- Estavas com fome, estou a ver... - constato o seu ar de satisfação ao comer os ovos mexidos. O iogurte com cereais já foi e as torradas também.
- Não comia desde ontem à noite... Uma daquelas cenas de balneário.
- Porque não me acordaste mais cedo?
- Eu também tinha acabado de acordar.
Vejo-o a tomar os devidos medicamentos.
- Também estavas cansada... - ele comenta.
- Sim, a viagem de Milão foi tarde e por lá não dormi muito.
- Verdade! Ainda não falámos da viagem... Como correu?
Dou o último gole no meu café com leite - Correu tudo bem. Bastante trabalhoso, mas como fui enviado a informação enquanto lá estava, deu para ter o dia de hoje livre... E tu? Ainda tens de me contar o que levou à tua expulsão.
- Foi uma- O seu telefone toca.
Ele olha em redor com um ar de quem não sabe de onde vem o som.
- Deve estar nas calças - digo ao mesmo tempo que me levanto. Pego nas calças e dou-lhas.
- Obrigada - ele agradece e retira o telefone do bolso...
- A minha mãe...
Aceno e começo a levar tudo para a cozinha.- Está tudo bem... Não. Não estou sozinho. Mãe, hoje tenho de ir ao Seixal ver como estou, depois vou para casa. Não te preocupes.
É inevitável não ouvir o que se passa. A mãe dele deve estar demasiado preocupada, principalmente se se apercebeu de que ele não dormiu em casa.
No momento em que regresso à sala eles ainda não terminaram o telefonema.
- Não sei. Não sei nada dela, tenho de falar com o advogado. Não te preocupes, mãe.
Advogado? Será que está a falar da sua situação com a Vanessa?
A Vanessa...
Meu Deus, que é que eu estou a fazer? A menção do nome dela fez com que não prestasse mais atenção ao que se passava. Tanto que nem dei conta de que a chamada tinha terminado.
- A minha mãe está preocupada... Não lhe disse que estava contigo, porque... acredito que não queiras que isto se saiba.
- Porque é que tens de falar com um advogado?
André procura os meus olhos.
- Não queria ouvir a conversa, mas aconteceu.
Ele demora algum tempo a responder. É como se estivesse à procura da melhor forma para me responder.
- Eu vou-me divorciar.
Estou atónita com aquelas palavras. Não consigo dizer nada de nada. É como se tivesse perdido a capacidade de falar.
-Sim, Luísa. Vou-me divorciar, está decidido e não penso voltar atrás.
- André...
- Nem penses em dizer-me que tenho de insistir.
Maneio a cabeça. Como é possível isto estar a acontecer?
- Eu não sinto o mesmo... Faz algum tempo que eu não sinto o mesmo. Às vezes penso que esta segunda tentativa foi uma vontade minha de regressar ao passado... de tentar remediar o que tinha acontecido entre nós. Mas... na realidade não havia nada para remediar e eu não consegui ver isso a tempo.
- Que porra estás a dizer?
A minha pergunta ecoa na sala e ele cala-se. Não falei com ele da melhor maneira, é verdade. Mas... eu não consigo parar para pensar naquilo que tenho de dizer face a uma situação destas.
- Diz-me como és capaz de me estares aqui a dizer isto? Eu vi como ficavas quando falavas sobre ela... eu vi como ficavas cada vez que estavam juntos. André, tu estas a fazer um disparate.
- Não. Não, não estou. Eu sei o que estou a fazer e sei o que estou a dizer. As coisas nunca voltaram a ser o que eram. Houve uma ligação que se quebrou que não conseguimos nunca restabelecer. E sim. Sim, o meu casamento foi um erro.
- Como foi um erro?! Não digas parvoíces.
- O meu casamento foi erro sim, Luísa!
Pela primeira vez, oiço o André a aumentar o seu tom de voz. Não posso dizer que me assustei. Apenas não estava à espera desta firmeza.
- O meu casamento foi um erro, porque fui atrás de um passado. Fui atrás de uma memória de algo que já não existia, por muito que me parecesse que sim. Já não exista e eu não fui corajoso o suficiente para perceber isso e parar com tudo. E para de me tentares convencer de que eu estou errado, se faz favor.
André levanta-se a custo do sofá.
