30. Jardim

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— É claro que ele faria isso! — Eu nunca havia visto Hayley tão irada em toda a minha vida, e o modo como ela marcha de uma lado para o outro em minha sala de jantar enquanto grita negações absurdas faz com que eu me arrependa de ter contado a eles. Meus pais estão sentados, longe um do outro, ainda assim, trocam olhares significativos vez ou outra, como se planejassem em silêncio o que diriam a seguir, sem consultar nenhum dos outros presentes. — Espero que tenha dito não, Syrena.

Memórias minhas dizendo um não extremamente seco me trouxeram certa vergonha pela falta de consideração, mas como eu deveria ter reagido? Não estava esperando por um pedido de casamento aos dezesseis anos, muito menos vindo de meu estilista, um homem da Capital que nunca saberia como é minha realidade. A pele escura de Hayley brilha sob a luz forte da lâmpada pendurada bem acima de sua cabeça, e seus olhos parecem completamente negros de tanto ódio inflamado. É de conhecimento geral que ela fora casada com um homem importante da Capital, e que o relacionamento terminou em um fracasso completo, contudo, há algo muito que poucas pessoas além dela própria sabem. Sinto-me tentada a descobrir, inflamada pelo instinto de que caso eu venha a aceitar o pedido de Frako, qualquer informação sobre a vida de Hayley na Capital seja útil.

Sentada em uma das cadeiras, próxima à minha mãe, de quem tenho mantido uma distância considerável, bato as unhas na mesa de vidro, inquieta, esperando por um conselho racional. Grill me parece completamente desconfortável, recostado contra o buffet, de braços cruzados, os olhar fixo no chão, e Lyme observa a inquietude de Hayley, como se esperasse com certa impaciência que ela recobre a consciência. Como isso obviamente não acontece, ela mesma se pronuncia:

— Não é uma boa ideia — diz. — Não duvido que tenha sido ideia do próprio Snow. Se você se casar com seu estilista, vai viver na Capital e estar debaixo do eterno controle do governo. Vão transformá-la em outra pessoa. Loki não morreu para isso.

— Ele disse que isso pode acabar com os trabalhos que o presidente...

— É mentira — brada Hayley, com enorme desdém — Os homens da Capital, especialmente os mais ricos, são pervertidos, e mesmo que se casem conosco, continuam nos enxergando como animais, objetos, prêmios... o abuso só piora. A diferença é que depois de colocar uma aliança no seu dedo, ele não vai mais precisar pagar por isso.

Engulo em seco, sem conseguir discernir qual é o pior cenário para mim, e sem ser capaz de imaginar como o abuso poderia piorar depois de um casamento. Uma união com um dos filhos da Capital deveria nos proteger, e não nos tornar mais vulneráveis. Penso em como a situação dos Carreiristas Vitoriosos é humilhante. Somos ensinados a vida toda a nos sentir superiores, a agir com superioridade e receber a glória como divindades de guerra, entretanto, não passamos de animais de estimação treinados primeiro para matar e depois para entreter. Não somos melhores do que os tributos despreparados dos distritos menores que não tem vontade ou preparação alguma. Somos piores por aceitar, obedecer e não nos indignar contra o que fomos tão adestrados a acreditar, como cãezinhos de colo guiados por uma bela coleira de brilhantes.

— O único casamento que te livraria dos compradores seria com alguém que eles também adoram, outro Vitorioso — diz minha mãe, com sequidão. — E é por isso que nunca aconteceu. Até o presidente sabe o perigo que uniões assim podem oferecer...

Nego imediatamente, tentando parar as imagens das experiências de Demetrio com os outros vitoriosos além de Conway. Uma parte de mim ainda deseja que ele houvesse sido o único, já que nenhum dos outros três teve a mesma capacidade de me fazer ignorar os espectadores. Pelo contrário, vi a mim mesma tensa e desconfortável, torcendo para que tudo terminasse o quanto antes, ou atuando com exagero para que acabasse mais rápido e se minha vergonha me impediu de sequer olhar para o primeiro, com os outros ela foi intensificada, e mesmo os que eu já conhecia se tornaram estranhos outra vez. Com tudo isso em mente, tenho certeza de que última coisa da qual preciso é fingir um relacionamento com qualquer um deles, ou com absolutamente qualquer um.

73ª Edição dos Jogos VorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora