13º Capítulo

331 4 0
                                    

- Sei que deves estar surpreendida por me ver aqui.
- Uh... - Olho para a escada para ver se estamos sozinhos, como se tivesse medo que o vissem por ali - Sim, claro que não estava à espera - digo ao mesmo tempo que lhe faço sinal para entrar em casa.
- Está à vontade - fecho, finalmente, a porta, e ali fico encostada a olhar para ele. André tira o casaco e coloca-o no sofá. Vira-se para mim e sorri.
- Estás bem?
Abano a cabeça e finalmente consigo esboçar um sorriso.
- Sim... Sim... não estava mesmo à espera disto...
- Sim, eu sei. Talvez teria sido melhor mandar uma mensagem, podes estar ocupada.
Olho de soslaio para o computador.
- Não, não. Estava a escrever umas coisas, nada de trabalho.
- Sim, mas podes estar acompanhada, sabes que às vezes não sou muito de avisar...
Sorrio.
- Não. Estou sozinha. Poderia estar com o meu sobrinho, mas é dia de semana, portanto, dia de aulas.
Finalmente, consigo desencostar-me da porta da entrada.

André senta-se no sofá e, por um momento, volto há quatro anos quando ele veio aqui dizer-me que estava com a Vanessa. Estranhamente, isso dá-me a serenidade necessária para prosseguir.
- Aceitas alguma coisa? Acho que tenho ali água das pedras...
- Sim, claro. Obrigada.
Vou até à cozinha e pego numa água das pedras e na minha caneca, que estava na minha secretária.
- Que tal estão as coisas?
- Bem... A ficar mais velho, sabes como é... Agora é passar o testemunho aos miúdos.
- Tens 33 anos, ainda jogas até aos quarenta...
Chego perto dele e entrego-lhe a garrafa.
- Não sei... Estou a fazer por isso, pelo menos não tenho tido grandes lesões, o que também me ajuda.
Sento-me à sua frente.
- Como estão os teus pais e os teus avós?
- Bem... Estão bem... A aproveitar cada vez mais a vida, o que também é bom.
- E a tua sobrinha? Ainda lê?
André sorri.
- Claro. Realmente, nunca pensei que el gostasse tanto de livros!
Rimos.
- Luísa eu... é melhor explicar o que... Ouve, primeiro que tudo, quero pedir-te desculpa.
Ele para e olha para mim. Eu apenas aceno para ele continuar. Não percebo porque raio é que ele me pede desculpa...
- Desculpa por simplesmente nunca mais te ter dito nada e agora aparecer aqui desta maneira. Mas quando reiniciei a minha relação com a Vanessa eu achei melhor não voltar a estar sozinho contigo... Não queria que nos sentíssemos desconfortáveis um com o outro, enfim... mas... Eu senti falta das nossas conversas.

Sinto as lágrimas nos meus olhos. Pelo menos, no André restou algo do tempo em que estivemos juntos. Esta relação a mim trouxe-me o seu amor, para sempre.
- Depois quando te vi outro dia com o teu sobrinho foi como... foi como um sinal para mim de que eu deveria encher-me de coragem e vir até aqui.
- Já tinhas pensado em voltar a falar comigo? - pergunto baixinho.
- Sim, claro. Podes não acreditar, mas para mim foi importante o tempo em que partilhei a minha vida contigo. Não sei... Tu inspiras-me uma confiança... A maior prova que eu poderia ter disso foram as fotografias que escolheste para a biografia. Lembraste?
Sorrio e suspiro.
- Claro.
André sorri-me.

Melhor forma de mostrar que isso está no passado é mudar de assunto.
- Conta-me. Como está a ser esta fase de seres um dos mais velhos no Benfica?
André pega na água e senta-se de forma mais confortável no meu sofá. Tenho a certeza de que ele percebeu que pode sempre contar comigo.
- É estranho? - ele bebe um pouco da água - principalmente, porque sinto que tenho sempre uma palavra a dizer e os miúdos de facto ouvem aquilo que eu digo... dá uma outra responsabilidade.
- Mas tu já eras capitão há quatro anos...
- Sim, mas com o tempo parece que levo isto ainda mais a sério. Mas não trocava a braçadeira por nada, acredita... E tu? Ainda a trabalhar com o Jorge?
- Sim... Ainda...
- Redescobriste que queres continuar neste ramo?
- Não... na verdade não. Mas... O tempo foi passando, sempre novos trabalhos... enfim... Passando tempo com os meus discos... - olho para o meu gira-discos e retorno o mirá-lo - Algum tempo a escrever... -  encolho os ombros.
- Hum... Tenho seguido o blog.
Abro os olhos.
- Sim... Eu encontrei-o e... Não sou muito de ler, como sabes, mas gosto bastante dos teus textos. Mesmo... Nunca pensaste em reunir alguns e editar um livro?
Ainda estou a processar que o André lê o meu blog... Como era possível? Nunca pensei que ele iria perder tempo à procura do que escrevo.
- Luisa? - Ele chama a minha atenção.
- Uh. Sim... Desculpa, mas estou a pensar... Tu lês o meu blog?
Ele sorri abertamente.
- Sim, Luísa. Eu disse-te que eventualmente o iria encontrar... Vou lend0.
- Nunca pensei que fosses à procura do que escrevo...
- E ainda bem que o fui.

