O meu coração acelera.
Cada vez que tenho pela frente uma conversa complicada, fico sempre assim. Como se todo o meu ser estivesse em suspenso, numa realidade alternativa. Ainda pra mais sobre isto. Eu tenho de falar sobre isto.Suspiro.
O disco acaba de tocar.
- Eu... Eu não tive uma infância onde vi apenas coisas boas... E isso fez com que o tipo de relação que tenho com o meu pai seja disfuncional. É... Digamos que somos cordiais, mas... algo de mal, alguma atitude errada que ele tenha para comigo é como se já não me magoasse.André mantém o mesmo ar sereno. Acredito que para ele não seja fácil perceber o que eu lhe estou a dizer. Às vezes nem eu entendo o que é isto, o que é esta relação familiar.
- É por isso que... Quando disse que se tivesse tido um irmão, um irmão do meio, talvez as coisas tivessem sido diferentes. Talvez sempre me tivesse sentido protegida, quem sabe se ele não teria batido com a mão na mesa e tomado a iniciativa de enfrentar o meu pai.
Tenho de fazer algo. Não posso continuar parada a olhar para o André. Levanto-me e começo a andar até à varanda da sala.
- Foi sempre um medo... Um medo que se instalou em mim, desde pequena. Com medo de tudo, de dizer algo que não devia, de confrontar o meu pai. Medo das suas reações, medo de que ele me batesse. Mas, sobretudo, tinha sempre tanto medo de magoar a minha mãe. De dar motivos à minha mãe para ela se preocupar ou para se magoar. Sempre por medo, acho que isso cresceu em mim. Talvez seja por isso que tenha uma forma tão diferente de estar, com medos irracionais. Sempre me faltou essa sensação de proteção. Em certos momentos, era eu que tinha de proteger os outros à minha volta, fingindo-me de forte. Sempre forte perante os outros, mas sempre calada.Oiço-o a levantar-se.
- Tu tens de saber isto, porque...Eu sei que isto pode ser difícil de aceitar, não imaginas como é a situação do meu pai com o meu cunhado. Eu no fundo tinha decidido que iria ficar para sempre sozinha por isto, para não causar tristeza a ninguém. Talvez tenha sido uma desculpa para não encarar o meu medo de me arriscar por alguém, mas, por outro lado, sabia que nunca ninguém iria passar por esta situação que não é normal, que não traz um manual...
Paro.
Sinto-me estranhamente cansada.
O silêncio dele começa-me a enervar.
O que estará ele a pensar?
Sinto-o bem perto de mim e ele nada.De repente, os seus braços envolvem-me, trazendo-me para junto do seu corpo. Agarro-me aos seus braços e, finalmente, solto as lágrimas que estão nos meus olhos.
O calor do seu corpo dá-me um sentido de proteção que raramente tenho. Apenas e só quando estou ele. André deixa um beijo nos meus cabelos.
- Eu estou aqui.
Apenas aceno e continuo a chorar, rodando nos seus braços, para apoiar a minha cabeça no seu peito.
- Isto magoa-te, mas tens de me deixar entrar. Se me deixares entrar, eu sou capaz de compreender tudo.
- São muitos anos assim... Sempre sozinha a guardar tudo em mim - digo, num tom baixo.
André apenas aperta mais o seu abraço.
- Tu já não estás sozinha, Luísa.Deixo-me estar assim por um momento, sentido os seus braços, o seu cheiro, a sua respiração. Houve alturas em que pensei que tinha perdido a capacidade de amar, mas o André mostra-me que não.
Consigo encontrar forças para continuar.
- Palavras que nunca foram ditas, o confronto que nunca se deu. É como se vivêssemos uma paz podre que se instalou. Há um sentido de respeito, de reconhecimento de que estou perante um ser humano, mas depois... Não há laços, entendes? Não há afeto... Mas já passou o tempo em que isso me afetou. Acho que ter guardado tudo para mim, fez com que chegasse a este ponto de não sentir nada. Eu não sinto nada de afeto por ele. Apenas tristeza... Em algumas situações, sinto muita tristeza...
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Vida em Livro
FanficO que pode acontecer quando uma jovem jornalista, que está a trabalhar numa biografia, e acaba por se apaixonar pela "personagem principal", o capitão André Almeida. Se terá futuro ou não isso apenas a história o dirá!