12º Capítulo

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A última vez que vi o André Almeida foi há vários meses. Desde que fui buscar as minhas coisas nunca mais estive com ele. É claro que tenho seguido o Benfica e sei que ele foi um dos homens importantes na conquista de mais um título.

Depois de alguns meses, e finda a época, hoje é o dia da apresentação da biografia. É claro que o Jorge quer que esteja presente, mas não me sinto com vontade para assistir a tudo. Talvez passe por lá meio despercebida. Assim sempre o poderei ver uns minutos e guardar essa imagem no meu coração.

Ainda estou a trabalhar com o Jorge... têm aparecido outros trabalhos e fui-me deixando estar. Adorei ler a biografia dele... apesar de o Jorge não ter visto muito daquilo que eu vi, ele conseguiu captar a essência do André. Tenho a certeza de que vai ser um sucesso.

Estou a terminar de  escrever umas linhas sobre outro projeto. Tentei distrair-me para não ter a tentação de assistir à apresentação na sua totalidade.

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Chego ao local mais do que a tempo. Encontro um espaço na última fila e discretamente ali me sento. André Almeida está com uma outra... uma outra luz, não sei bem. Está radiante, ele deve ter adorado o trabalho final.

Em cinco minutos a apresentação acaba e todos se levantam. André chama até si uma mulher, que agora consigo descortinar quem é: a Vanessa.

Levanto-me também para me confundir com as pessoas. A sala está a abarrotar. André e Vanessa pousam para as fotografias. Realmente, eles combinam. Olhando para eles, é como se estivesse a ver aquelas imagens de casal perfeito. São do mesmo mundo... completam-se. O meu coração descansa. André está bem entregue.

Quando estou prestes a ir embora, o Jorge faz-me sinal para esperar. Fantástico. Ele viu-me. Aceno e faço sinal de que vou estar no outro lado da livraria. Está muito mais calmo e, assim, sempre me posso distrair com outros livros e sonhar que um dia poderei ter o meu.

Estou na literatura estrangeira. Por norma não leio livros em inglês ou francês, mas pelo menos aqui não há tanta gente. Sinto um encontrão e viro-me de repente.
Boa.
Samaris.
- oh! Desculpe!
Sorrio.
- ah... já a vi no Seixal...
- sim, ajudei na pesquisa para o livro do André...
- ah... sim! Luísa, certo?
- Isso!
- e porque não estás ali?
Solto uma gargalhada.
- bem, eu não sou a autora. Apenas ajudei à pesquisa...
- percebo... bem, vou ali falar ao meu amigo.
Aceno. Samaris afasta-se. É simpático, não sei como dizem que tem mau feitio.


- Luísa!
Depois de estar algum tempo distraída, finalmente oiço o Jorge.
- sempre vieste... toma.
Agarro num dos exemplares.
- Obrigada. Podias ter-me dado isto no escritório..
- assim já está - ele sorri-me - o André adorou. Fizemos um bom trabalho.
- sim... obrigada por esta oportunidade, Jorge. Como correu a apresentação?
- óptima. Isto aliado ao Benfica ser campeão pelo segundo ano consecutivo. Não podia ser melhor.
- Óptimo!
- Luísa.
A sua voz inconfundível ecoa atrás de mim.
Fantástico.
Não era suposto ele estar com os jornalistas? Se calhar o tempo passou demasiado depressa enquanto esperava pelo Jorge e eu não dei conta.

Viro-me e ali está ele, com aquele seu sorriso que o torna sempre único.
- André - Sorrio também. Do seu lado está Vanessa, orgulhosa do seu amor - Não me tinha apercebido que estavas por cá.
- atrasei-me, já cheguei no fim. Aqui o Jorge estava a dizer-me que gostaste do resultado final. Ficamos contentes...

Sinto-me pequenina. Perante aquele cenário sinto-me mínima. Eu com as minha calças de ganga, a minha T-shirt preta e os meus ténis, junto dos protagonistas da tarde. É melhor não prolongar isto.
- eu tenho mesmo de me ir embora... deixei o trabalho a meio - sorrio e olho para todos - Obrigada - foco no André por um milionésimo de segundo - e felicidades.

Saio com calma e respiro. Já não há nada que possa encontrar ali.


4 anos depois

- Pedro, não saias de ao pé de mim! - digo ao meu sobrinho de cinco anos. O miúdo é eléctrico, não haja dúvidas acerca disso. Mas eu adoro passar tempo com ele e de passear com o pequeno. Hoje pensei que ir até ao Museu do Benfica poderia ser uma boa escolha. E foi. Pedro adorou! Desde pequeno é bom mostrar a grandeza do Benfica.