Estou parada no meu sítio sem saber o que fazer. A sua postura deixou-me sem margem para poder responder o que quer que seja. É certo que as pessoas se enganam, ainda para mais quando falamos de sentimentos. Mas... Eles pareciam tão felizes.
Um gemido de dor volta a colocar a minha atenção naquele homem que se está a tentar calçar, depois de já ter vestido as calças de fato de treino. Levanto-me e coloco-me junto dele.
- Deixa-me ajudar-te... precisas de ajuda - digo-lhe serenamente, como se dessa forma me tentasse redimir de o ter feito irritar-se. Ele senta-se e eu ajudo-o.
- Eu só não quero que estejas a cometer outro erro, André - digo-lhe, enquanto o ajudo a terminar a tarefa de se calçar.
Ele olha para mim e, desta vez, é como se aqueles dois olhos me fuzilassem.
- Já te disse: o pior que fiz foi ter-me casado sem dar atenção àquilo que estava a sentir.
Ele olha profundamente para mim e eu já não sei do que é que ele estará a falar.
Estará a referir-se ao não se aperceber dos sinais da sua relação com a Vanessa? Ou a outra coisa qualquer?
- Enfiei a cabeça na areia de propósito porque no fundo aquilo era o que eu já conhecia. E era bom, por isso pensei que aquilo sim fosse o amor. Não quis olhar para dentro e para fora, para tudo aquilo que estava à minha volta, por medo, por cobardia, por comodismo até. Não o quis fazer e já me arrependi por isso.
- Como assim? Já te arrependeste?
Será que ele está a falar de alguém?
- Sim. Já me arrependi, mas agora já não. Eu sei que as coisas acontecem quando assim tem de ser. Talvez o meu casamento seja o fim de uma história. Eu conheço-me... talvez eu precisasse de me casar para tirar da minha ideia por completo de que a Vanessa não é a mulher da minha vida. Sei que se não o tivesse feito continuaria com esta dúvida e não abriria por completo o meu coração a mais ninguém.
Estou parada a registar tudo aquilo que ele me disse. E não posso esconder que tudo o que ele diz tem lógica, o que me leva a acreditar que a separação da Vanessa não foi um impulso. Foi algo bem pensado, para que não haja arrependimentos posteriores.
É como se ele tivesse o dom de me deixar sem palavras. Não me ocorre nada e vejo como ele olha expectante para mim. Será que está à espera de que lhe diga alguma coisa? Estou perdida... Não sei o que lhe dizer. Tenho um medo irracional que toma conta de mim e que não me deixa pensar.
E na minha cabeça surge uma pergunta.
Uma pergunta que já me tinha surgido ontem, mas não houve espaço para a fazer.
Os seus olhos castanhos continuam presos aos meus e quando assim é não lhe consigo esconder o que quer que seja. Não lhe consigo dizer que não. Não consigo guardar tudo para mim.
- O que te fez vir aqui ontem à noite?
- Queria ver-te. Não é evidente isso?
A sua simplicidade em responder causa em mim uma sensação de desafio. Não sei explicar porquê, mas isto faz-me querer saber mais.
- Sim, eu
- Eu quero estar contigo- - André levanta-se a custo - Quando é que vais perceber isso?
A pergunta dele deixa-me pregada ao sofá. André vira-se para mim.
- Quando é que vais perceber que me tens preocupado? Passei esta última semana a pensar que podia não te ver mais. Porque eu sabia que o teu medo te ia fazer ficar longe de mim. De me falares. Eu sabia que a nossa última conversa te tinha deixado em pânico e que ias fugir de mim. Tal como já me tinhas feito. Depois apareceu Milão e em parte isso descansou-me. Houve outras coisas que te fizeram afastar durante um tempo. Mas isso mexeu comigo. Mexe sempre comigo quando tu te isolas. Será que não consegues compreender que eu apenas quero estar contigo?!Sinto que o ambiente está a ficar tenso. André parece-me profundamente magoado e eu começo a sentir-me uma merda por o fazer sentir daquela forma.
- Eu... - As lágrimas estão nos meus olhos e levanto-me de rompante - Eu quero livrar-te disso. Quero-te livrar dessa ideia, André. Isto não pode ser a sério.
- Mas o que é que não pode ser a sério?!
As suas palavras são ainda mais fortes. A tensão cresce entre nós, ela é palpável.
- Diz-me que merda é que não pode ser a sério, Luísa? É o quê?! Eu dizer-te que quero estar contigo, é o quê?!
Aquele confronto faz-me ficar em suspenso. A tensão entre nós nunca esteve tão alta, mas, eu sei, que o André atingiu o seu ponto máximo. Eu consigo descortinar pela sua face que ele não vai parar. Meu Deus... o que é que eu fui fazer?
- Queres me livrar desta vontade que eu tenho de estar aqui ao pé de ti ao empurrar-me para um casamento sem futuro? Achas que isso é justo para mim, Luísa? Isso é justo para a Vanessa?! Não é, porra! Isso não é justo para ninguém!
- André, eu só acho que era o melhor para ti...
- Para com isso! Queres saber? Para com isso! Para de me usar como desculpa para o teu medo!
Uma lágrima solta-se.- Agora quem está a ser injusto és tu, André.
- Não. Não, não estou. - O seu tom é agora mais baixo - Tu pensas que o melhor para mim é ficar com quem não amo porque estás cheia de medo de que queira estar aqui, porque sabes que não vais ser capaz de te afastares de mim. É ou não é?
- Não - tento enxugar as lágrimas que teimam em cair - Não, André... Eu, eu creio de coração de que estás melhor sem mim, acredita.O seu semblante muda. É quase como se passasse de um homem magoado, à procura de respostas para alguém que... que tem compaixão pelo outro
- Tu não sabes... tu não sabes como eu sou- continuo - O que tenho em mim...
Ele dá dois passos e abraça-me.
Agora sim.
Não consigo parar de chorar.
Agarro a sua t-shirt com força e deixo as lágrimas caírem como se tivessem uma vida própria, que eu não conseguia controlar.
- Esse teu medo não me vai conseguir afastar, Luísa. Tens de perceber isso...
Ele sussurra-me ao ouvido e eu tento acalmar-me.
- Eu quero estar aqui contigo, assim. Não consigo passar por cima disto, Luísa... - Ele afasta-se um pouco, pegando na minha cara - Poderia ser mais fácil se o fizesse, se ficasse agarrado a alguém que eu não amo, mas que já conheço, mas eu não sou assim. Eu não consigo aceitar passar pela vida e não estar onde eu sinto que tenho de estar.
- André - suspiro, tentando regular a minha respiração - eu não te quero magoar... - Esta talvez tenha sido a frase mais sincera que disse em tudo isto - Do fundo do meu coração que eu não te quero magoar, André. Eu não iria suportar isso.
- Mas quem te disse que me vais magoar? - Ele volta a abraçar-me - Eu só quero conseguir chegar até ti, Luísa. Se soubesses como preciso disso... Tudo foi confuso desde que nos vimos. Eu... Eu ando a encontrar desculpas para explodir, acho que foi o que acabou por acontecer no jogo. Perdi a cabeça...
- Isso não pode acontecer - as lágrimas já pararam de escorrer e tento recompor-me - Isso é mais uma razão para... - desvio-me novamente do seu corpo e olho-o nos olhos.
- É mais uma razão para quê?
- É mais uma razão para esquecermos isto. Isto não pode ir em frente....
- Pelos vistos não percebeste nada do que te disse, Luísa. Vê se entendes que eu não te vou deixar ir.
Sem estar à espera, André puxa-me para si e cola os seus lábios aos meus. Assim que eles se tocam a urgência com que me tinha pegado já não está lá.
O beijo é uma leve carícia.
Com todo o cuidado e delicadeza.Suave.
Como tinha tido saudades dele, do seu carinho, do seu calor, do seu cuidado.
Entrego-me. Deixo-me estar nos seus braços sem me opor a nada.
Interrompemos o beijo e respiramos, calmamente, como se tempo fosse tudo o que tivéssemos naquele momento. Eu levo as minhas mãos à sua cintura e permaneço de olhos fechados.- E o resto? Nós não somos os únicos no mundo. Há tanta coisa que me impede de viver isto...
- Esquece o mundo lá fora... - ele sussurra e leva os seus lábios aos meus novamente.
Correspondo. Sem pudor nem medo.
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A Vida em Livro
Fiksi PenggemarO que pode acontecer quando uma jovem jornalista, que está a trabalhar numa biografia, e acaba por se apaixonar pela "personagem principal", o capitão André Almeida. Se terá futuro ou não isso apenas a história o dirá!