22º Capítulo

401 7 1
                                    

"Don't you know I was made to love her,
Built a world all around her
Yah! Hey, hey, hey"

Sentada no sofá, olho em frente. Uma caneca de chá na mão enquanto o disco do Stevie continua a rodar.
Na minha cabeça a sua imagem.

André suspira no meu ouvido. Apesar do que já tínhamos vivido, agora parece diferente. Tento por tudo que o amor que sinto prevaleça naquele momento, para que não tenha a tentação de fugir da minha própria casa.
Permanecemos em pé. A minha cabeça apoiada no seu ombro, envolvendo-nos nos braços um do outro.
- Eu vou ter de ir até ao Seixal. Tenho de ser visto pelo médico... - ele diz ao fim de algum tempo.
- Sim. É melhor...
- Hey... - ele afasta-se um pouco de mim e olha-me nos olhos - Eu volto. Nem penses que isto fica assim.
Apenas vejo sinceridade. Sinceridade e uma espécie de promessa. Compromisso. Tudo na minha cabeça me diz para sair dali. Mas o meu coração... O meu coração pede e exige que fique. Que viva isto, independentemente do tempo que isto dure.
- Eu sei... Não deixas nada em suspenso.
Ele sorri-me levemente, leva uma mão ao meu rosto.
- Sim. Não deixo nada em suspenso e... Temos muito para descobrir um do outro.
Fecho os olhos.
- Tanto que nem imaginas...
André move o seu polegar na minha bochecha e suspiro de agrado. Sabe-me bem aquele gesto carinhoso e ao mesmo tempo tão puro.
- Sei que estás cansada. Se quiseres, vemo-nos noutro dia... Não tem de ser hoje.
Abro os olhos. Sei que ele está a dar o seu melhor para me deixar confortável.
- Não.
O olhar dele entristece.
- Vemo-nos hoje. Eu vou estar por aqui.
Assim que falo, o sorriso abre na sua face.

Bebo do meu chá. Agora não há volta a dar.

--

Estou sentada a trabalhar. Precisava de fazer alguma coisa... Pensar em demasia pode ser perigoso. Fui escrevendo sobre alguma informação que ainda não tinha enviado. Quando me dei conta tinha o Jorge e a Cátia a reclamar comigo porque era suposto estar a descasar. Com tudo isto ganhei mais uma folga amanhã. Estou a enviar o último e-mail quando tocam à porta.

Levanto-me e logo sei quem é. Abro-lhe a porta e só agora me apercebo que não tenho nada em casa que possa cozinhar.  De repente, sinto-me completamente desleixada. E apercebo-me de que pouco comi durante o dia...

- Olá - André diz-me a sorrir.
- Olá - Concedo-lhe passagem e fecho a porta - O que é que o médico te disse? - não consigo disfarçar a minha preocupação.
- Estou bem - Ele diz de forma simples. Viro-me e fito-o. Acho que ele percebeu que não é tempo para esconder o que quer que seja... nem que seja uma dor no dedo do pé.
- Bem... O abdómen vai acabar por ficar bem, sem marcas... tenho ali umas pomadas. O pé... Não posso treinar com os meus colegas. Tenho uma espécie de inchaço que tem de desaparecer por completo antes que esforce demais. Mas se cumprir a medicação não haverá problema.

Só depois de ele falar uma questão passa-me pela cabeça.
- André, tu se calhar não devias andar a conduzir, isso não é esforçar?
- Os analgésicos são bastante fortes, não senti qualquer dor enquanto andei no carro.
- Senta-te, por favor.

Vou para ao pé dele e posiciono as almofadas para que ele fique confortável.
- Também te podes descalçar, fica à vontade. Precisas de gelo?
- Lembras-te daquele saquinho verde que te dei ontem para colocares no congelador? Isso há-de chegar.
- Sim, claro.

Enquanto fui buscar o que André me pediu, ele teve tempo para se descalçar e ficar mais à vontade.

- Toma.

Dou-lhe o saquinho verde e sento-me do seu lado, admirando a calma como ele trata de si próprio.
- Vejo que foste a casa... Outra roupa...
- Sim. Tinha de tomar um banho depois do médico...
- Imagino que precises de comer antes dos comprimidos, certo? - Ele confirma com um aceno - Bem... eu... como tive de viagem não tenho quase nada que possa cozinhar - digo, envergonhada.
- Como eu sou um tipo extraordinário também pensei nisso. - Franzo o sobrolho - Estavas tão preocupada em saber o que o médico que me disse que nem reparaste no saco que trouxe.

Olho para o chão e perto da mesa vejo um saco de plástico.

- Trouxe algumas coisas que tinha lá em casa. Alguns legumes, fruta, pão... e uns restos de arroz de pato que ainda tinha no frigorífico....
- Arroz de pato? Adoro! - digo, genuinamente.

André ri e eu fico a admirá-lo. Meu Deus, como este homem fica ainda mais bonito quando sorri.

- Tenho de agradecer à minha mãe...
Maneio a cabeça - Ai, André... Ainda com a comidinha da mamã?
- E vais dizer que não é a melhor coisa do mundo?
Levanto-me e pego no saco.
- Nisso tenho de concordar contigo... - Sorrio - Ainda é cedo, dá tempo de fazer uma sopa. 

A Vida em LivroOnde histórias criam vida. Descubra agora