Sentimento 02

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Uma vez, quando era bem nova, minha mãe me falou: "Quando você encontrar a pessoa certa, você vai saber, vai esquecer de respirar perto dele, seu coração vai palpitar, e vai sentir saudade até mesmo quando ele foi no banheiro, seu peito vai doer quando ele não responder suas mensagens, e vai chorar por nada, por ele, por vocês, por tudo... Mas vai valer a pena, por que quando é a pessoa certa, tudo vale a pena"

Eu achei aquilo lindo, mas ao mesmo tempo me deu vontade de vomitar e uma bobagem já que tinha apenas 8 anos e nem sabia o que era um garoto direito. Eu sempre fui assim, seca, grossa. Até meus 15 anos, papai me chamava de poli-grossa ( o que significava que eu era grossa de todas as formas possíveis e inimagináveis, com todo mundo ). Acho que sempre tive esse jeitinho, e eu sabia porque, só não gostava de falar sobre.

Com 7 anos, minha mãe me colocou na psicologa, para eu me abrir, já que não contava nada para ninguém, sobre o que estava sentindo, nem quando estava com dor, nunca falava, até desmaiar de tanta dor de dente, ou de estômago. Não funcionou, eu não falava nada pra ela,e sou assim até hoje. Sei fingir muito bem quando se trata de mascarar o que sinto, eu posso estar morrendo, você nunca vai saber, nem o que sinto em relação a você, nenhuma dor, nem um ódio, nada. Ninguém sabe o que realmente estou sentindo, sabem quando conto e se conto, o que é raramente, quase nuca.

Nesse tempo que fiquei indo a terapia, fui diagnosticada com depressão e ansiedade, aos 9 anos, e comecei a tomar remédios muito fortes, que tomo até hoje. Eles me deram força, por um tempo, mas ao passar dos anos, tive que aumentar as doses, pois não adiantava, era o mesmo que placebo.

Eu me sentia a pior pessoa do mundo, por fazer todo mundo passar por aquilo, minha família desmoronou, aos poucos, e, até hoje, me sinto culpada por isso, em parte.

Com 11 anos, eu me cortei pela primeira vez, foi um choque, ver o sangue escorrer daquele jeito, eu não tinha estudado o corpo humano ainda, naquela época, e não sabia que tínhamos tanto sangue ( pra quem não sabe, eu pesquisei naquela época: o volume de sangue existente no corpo humano corresponde de 7% a 8% do peso corporal de cada pessoa. Por exemplo, se alguém pesa 75 quilos, ela terá entre cinco a seis litros de sangue ), me achei uma alienígena. Eu fiz 3 cortes, em apenas um pulso, e desmaiei no chão do meu quarto. Acordei no hospital, com apenas meu pai do meu lado, minha mãe tinha ido viajar logo depois que me achou desacordada no chão, e apenas chamou meu pai... E foi. Quando ela voltou, uma semana depois, fingiu que nada tinha acontecido, como se os três curativos que estavam em meu pulso não existissem. Fui para meu quarto e chorei naquela noite, a noite toda, cabulei aula no dia seguinte com o Lucas, só nós dois, a mãe dele deixou, na verdade, então, só eu que estava cabulando. Nos deitamos em sua cama, e eu chorei com ele, sem ele me perguntar, nenhuma vez o que tinha acontecido, porque é isso que amigos de verdade fazem, deixam você chorar que nem um bebe em sua cama sem te perguntar o motivo, curiosidade é diferente de preocupação.

Eu nunca me recuperei da depressão, mas eu tinha meus altos e baixos. Meus momentos, meus milésimos de segundos que eu esquecia todos meus problemas psicológicos e só sorria.

Era assim com ele, com o Pedro eu sempre esquecia como era ser eu de verdade, por isso que eu não admiti ainda que estava, talvez, apaixonada, porque geralmente, depois das declarações, acabava rápido, e eu não queria voltar a lembrar, queria esquecer para sempre como era ser eu, como era acordar com vontade de morrer.

Mas na verdade, os suicidas não pensam em se matar, pensam em matar a sua dor, e era isso que eu fazia, toda vez que passava a gilete em meus pulsos, que ficava escondida dentro do meu ursinho de pelúcia, eu queria parar de sentir a dor emocional, e sentir a física, porque dói muito menos.

Eu gostava dele, de estar com ele, e de tudo que ele me fazia sentir. Me fazia ser especial, ser apenas eu só que um pouco mais. Não era amor, não ainda, eu ainda não o amava, mas pela primeira vez eu sentia que poderia ama-lo.

Amor, amizade e outras drogasOnde histórias criam vida. Descubra agora