73ª Edição dos Jogos Vorazes

20. Weiß

"I can't win, I can't reign
I will never win this game without you, without you"

(Boyce Avenue - Without You ♫ )

Sempre gostei das histórias de pescadores. Por mais que a crença popular defenda que não sejam as mais críveis do mundo, é exatamente o que as torna tão fascinantes para mim. É a única coisa na qual consigo pensar enquanto sou envolvida por uma luz tão branca que me impede de enxergar qualquer coisa.

A primeira vez que ouvi uma de tais histórias foi em uma das feiras semanais que acontecem até hoje no centro do Distrito 2. Alguns pescadores vinham diretamente do Distrito 4 para vender sem a interferência dos governantes de nosso país, carregados de peixe e frutos do mar frescos. Provavelmente não era um ato legal, tirar a porcentagem de lucro da pesca que deveria pertencer à Capital, ainda assim sempre me pareceu justo, afinal, tudo aquilo vinha do suor e trabalho dos pescadores e construtores de barcos do Distrito 4 e de mais ninguém.

Brutus sempre amou peixe, e especialmente comprá-los frescos. Assim, como passava os sábados em minha companhia – uma curiosa garotinha de seis anos – acabava levando-me com ele até a feira. Foi lá que conheci o Sr. Mortimer. Nunca soube qual era seu primeiro nome, talvez este fosse seu primeiro nome e eu nunca soubera o último. De qualquer maneira, o Sr. Mortimer era um senhor de aparentes setenta anos com cabelos grisalhos, uma pele bronzeada carregada de pintinhas suaves, pouco mais escuras do que ele mesmo, barba rala e uma postura jovial para alguém de sua idade. Era ele quem trazia os maiores atuns dentre todos os pescadores ilegais que apareciam na feira e fora ele quem atiçara em mim a curiosidade quanto ao mar.

Na primeira vez, o velho apenas olhava para mim com curiosidade, intrigado pela criança tão curiosa, ainda assim carregada em uma prepotência e seriedade adultas demais para minha idade. Ele tentava sorrir e fazer algumas piadas comparando meu tamanho aos das trutas. Eu o ignorava, tentando mostrar a meu pai a tal maturidade da qual ele tanto falava, até que o Sr. Mortimer contou a primeira história – sobre uma grande baleia que defendia os oceanos afundando e matando qualquer coisa que não fosse um habitante conhecido do mar – enquanto embrulhava os peixes que Brutus havia escolhido.

— Por que a baleia machucava as pessoas? — eu perguntara em um ímpeto, sem sequer me importar com meu pai bem ao meu lado. O velho sorriu, satisfeito por ter-me ouvido falar depois de tanto silêncio.

— Pensei que fosse muda — brincara ele, ignorando a carranca que Brutus lançara a mim, como se me repreendesse pela má educação — A baleia estava apenas defendendo sua casa, senhorita. O mar é um ser glorioso demais para permitir que os humanos entrem em sua casa e roubem seus filhos.

Naquela época eu não pude entender. E nem poderia. Mas aquela frase, jogada de maneira tão simplória, vinha carregada de um significado muito maior, um que eu compreendo apenas agora, tarde demais talvez. Depois daquele dia, em meio ao barulho dos comerciantes oferecendo seus produtos e a confusão de cheiros do lugar, eu sempre corria na direção do pior cheiro de todos, mesmo que sem meu pai, arrastando Loki e Clove comigo sempre que podia. O Sr. Mortimer quebrara com uma única história e com a maior simplicidade possível toda a arrogância que eu insistira em demonstrar, assim como Sander havia feito.

Tento recobrar qual fora a história – dentre tantas que ele me contara – a que havia quebrado meu orgulho. É frustrante quando todas as conversas que tivemos, desde os dias de treinamento, passam por minha mente de forma desorganizada e acelerada demais, sem que eu possa apreciar sua voz suave e o sorriso aberto, o modo como seus olhos diminuíam a cada riso.