Mesmo depois de quatro dias, continuo a receber presentes de Demetrio Lowgrass. Além do conjunto de lingerie e do colar de rubi, ele me enviara duas pulseiras de ouro negro e dois vestidos que não me seriam úteis em ocasião alguma no Distrito 2 ou em qualquer outro. Meu maior desejo é me livrar de tudo, contudo, cada um dos presentes vem acompanhado por uma carta, todas dentro de um envelope branquíssimo fechado com o selo da Capital em cera dourada. Apesar de querer queimá-las antes de ter a chance de ler qualquer uma das palavras, cada uma das mensagens vem recheadas com alguma informação importante sobre o futuro que repudio ao máximo.
Todas as mensagens relatam as sensações que minha performance haviam lhe trazido, detalhes sórdidos sobre como ele anseia por meus lábios e os sons melódicos que eles emitem. Eu não respondo nenhuma delas, esperando que a próxima não solicite minha presença. Felizmente, Demetrio parece levar a sério a questão da idade, pelo menos quando a diferença é grande como a que existe entre nós. O que me incomoda desde aquele dia, no entanto, não tem a ver com Demetrio ou mesmo comigo, mas sim com Conway. Ainda me sinto terrível por havê-lo deixado sozinho à mercê de mais exploradores. Não fosse o suficiente, lembranças daquela noite invadem meus pensamentos nos momentos mais inoportunos, como a sensação do peso de seu corpo sobre o meu, de tocar as cicatrizes nele, e de como seus olhos buscavam os meus o tempo todo apenas para que eu não olhasse para os outros.
A vergonha me corrói por inteiro quando me dou conta de tais pensamentos, e especialmente quando todas as cartas de Demetrio remetem a isso de uma maneira ou de outra. Não consigo entender como ele acha que posso responder aos seus flertes quando nada daquilo teve realmente a ver com ele. Os únicos rostos vívidos daquela noite em minha memória são o meu, o de Conway, e o de Lascínia Lowgrass. Em apenas um encontro, já cultivo imensa aversão pela mulher de cabelos rosados, pelo modo como ela tratara a mim e ao outro vitorioso como não mais do que animais.
Puxo as cordas com uma força maior do que deveria, e vejo o peso chegar aos meus pés. Exercícios de força tem ajudado a me distrair toda vez que algo toma muito espaço em meus pensamentos. Ignoro os risos de Loki que parecem ecoar das próprias paredes da academia. A área espaçosa de teto altíssimo na qual os exercícios de corrida e força são feitos está cheia de alunos mais jovens e mentores que não podem ver que sua maior figura de inspiração no momento está falando com o ar. Alguns correm com pneus de caminhões amarrados às cinturas enquanto os treinadores gritam em incentivo, outros fazem flexões em barras altas enquanto seus gritos, urros e rosnados ferozes ecoam pelo recinto, lembrando-me de quando eu era tão empenhada em treinar quanto eles.
De onde estou, posso ver ao longe a parede de escalada, na qual agora dois lobos estão pintados em homenagem a meu primo e a mim. – Todos os vitoriosos recebiam uma singela homenagem, mas nunca os mortos, e ver algo feito para Loki me emociona – Um dos lobos é branco, com brilhantes olhos azuis e uma esfera prateada em volta da cabeça, o outro é negro, olhos vermelhos como sangue e envolto por uma outra dourada. Ainda não tive a coragem de me aproximar, e ainda demorarei a reunir o suficiente, mas não consigo tirar meus olhos do lugar, onde três jovens pendem com as cinturas seguras por cintos de tecido. Os patrocinadores bem poderiam ter enviado alguns daqueles na arena ao invés de luvas de couro que de nada adiantaram para salvar meu aliado da queda. Quão ingrata você é, Syrena, penso, sem de fato me importar com gratidão, não quando as pessoas atreladas a ela são os mesmos que patrocinam a chacina na arena todos os anos.
Enquanto meus olhos ainda estão vidrados na parede, tão distante, um sussurro me tira de meu transe, um que não escuto desde a chamada de Lowgrass. Por mais que houvesse sentido falta daquela presença, não quero encará-la outra vez, não depois do que aconteceu na Capital. Você não podia ter feito aquilo comigo, Syrena. É essa a frase que a voz de Sander repete continuamente. Tento encontrar a origem, onde sua imagem se encontra, mas não há nada além do som, e por alguma razão, sinto-me ainda mais louca. De todos os vitoriosos deste maldito país, justo ele...
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73ª Edição dos Jogos Vorazes
FanfictionVencer através do sangue dos inocentes nunca foi nada além de um mero detalhe no caminho para a glória na vida de Syrena Jaeger. Fruto do breve relacionamento entre um par de vencedores do Distrito 2, a garota passou seus anos se preparando e sonhan...