Estou bastante concentrada em vencer Grill em uma partida de xadrez quando Clove e Cato entram no vagão. As coisas estão diferentes no trem este ano, mais luxuosas, e neste restaurante há assentos estofados em um tecido macio e fofo cor de grafite. Em todas as mesas de mogno fosco há a opção de projetar um tabuleiro e peças holográficas para uma distração pós almoço, há também uma televisão circular que pende do centro de modo que pode ser assistida de qualquer lugar do vagão.
Desde que chegamos aqui, Tikki não parou de comentar nem por um segundo sobre o quanto Clove é pequena e magra demais. Admito que não é o tipo de tributo que se espera do Distrito 2; no entanto, eu mesma não era tão alta ou musculosa e aqui estou, coroada e viva. Tento dizer isso a ela, mas não há muito como convencê-la quando estou focada em fazer um movimento arriscado para vencer Grill. É quase certo que ele vai levar a partida, ainda assim me deixo tentar enxergar outra saída. Deslizo um dos peões com cuidado. Meu adversário repousa o rosto nas mãos, concentrado em analisar o novo cenário.
— Espero que isso faça parte da mentoria — diz Cato, sentando-se ao meu lado. Ele me empurra discretamente com o próprio corpo, de modo que deslizo com facilidade até o canto do banco e fique colada na janela. Sorri com malícia enquanto realoca uma de minhas peças no tabuleiro como se nem precisasse pensar para fazê-lo. — Cheque mate.
Grill faz uma careta contrariada, então retira as peças e desativa a imagem do tabuleiro com um toque. Ele convida Clove a se sentar ao seu lado com um gesto. Deixo que um riso divertido escape de meus lábios quando Cato ergue a mão para um cumprimento de vitória. Memórias tomam conta de meus pensamentos devagar, junto com o cheiro familiar que vem dele – sabonete, leite morno, uma nota sutil de canela. Ele sempre teve cheiro de hora de dormir, e sempre foi bom em se provar mais do que esperam dele. Mais habilidoso. Mais inteligente. Mais capaz. Posso trabalhar com isso.
Clove alterna o olhar entre nós dois por alguns segundos desconfortáveis. A luz que vem da janela me faz reparar no iluminador em suas faces. Ela nunca usa maquiagem, no entanto, imagino que alguém deve tê-la feito aderir à ideia, talvez sua mãe, aquela bela e misteriosa mulher de olhos cinzentos. Independentemente de quem a orientou, foi um bom conselho. O país inteiro assiste a Colheita, e esta deve ser a primeira imagem que as pessoas terão dos tributos. Eu diria que é a melhor forma de conquistar patrocinadores fiéis, fazendo-os gostarem de você desde o início, mas a verdade é outra. Eles nunca vão gostar de alguém de distrito. Este é o momento em que decidem quem vale a pena viver, quem poderá lhes pagar com favores de todos os tipos no futuro.
Há aqueles que apostam pela adrenalina, pela fidelidade de torcida a um distrito específico ou por puro vício, e são com estes que pretendo negociar.
Para meu alento, apesar de minha irmã ser linda, não possui o apelo sensual para ser objetificada por nenhum dos lados. Claro que um Vitorioso sempre acaba sendo forçado a criar um apelo sensual depois que os Jogos terminam, mas a princípio, o trabalho de Grill será fazer com que enxerguem e desejem apoiar a máquina de matar que ela foi criada para ser, não sua imagem.
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73ª Edição dos Jogos Vorazes
FanficVencer através do sangue dos inocentes nunca foi nada além de um mero detalhe no caminho para a glória na vida de Syrena Jaeger. Fruto do breve relacionamento entre um par de vencedores do Distrito 2, a garota passou seus anos se preparando e sonhan...