--
- Conta-me... Como é estares com o amor da tua vida?
Antes de me responder, André acaba de comer a última maçã que tinha em casa. O tempo passou, sem eu dar conta, mas é evidente que continuo a querer saber tudo o que se passa com ele. Como ele está, o que se passou nestes últimos quatro anos... Perdi a noção de há quanto tempo estamos ali os dois.
- É... é especial... Completa-me.
Sorrio. O André encontrou o amor. Quão maravilhoso isso pode ser? E correspondido... Graças a Deus que eu estava certa. Sei bem que nunca mais o voltarei a ter, ele pertence-lhe. Mas a alegria que sinto é genuína por saber que ele conseguiu agarrar no amor que sentia por Vanessa e fazer o que estava certo.
- Tinhas razão, Luísa. Sinto como se fôssemos um só.
- E isso é maravilhoso -  completo. Ele apenas olha para mim e acena. Estou prestes a perguntar-lhe quando é que ele irá ser pai quando o seu telefone toca.
Ele olha para o visor e depois para mim. Deve ser a sua mulher. Levanto-me e vou levando o que está na sala para a cozinha enquanto eles conversam. Não quero ser intrometida, por isso dou-lhe privacidade.

Quando começo a lavar os copos, oiço-o a chegar perto da cozinha.
- Vejo que continuas com a tua mania...
- Sim... manias.
- Ainda ninguém te conseguiu mudar?
Paro o que estou a fazer. Durante todas estas horas de conversa nunca falámos sobre o facto de ter ou não alguém. Talvez esta tenha sido a forma que André encontrou de me questionar sobre isso.
Volto a abrir a torneira e a lavar o copo.
- Não, André. Acho que não seria fácil alguém me fazer ficar com a cozinha por arrumar...
Fecho a torneira e limpo as mãos ao pano da cozinha, agora olhando para ele. A seriedade está estampada no seu rosto.
-  Até porque também não apareceu ninguém durante estes anos que me fizesse sequer repensar as minhas manias - decido aligeirar o ambiente - só mesmo o meu sobrinho Pedro para me virar a casa do avesso.
O sorriso volta à sua face.
- As crianças têm esse poder... Voltei a ver isso com o meu sobrinho mais pequeno. A criança que estava comigo e com a Vanessa no outro dia quando nos vimos.
- Mais um sobrinho? Algum apoio masculino em casa, estou a ver...
- Sim! Um homem para me entender e com quem posso dar uns pontapés na bola. Não é que eu não goste de pintar as unhas, mas estava a precisar desta nova experiência.
Dou uma gargalhada. E que bem que sabe. Faz tempo que não o fazia e isso fez-me lembrar todos os bons momentos que o André me proporcionou.
- Bem, tenho de ir. Amanhã tenho estágio... Vamos para Braga.
- Eu sei. Como achas que está o adversário?
- Forte, muito forte. Mas vamos dar o melhor, os putos têm de começar a correr.
- Eles dar-te-ão ouvidos.

Chego perto do André para o guiar até à porta de saída. Mas a sua mão cai no meu braço.
Detenho-me. Há quatro anos que não sentia a sua mão quente no meu braço. O meu coração acelera e de repente lembro-me que só tenho de agradecer por ele não ouvir os meus batimentos. Rapidamente, ele retira a sua mão do meu braço e sorri, meio envergonhado.
- Podemos voltar a falar?
Aceno.
- As minhas portas estarão sempre abertas para ti.
A expressão envergonhada desaparece do seu rosto para dar lugar a uma outra... talvez de... tranquilidade?
Ele deixa-me um beijo no rosto.
- Obrigada.
Fico parada no mesmo sentido enquanto ele desaparece. Sei que saiu, pelo barulho da minha porta a abrir e, depois, a bater.

Continua...

A Vida em LivroOnde histórias criam vida. Descubra agora