As ondas baixas de minha ilha tocam uma música suave quando quebram. São nestes momentos que consigo ter alguns vislumbres da Ilha A em toda a sua glória como morada dos Carreiristas. Pego a mim mesma perguntando-me se deveria ter aceitado a proposta que sequer deixei a garota loba fazer. Sander havia apelidado os tributos do Distrito 2 no momento em que os vira no primeiro dia de treinamento, dizendo que eles brincavam um com o outro como filhotes de lobo, lutando e mordendo vez ou outra, mas sempre com sorrisos nos lábios, mostrando os perfeitos e ameaçadores dentes sem ao menos imaginar que eram tão presas quanto os outros, quanto nós, os não tão nobres atuns do Distrito 4.
Se eu houvesse aceitado me aliar a eles, estaria agora com os suprimentos, os sacos de dormir e quantas armas pudesse imaginar, talvez outro arco. Sander havia pego um na Cornucópia, enquanto tudo o que consegui foi um arpão, na correria, algo no que descobri-me péssima ao manejar. Meu parceiro riu com escárnio de minha inabilidade e gentilmente permitiu que eu ficasse com o arco e as flechas. Ele mesmo passou a usar o arpão, e com maestria, a mesma que teria ao usar qualquer arma. Invejo suas habilidades, mas preocupo-me com seu senso de honra. Torna-o vulnerável de certo modo, e minha preocupação por ele também torna-me igual, mas como não me preocuparia?
Crescemos juntos, eu ao lado do meu pai engenheiro de pesca, ajudando-o a construir os equipamentos que Sander e o pai usariam em alto mar. Vi-o dominar a oceanografia física na escola mesmo com todos aqueles números e fórmulas, vi minhas irmãs lançando olhares faceiros acompanhados de bochechas sardentas e coradas na direção do pescador a medida que crescíamos. Não é como se eu pudesse simplesmente desejar sua morte, muito menos ansiar por ela como anseio pelas dos Carreiristas na Ilha A. Sander, criativo como é, queria nomeá-las com os nomes dos continentes do mundo antigo – Europa, América e Oceania – , no entanto, fui obrigada a olhá-lo com incredulidade e dizer com firmeza A B e C.
A música das próximas ondas vem acompanhada de um distante e longo "Eeeeei". Tiro os cachos do rosto e olho para frente. Da ilha de meus inimigos, a figura pateticamente alegre do lobo maior, o destemido e irreverente Loki Jaeger, a quem, mais pateticamente ainda, não consigo odiar. O imprestável fizera-me rir durante os dias de treino, tomara aquilo como desafio e vencera com mérito. Eu havia gargalhado tão alto que os Idealizadores, de seu inatingível palanque, lançaram todos os olhares em minha direção. Por alguns momentos, quando o sobrinho de Brutus se sentava ao meu lado no almoço e roubava coisas do meu prato, rindo e soltando piadas infames enquanto comia, pensei que talvez fosse uma pessoa comum, apenas um idiota de riso fácil pelo qual é ridiculamente fácil se apaixonar. Contudo, horas depois eu o via treinando, decapitando bonecos e derrubando qualquer um que ousasse desafiá-lo a duelos e nocauteando-os até que os Pacificadores fossem obrigados a intervir.
O arrogante garoto do Distrito 1 estava sempre sorrindo e bajulando os lobos do 2 como se fossem amigos há vidas, mas a reação que tivera quando Loki o humilhara em um treino corpo a corpo cheirava a veneno, algo que eu pude pressentir mesmo de longe, e me fizera temer por eles.
Respondo com um aceno largado e um sorriso torto. Ele está habituado à minha falta de entusiasmo para socializar, não se sentirá ofendido pela resposta. Pergunto-me como alguém pode parecer tão feliz neste lugar, com a prima a quem parece tão ligado condenada ao mesmo destino que qualquer outro dos vinte e três tributos. Loki não parece sádico como o tio fora. Talvez seja, talvez apenas não tenha noção do perigo ou, ainda, talvez possa usar tantos sorrisos para esconder o medo. Um desejo de cruzar o pequeno oceano que nos separa apenas para abraçá-lo e arrancar dele a verdade, seja ela a me revelar um psicopata ou um bobo de tamanho e força ameaçadores, instala-se em meu coração enquanto o vejo sorrir e acenar. Maldito seja. Havia censurado tanto Sander por seus modos de ganhar a confiança de Syrena, dizendo que acabaria se apaixonando no processo e, no entanto, ele parece muito mais empenhado no papel de matá-la quando tiver a oportunidade do que eu a Loki.
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73ª Edição dos Jogos Vorazes
FanficVencer através do sangue dos inocentes nunca foi nada além de um mero detalhe no caminho para a glória na vida de Syrena Jaeger. Fruto do breve relacionamento entre um par de vencedores do Distrito 2, a garota passou seus anos se preparando e sonhan...