Congresso

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Há vinte anos

Não conseguia evitar que seus olhos seguisse a garota por todos os lugares do orfanato, era algo estranho admitia para si mesma, contudo, algo nela lhe mantinha em um tipo de atração magnética. Vê-la sozinha - assim como si - mantendo uma distância considerável das outras crianças, não interagindo com ninguém, não rindo, e nem chorando, apenas ficando quieta em seu canto com um caderno em mãos.

Algo nela atraía Lydia de uma maneira intensa.

Os cabelos pretos sempre soltos sobre a face, escondendo o rosto que nunca conseguiu observar com clareza, o corpo magro escondido dentro do uniforme ridículo que era obrigada a usar, sempre sendo uma das primeiras a terminar as refeições. O único momento onde Lydia não a observava era quando iam dormir, afinal, estava em quartos diferentes.

Desde que havia colocado nos pés naquele lugar há duas semanas pensou que viveria em um profundo tédio e fugiria de qualquer aproximação - o segundo o era verdadeiro -, porém, naquele momento tudo o que Lydia desejava era aproximasse da garota misteriosa e desfocada.

Ela parecia um lobo solitário, se sentia da mesma forma, a observava encarar o mundo através da janela enorme do orfanato, sentar-se em um banco no jardim enquanto puxava a grama não aparada e brincava, então, caminhando pelo lugar, aventurando-se na biblioteca ou sentada na sala de estar encarando o nada. Conseguia perceber e até sentir o nível de tristeza que rodeava aquele corpo, o campo magnético era intenso demais para conseguir ignorar.

Ela parecia tão frágil, tão imponente, tão insegura.

Como uma garota anormal de quatorze anos. Talvez, esse fosse um dos motivos que a fez lhe seguir mais uma vez naquele dia, prevendo os passos, ela sempre fazia a mesma rotina, nunca mudava, o que mais uma vez era estranho, contudo, naquele dia no lugar de vê-la caminhar até o jardim a viu subir uma escada que era totalmente proibida para qualquer órfã.

Mesmo sabendo que era contra as regras, seguiu ela, subiu as escadas parando quando chegou em um corredor repleto de salas e a viu de braços cruzado lhe encarando no meio dele, naquele momento conseguiu observar a face dela, os olhos escuros e os lábios finos. Os cabelos pretos batiam na altura dos ombros e estavam bagunçados de uma maneira que lhe fazia questionar se ela ao menos penteava-os.

— Quem é você? Por que está me seguindo?

Lydia engoliu em seco, questionou-se por alguns segundos se deveriam sair correndo pelo mesmo lugar, contudo, desistiu e terminou de andar em direção da garota. Ela estava curiosa isso era mais do que um fato comprovado, por causa disso parou em sua frente.

— Sou a Lydia e você?

— Por que está me seguindo?  — repetiu a garota.

— Você parece ser tão solitária, assim como eu.

Observou a garota lhe encarar, provavelmente, analisando sua face notando as fracas manchas arroxeadas em suas bochechas. Afinal, as marcas estavam sumindo, ou pelo menos aquelas que não viraram uma cicatriz demarcando seu corpo. Os olhos esverdeados tristes e os lábios carnudos.

— Sou a Allison.

Então, viu um sorriso mínimo parecer no rosto pálido da garota, retribui de forma tímida. Fazia tanto tempo que ninguém sorria para si, fazia tanto tempo que nem vontade de sorrir existia dentro de si, se questionou se as coisas iriam melhorar como de fato previu naquele momento, ela tinha encontrado uma amiga, finalmente.

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