Anna

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BIP... BIP... BIP...

O único som presente no quarto de hospital é do monitor cardíaco, uma prova constante a minha sanidade de que estou mesmo livre e continuo viva.

BIP... BIP... BIP...

Me concentro em contar cada batimento enquanto olho o teto branco fixamente. Pessoas entram e saem do quarto, enfermeiras colhem exames, médicas checam minhas condições, sempre mulheres, é a forma deles em mostrar respeito ao meu corpo por tanto tempo violado por um homem. Muitos tentam conversar, me fazem perguntas, mas meu cérebro se recusa a escuta-los, ou perceber quem são, não quero correr o risco de acordar e descobrir que tudo não passou de um sonho, portanto continuo a olhar para o teto e contar os batimentos produzidos pelas máquinas.

Sei que Ayla esta bem, protegida e saudável, já me falaram isso e isto me basta por enquanto, então me permito um tempo só meu antes de retornar a realidade triste em que minha vida se tornou. A partir do momento em que eu reagir, que eu voltar a realidade, sei que terei que enfrentar tudo que me aconteceu, falar sobre tudo, encarar as pessoas, encarar Marc, então eu me permito só mais um pouco de tempo, talvez eu esteja sendo egoísta, mas talvez eu mereça ser egoísta só um pouquinho... Só mais um pouco...

- Anna? - Essa voz... De onde eu conheço essa voz? Continuo a olhar o teto, mas a voz continua a me tentar para descobrir a quem ela pertence - Qual é Maison, vai me ignorar igual quando me conheceu? Sabe que você não resistiu ao meu charme no final das contas.

Jony... Lágrimas banham meus olhos e escorrem pela minha face, mas mesmo assim não me permito encarar a realidade, eu não quero encará-la! Só quero a paz em que estou presa, longe de tudo. Ele toca a minha mão, o primeiro homem a fazer isto desde que fui encontrada, e a ergue até seu rosto. Posso sentir suas próprias lágrimas em contato com a minha pele, o homem que nunca chorava, o homem forte que conheci, esta aos prantos vendo o desastre em que me tornei. Jony representa minha antiga vida, uma parte muito feliz desta vida que se perdeu e não sei como encará-lo, então fecho meus olhos com força, não querendo manchar as memórias felizes que tenho com ele.

Alguns minutos se passam com pesar sobre aquela situação, memórias são revividas em minha cabeça, memórias que a muito me recusava a lembrar, por medo de nunca mais ser feliz como fui um dia, até que ele parece se recompor, limpa as lágrimas e se arruma na poltrona próxima a cama, Jony como sempre querendo ter o controle sobre a situação, mas sem jamais largar minha mão.

- Anna, eu não posso nem começar a imaginar o que você passou nas mãos deste homem durante os últimos anos, e não há palavras que descrevam o quão cruel ele é... Ele roubou quase seis anos da sua vida, anos que você jamais terá de volta e talvez, você nunca alcance a justiça que deseja, acho que nada será suficiente para que você se sinta vingada, mas posso te dizer uma coisa? - Ele alisa meus cabelos com a outra mão que não segura a minha e aproxima seu rosto do meu ouvido - A melhor punição que você pode dar aquele monstro é se permitir ser feliz, é seguir com a sua vida e a de Ayla e mostrar que ele não conseguiu te destruir... Porque continuar aqui deitada, recusando tratamento, se recusando a voltar para a realidade, para a sua filha e sua vida, com pena de você e apegada ao passado, ficar pensando em tudo que lhe aconteceu só dará a ele ainda mais controle e poder sobre você, ele continuara comandando e roubando a sua vida. Então eu te peço, que por você e principalmente por aquela menininha que está no quarto ao lado pedindo pela mãe dela, que você não permita que isto aconteça... A justiça pode ou não ser feita, mas não ouse dar a ele mais um segundo sequer da sua vida, esta me ouvindo?

Enquanto Jony derramava suas palavras sabias sobre mim, de forma firme mas mesmo assim transbordando em carinho, viro meu rosto e me permito encará-lo. Meu amigo estava ali, um pouco mais velho e maduro, bem ao meu lado como sempre esteve, segurando minhas mãos enquanto eu desabo em um choro a muito tempo preso dentro de mim, um choro que trazia consigo toda mágoa, raiva, tristeza, alívio e enfim liberdade, um choro que não derramei desde que fui encontrada. Ele me abraça forte e me permito ser abraçada, era bom receber um abraço tão cheio de carinho e verdade.