- Tia!!!! Vou chegar àquela curva tão rápido que não me vais ver!
Sorrio. Este miúdo tem sempre este poder em mim.
- Pedro!! Cuidado!
Aviso-o. Estranhamente, quando está comigo, o meu sobrinho tem sempre uma aventura: esfola o joelho, fica com um arranhão no braço... enfim... é uma animação.
- ai!
Oiço e corro assustada. O miúdo já se aleijou! Quando viro a esquina vejo aquilo que não imaginei.

O André Almeida está à altura do Pedro a perguntar se ele está bem, do seu lado a mulher com um miúdo pela mão.
- Tia... É o André Almeida... Aquele jogador da televisão...
Estou chocada. Nunca pensei que alguma vez o voltasse a ver.
- Luísa?
Pedro vem para junto de mim e coloco uma mão sobre o seu ombro.
- Por aqui, André?
André está tão surpreendido quanto eu.
- Sim... Como é que estás?
Ele aproxima-se e cumprimenta-me com dois beijos na cara.
É tudo surreal. Nem consigo processar da melhor maneira o que está a acontecer.
- Bem... bem... e tu?
- Bem. Fui aqui abalroado por um atleta...
Sorrio e olho para Pedro que está espantado.
- Aqui o menino Pedro adora correr de um lado para o outro.
- Tia...
Ele continua espantado e passo a mão pelo seu cabelo.
- Sim. É o André Almeida da televisão - Olho para o André e para a Vanessa, tentando agir com naturalidade - ele normalmente não é nada envergonhado, mas não é todos os dias que se dá de frente com um jogador da bola...

André ajoelha-se em frente a Pedro e estende-lhe a mão. Prontamente, o miúdo cumprimenta-o.
- olá Pedro! Gostas de correr?
- adoro! Qualquer dia estou no Benfica.
Gargalho. Um misto de emoções apodera-se de mim.
- Claro! Estou mesmo a ver quem irá a todos os treinos... - André olha na minha direção e o meu coração sossega.
- Não. A minha tia vai quando for importante. É assim que tem de ser.
André olha para o miúdo que sorri. O meu coração amolece com aquelas palavras. O meu sobrinho é, realmente, único.

André levanta-se e sorri-me. Deus... Como senti falta deste seu sorriso. Mas sei que é tempo de nos despedirmos ou, então, não saberei se conseguirei conter as minhas lágrimas. E não quero passar por isso em frente à, agora, sua mulher que nada disse até então.
- Vemo-nos por aí? - digo, sorrindo, e André acena.
- Sim.
Pedro diz adeus e acabamos por cada um tomar o seu caminho.
- Tia! Como é que conheces o capitão André Almeida?
Boa. Isso é uma grande história a qual não a posso contar por inteiro.

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Depois de quatro anos continuo a trabalhar com o Jorge e não tenho nada publicado. A vida continuou o seu rumo normal e eu mantive-me com a minha rotina. Ainda escrevo, embora pouco. Mas ainda o faço, é o melhor que posso fazer para me distrair um pouco e continuar com a ilusão de que aquilo que escrevo tem a qualidade suficiente para ser publicado.

Sento-me na minha secretária. Faz duas semanas que estive com o André e aquela sua imagem não me sai da cabeça. É o seu sorriso que permanece, acima de tudo. É claro que a emoção de o ver na minha frente confundiu-se com a harmonia que aquele sorriso me transmite.

Abro o portátil e depois acedo ao documento com a história que escrevo há vários anos.

Mesmo antes de me debruçar sobre o teclado a campainha toca. Suspiro e olho para o telemóvel de imediato. Não. Ninguém me disse nada, por isso não tenho mesmo ideia de quem poderá ser a esta hora da tarde. Levanto-me e meio desconfiada chego à porta. Quando pergunto quem é pelo intercomunicador ninguém responde. "Deve ser engano", penso. Quando estou prestes a virar costas há um novo toque e aí percebo. Seja quem for está mesmo à minha porta. O meu coração para. Pelo óculo, constato aquilo que nunca pensei voltar a ser possível. Sem pensar duas vezes, afinal sempre foi assim que me comportei com ele, abro a porta.

Ele levanta a cabeça e ali está: o seu sorriso.
- Olá.
- André?

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