabelo solto, mas preso você fica tão... – Dei um passo à frente e enfiei meus dedos entre os fios posicionando a palma na bochecha dela enquanto a olhava.
Ritinha: Você ficou doido? – Apertou minha mão afastando – Você é muito sem noção, não tem medo de perder o emprego.
Caleb: Eu não vou perder meu emprego. – Ri dando de ombros e encostei novamente em seu carro.
Ritinha: Porque é acostumado a se envolver com aluna, por isso. – Revirou os olhos apertando o alarme do carro e deu a volta para entrar.
Caleb: Te encontro em quantos minutos?
Ritinha: Hoje eu não estou a fim de ir para lá. – Respirou fundo passando a mão em seu rosto e ela parecia estar cansada de algum problema – Você vai assistir jogo, tenho prova para estudar e coisa dos meus alunos para fazer. – Ter um monte de coisa para fazer nunca foi um empecilho para a Rita, havia algo a incomodando, mas ela não me contaria mesmo.
Caleb: Ótimo, Rita, até outro dia.
Ritinha: Boa noite. – Esperei ela sair com o carro até ir pegar o meu e então fui direto para casa. Estava com a mesa da cozinha lotada de trabalho para fazer, havia pego um extra corrigindo redações para um curso pré-vestibular, faria isso amanhã. Deixei minha bolsa no quarto, tomei um banho, peguei cerveja na geladeira e fui para sala assistir ao jogo. Por sorte peguei ele bem no início, mas queria mesmo era estar fazendo outra coisa, mas supero.
Mensagem (1)
Caleb: Fiz alguma coisa para você?
Ritinha: Você acha que fez?
Caleb: Não, mas você estava estranha mais cedo.
Ritinha: Eu gosto de espaço, muito grude me enjoa.
Caleb: Eu percebi isso, mas não significa que eu vá acreditar que o problema seja eu.
Ritinha: É ser muito confiante para isso kkkkkkkkk
Caleb: Sério, tem alguma coisa acontecendo na sua família?
Ritinha: Não tem nada, eu só estou cheia de trabalho mesmo, não precisa morrer de saudade da minha pessoa na sua cama 🌝
Caleb: Você sabe que eu vou cobrar juros né?
Ritinha: Quem é você para me cobrar alguma coisa, meu bem?
Caleb: Eu acho que nem preciso te dizer, ou preciso? 🤔
Ritinha: Não kkkkkk
Caleb: Vai trabalhar, boa noite.
Ritinha: Fica suave aí, não me expulsa.
Caleb: Ih, me expulsou mais cedo.
Ritinha: Só porque eu não estava a fim?
Caleb: Eu não te chamo aqui só para isso, você que escolheu levar dessa forma.
Ritinha: Hmm.
TALARICOS ☠
Miguel: Jogo do timão e a gente já está como?
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Agora eu quero ir
RomanceTraumas psicológicos levaram Betina deixar o interior de São Paulo e buscar uma vida melhor na capital. Mas para isso acontecer ela precisou mentir sua verdadeira identidade. ✓ História publicada originalmente no VK no dia 2 de dezembro de 2017 e fi...