Ninguém contesta quando, depois de pouquíssimo tempo, enxugo as lágrimas e sumo mata a dentro. Sento-me com as costas apoiadas em um tronco áspero de palmeira e olho para minhas próprias mãos, agora completamente curadas. Respiro fundo, buscando forças para evitar que minha alma inquieta se entregue ao pranto. Inspiro o cheiro da floresta, da terra molhada pela chuva agora interrompida.
Uma sensação ruim percorre minha espinha, causando-me calafrios desproporcionais ao clima habitual da arena. Olho em volta, mas não encontro nada nem ninguém. Minha única companhia é o céu azul escuro, adornado pelo brilho sutil das estrelas e de uma lua cheia pálida, além dos insetos e aves da floresta, que insistem em cantar de forma melancólica, como se eles mesmos prestassem seu luto particular, o mesmo luto que privo-me de viver.
Tenho mais alguns minutos antes da hora planejada para nossa emboscada. Sander mapeou as estrelas de modo a nos orientar quanto ao tempo. Pergunto-me se fora uma triste coincidência acabar sendo tão próxima da hora da morte irremediável de Heinrich. Tento não imaginar como a família reagiu a tudo aquilo, em como seus pais e até mesmo o cachorro se sentiriam ao vê-lo pela última vez, já sem vida preso em um sono eterno, induzido pela necessidade de outros sobreviverem.
Posso ouvir a voz rouca e gélida de meu pai, acusando-me de minha fraqueza, decepcionado por perceber tarde demais que meu emocional não estava preparado para os Jogos, que me apeguei e tentei salvar a quem deveria tratar como mera presa. Sei que ele não está aqui, mas a voz é tão real que posso ouvi-la através dos últimos trovões que anunciam o fim da chuva. Assim como, logo em seguida, ouço também, com mais clareza ainda, a risada divertida de Clove, os comentários maldosos dos outros Vitoriosos do Distrito 2, cobrando de meus pais uma postura mais profissional de minha parte.
As vozes começam a se misturar, cada uma tentando fazer-se mais alta do que a outra, como se disputassem para ver qual consegue explodir meus tímpanos primeiro. Levo as duas mãos às têmporas, repetindo a mim mesma que nada do que ouço é real, que não passa de minha mente pregando peças maldosas, autorizada pela instabilidade que a morte de Heinrich me causou.
Toda a minha criação fora pautada em como ser uma assassina eficiente. Aprendi a jamais baixar a guarda em um combate, a não cantar vitória antes da hora, não demonstrar meus pontos fortes e muito menos os fracos, e ainda assim errei na hora de aplicar tais lições ao esquecer de meu interior.
Na busca pela perfeição na arte da luta, me submeti às maiores provações e falhas estrondosas, para isso, acabei esquecendo-me de submeter-me ao amor e a aprender a lidar com a perda. Para alguém cercada por pessoas que nunca deixam tal sentimento entrar, sempre parece muito fácil agir da mesma forma. Se não há o que amar, não há o que perder. Aparentemente, o mundo real não pensa da mesma forma. Nele, as pessoas se apegam umas às outras, elas amam, sem medo das consequências que isso trará. Como Heinrich. Bronagh. Sander. Como Loki e eu fizemos sem ao menos perceber.
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73ª Edição dos Jogos Vorazes
Fiksi PenggemarVencer através do sangue dos inocentes nunca foi nada além de um mero detalhe no caminho para a glória na vida de Syrena Jaeger. Fruto do breve relacionamento entre um par de vencedores do Distrito 2, a garota passou seus anos se preparando e sonhan...