33. Annehmen

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Minha mãe me olha de onde está, os olhos castanhos mais do que preocupados, esperando que eu diga alguma coisa ou que ao menos reaja com revolta, medo, desespero, felicidade ou qualquer outra coisa que me torne humana, mas não consigo

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Minha mãe me olha de onde está, os olhos castanhos mais do que preocupados, esperando que eu diga alguma coisa ou que ao menos reaja com revolta, medo, desespero, felicidade ou qualquer outra coisa que me torne humana, mas não consigo. Meus olhos permanecem vidrados no tapete de pele de carneiro em minha sala de estar, minhas mãos coladas à xícara quente de chá, sem que o calor sequer incomode minha pele. Ainda não consigo entender como aconteceu, e tampouco quero acreditar que seja verdade. Não posso estar grávida. Não posso, desejo ou tenho condições de ser uma mãe. Eu sou emocional e psicologicamente instável, um tanto louca e obviamente desprovida das emoções necessárias para a tarefa. Imagino que Enobaria deva ter sentido tudo isso quando descobriu sobre mim, e em dobro, afinal, ela tinha três anos a menos do que tenho agora. Era ainda mais despreparada.

Imagens de minhas noites na Capital continuam voltando à minha memória de uma única vez, junto com a mesma frase que sempre repetiam antes de tudo: "Não se preocupem com detalhes, ela foi esterilizada depois dos Jogos". Disseram-me aquilo mais de uma vez, e não fora uma única pessoa. O próprio Seneca usara aquelas palavras. Na sala do hospital, a repulsa tomara conta de mim quando percebi que qualquer um, até mesmo ele ou Orion poderiam ter sido os responsáveis pela minha condição. Mesmo assim, não consegui ter uma reação decente. Pelo contrário, permaneci com os dedos enterrados nos lençóis, olhando para o mesmo ponto fixo do chão enquanto minha mãe e a médica conversavam sobre possíveis soluções para o meu problema.

A própria Enobaria usara o argumento de minha falta de condição mental e emocional quando sugeri que tirassem o bebê de mim, e a Dra. Underlock rebatera dizendo que eu morreria se tentasse tirá-lo, por conta dos ferimentos ainda não cicatrizados adquiridos na arena, o que fez com que a Vitoriosa desistisse da ideia na hora. A princípio, não enxerguei o problema daquele cenário, mas então a promessa que eu fizera a Conway uma semana atrás me veio à memória. Eu posso ter me tornado muitas coisas desde que saí do Distrito 2 em direção aos Jogos Vorazes, mas a única coisa que me restou foi minha verdade, e não posso aceitar morrer como uma mentirosa pelas mãos de um médico qualquer. Tenho apenas que agir como uma desocupada sorridente da Capital para que Conway cumpra sua parte e me elimine junto com meu recém descoberto problema, antes que seja revelado.

A Dra. Underlock também havia dito que, como a gravidez tem menos de dez semanas, será possível ter a data exata da concepção pelo ultrassom, o que responderá ao menos uma pergunta. Quem é o responsável por isso. Lembro-me exatamente de quando estive com cada um deles. A melhor chance desta criança é, caso ela chegue a nascer, que seu genitor seja, dentre todas as horríveis possibilidades, um dos dois da Capital. Eles jamais mandam seus filhos para o abate na arena, que é o destino que certamente a aguarda caso o pai seja na verdade outro Vitorioso. De qualquer maneira, viver em Panem continua sendo uma perspectiva horrível.

Depois que minha mãe implora para que eu diga qualquer coisa e me questiona sobre os possíveis pais da minha criança, conto a ela sobre meus principais suspeitos. Assim como eu, ela não parece enxergar muito futuro com nenhum deles. Quero poder dizer a ela para não se preocupar à toa, afinal, meu problema estará resolvido em menos de um mês, e o dela também.

73ª Edição dos Jogos VorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora