26º Capítulo

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O telefone toca.

Paramos de nos beijar.

André encosta a sua testa à minha, tentando controlar a sua respiração. Tal como eu.
- É melhor atenderes... - digo, meio sofregamente.
- Eu sei - Ele acena e desvia-se de mim.

Volto a abotoar a camisa. Tenho a noção de que se não o fizer, vai ser difícil para ambos controlarmos os nossos instintos.

-É a minha irmã - Oiço-o a dizer enquanto o telefone para de tocar.
- André, vou tomar um banho. Liga-lhe de volta e fica à vontade... - Levanto-me da cama - Tanto a tua irmã, como os teus pais e os teus avós devem estar preocupados contigo.

Vou até ele.
- Fala com eles, eles precisam de saber se estás bem.
Ele apenas acena.
- Não me esqueci que ficámos com uma conversa em suspenso... no outro dia.

O meu coração palpita. Eu devia de imaginar que ele ia voltar a tocar no assunto da minha família.

- Disseste algo parecido com se tivesses um irmão mais velho, as coisas poderiam ser diferentes. O que querias dizer com isso?

Suspiro. Se há coisa da qual não quero falar agora é sobre o meu pai e a relação disfuncional que mantemos como funcional.
- André... Podemos não falar disso agora?

O seu olhar está cheio de interrogações. André não imagina porque é que estou assim.
- Teremos de falar algum dia...
Engulo as lágrimas que me chegam aos olhos.
- Eu sei, mas... hoje não. Por favor...
André coloca as suas mãos à volta da minha cintura.
- Tudo bem - sinto um alívio inexplicável - Hoje não.

Não sei se o André se apercebeu do meu enorme de desconforto. Seja o que for, pelo menos não terei de falar sobre isso agora.
- Obrigada.

Deixo um beijo nos seus cabelos.
Desvio-me. Pego numa muda de roupa e vou para a casa de banho.

--

Saio da casa de banho já vestida. Sinto-me revigorada.
Quando chego ao quarto, encontro o André estirado na cama. Surpreendentemente, ele adormeceu.

Sorrio. Apenas demorei vinte minutos e ele já caiu no sono?

Admiro-o.
Deus.
Nunca estive com o homem com o corpo do André. Benefícios de ser um atleta de alta competição, disso não haja dúvidas.

Devagar, chego perto dele e sento-me junto à sua almofada. Ele deve ter percebido que já não estava sozinho. Lentamente, André coloca a sua cabeça no meu regaço.
- Acho que dormi cinco minutos. Mal acabei de falar com a minha irmã, estiquei-me aqui e adormeci...
Beijo o seu cabelo e passeio aí as minhas mãos.
- Tenho de ir para Loures. Tenho de falar com a minha família sobre tudo...
- Sim... É o melhor a fazer...
Ele abre os olhos.
- Mas não te queria deixar aqui. Principalmente, depois da nossa noite... Queria estar contigo todo o dia.
- André... - Beijo os seus lábios - Tens de estar com os teus. É fim de semana, vais poder estar com os teus sobrinhos. Vai. Vai fazer-te bem. Eu estarei aqui. Sempre.
André levanta-se do meu regaço e fixa o seu olhar no meu.
- Sempre?
- Sempre.

Ele beija-me, mas as imagens da família, a expectativa de que um dia vamos ter de falar sobre isso assusta-me. Há uma razão para eu continuar a ser uma menina cheia de medo dentro de uma mulher com mais de trinta anos.

- O que se passa?

Ele pergunta-me, junto aos meus lábios. André é um homem perspicaz. Deve ter-se apercebido de que eu não estava ali com ele naquele momento.

Deixo o meu olhar cair sobre ele e vejo como isso o deixa ainda mais confuso.
- Estás bem? - Ele coloca a sua mão na minha face.
- É só que... Tenho medo, André.

E abraço-o. Quero me sentir segura por mais uns momentos. Ele percebe e corresponde ao meu carinho. A minha cabeça no seu ombro, o seu cheiro único, as suas mãos nas minhas costas. Tudo o que estamos a viver provoca-me um medo inexplicável, mas ele é o único capaz de me fazer sentir protegida.
- Passou-se algo?
- Continuo com medo... Com medo de... Com medo de que me entregar, de te entregar aquilo que sou, o bom e o mau.

Ele beija-me os cabelos, mas não deixa de me abraçar.
- Eu também tenho medo.
Aquela revelação surpreende-me. Se há homem que penso que é seguro de si é ele.
- Medo? - Pergunto ao mesmo tempo que me desfaço do seu abraço.
- Tenho medo disto que sinto quando estou contigo.
- André...
- Temos de nos dar tempo. O que vivemos ontem... Só percebi a falta que tinha do teu toque quando ontem nos abraçamos  - Coro - Como eu te fiz sentir... - Apenas aceno - Não há nada igual, Luísa...

Levanto a minha cara para que possa ver a sua face. Os seus olhos estão brilhantes.
- É avassalador... - Completo - Mas... Eu não tenho medo do que sinto. Lembras-te de quando me falaste da pureza daquilo que nos unia?
Ele acena.
- Eu não tenho medo deste sentimento tão puro... Sempre vivi com ele desde que te conheci... Eu tenho medo de que me descubras. Por completo.

A sua expressão é séria. Sei que ele está a tentar perceber do que é que estou a falar.

- Aquilo que eu sou, o que vivi, o que me faz sofrer. Estou aterrada de pensar que um dia tu me vais conhecer.
- Porquê?
- Porque eu sempre estive só. Eu sempre estive sozinha.

Levanto-me. Nada previa isto. Eu estava bem, mas não consigo parar e choro. Vou até à porta que dá para a varanda.
- Sempre lidei com tudo sozinha. Nunca o partilhei com ninguém... Por vergonha, por-
- Não quereres incomodar os outros com os teus problemas.
Olho para ele e vejo-o a levantar-se.
- Por não quereres preocupar ninguém.
Ele completa e chega até mim.

Nada mais digo. Apenas me deixo envolver no seu abraço novamente.
- Vou te dizer o mesmo que no outro dia. Eu percebo que tenhas medo, eu também o tenho. Mas não vou deixar que isso nos afaste.
Aperto-o junto a mim.
- Disso podes ter a certeza.
- Não me vais deixar ir, não é certo?
Ele deixa um beijo nos meus cabelos.
- Temos a vida toda, Luísa para nos descobrirmos. Quando te sentires segura o suficiente procura-me e partilharemos tudo o que quiseres.

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