Acordei cedo no sábado, eu estava feliz pois já tinha juntado dinheiro suficiente para comprar o novo livro da saga que eu estava lendo, tinha feito uma economia e tanto e extorquido meus pais na última hora, e deu certo.
Tomei café as pressas, peguei minha bicicleta e fui ser feliz. Sair na rua ultimamente tinha se tornado um desafio para mim, mas só o fato de saber que eu iria comprar mais um livro, me encorajava.
E lá estava eu, curtindo o ar condicionado da livraria, sentindo o coração dar pequenos saltos ao saber que em segundos aquele portal para o mundo da imaginação me pertenceria. Coloquei- o na cestinha e aproveitei para dar uma olhada nos outros exemplares, a loja não estava tão movimentada ainda então eu podia ficar um pouco a vontade. Enquanto estava curtindo o meu momento, algo impensável aconteceu: Adivinhe quem estava concentrado escolhendo livros em uma das prateleiras da sessão de Ficção científica? Ele mesmo! Nao era possível! Afinal o que estava acontecendo? Em que lugar eu estaria livre daquele garoto? Eu nunca imaginei que gostava de ler. Quando o enxerguei automaticamente recuei, na intenção de sair dali o mais rápido possível e sem ser notada, porém o que aconteceu foi bem pior. Ao recuar, acabei dando um encontrão em alguém. Em milésimos de segundos haviam livros caindo ao chão, e o olhar raivoso de uma garota um pouco mais velha que eu, muito bem vestida e com ares arrogantes. Patético eu sei! Comecei a sacudir as mãos em desespero e pedir desculpas, me abaixei para juntar tudo o que tinha vindo ao chão, mas ela não me perdoou. Começou a dar chilique ali mesmo me chamando de pateta, retardada e outros adjetivos. Se a minha intenção era passar despercebida, tinha dado muito, muito errado, óbvio que chamou a atenção de todos (Ultimamente isso estava acontecendo demais, não?!), certamente também da abominável criatura que escolhia livros na sessão de ficção científica. Em segundos havia um ajuntamento de curiosos apreciando aquela cena de humilhação enquanto a garota berrava. Eu atônita, nervosa até o último fio de cabelo, só queria sumir, tudo pareceu girar ao meu redor, e como sempre acontecia em momentos de tensão, as minhas mãos começaram a suar, o coração a bater forte, e o estômago tinha se transformado em um emaranhado de fios elétricos em curto circúito, e então o ar começou a faltar em minhas narinas e eu precisava comecei a procurar uma saída, naquela confusão toda um guarda chegou até mim perguntando o que acontecera, mas a essa altura as lágrimas já rolavam, então alguém me pegou pela mão e saiu me levando porta a fora dizendo:
-Tudo bem, foi um acidente, com licença! Venha, vamos sair daqui!
Eu não conseguia processar nada, as lágrimas desciam em cachoeira. Não sei descrever como cheguei lá, mas quando finalmente consegui me acalmar, estava sentada em uma das cadeiras de um café que ficava em frente à livraria, abraçada a um garoto branco, com as bochechas rubras e as mãos geladas. Afonso Neto! Um sentimento esquisito de vergonha e gratidão tomou conta de mim, me desvencilhei do abraço, mas
não conseguia olhar nos olhos do meu récem herói.
- Bem, eu... Agradeço muito!Eu... Eu tinha que calar boca pois mais uma enxurrada e lágrimas estava pronta a romper.
- Tente se acalmar. Estou aqui e... Aquela garota estúpida. Ele tentava em vão me consolar.
-Tudo bem! Eu... (Silêncio por alguns segundos...) Tô virando especialista em passar vergonha em sua frente. Sorri sem graça.
- Anh, sem problemas. Ele olhou firme em meus olhos, mas eu baixei os meus.
- Eu bati sem querer aquela vadia! Disse enquanto limpava as lágrimas.
Ele sorriu.
- Eu não consegui me defender. Falei baixinho -Ultimamente estar em público é um inferno.
- Como assim?
- Já tem um tempo... Respondi tentando não deixar embargar a voz.
- Bem se quiser conversar sobre isso.
- Faz algum tempo que estou tendo uma espécie de medo incontrolável, acontece em situações diferentes. Estou fazendo exames, um monte deles... Lembra aquele dia em que cheguei tarde à escola?
Ele assentiu.
- Então, é por isso que aconteceu tudo aquilo na escola? Ele perguntou parecendo envergonhado.
- ... Sim!
- Me perdoe Sarah, eu jamais imaginei que, coisas desse tipo estivesse acontecendo com você. Me perdoe, sério, eu fui um idiota com você!
- Na verdade, eu gostaria que tudo fosse diferente. Eu gostaria de estar vivendo a minha adolescência de forma diferente... É bem complicado eu falar sobre tudo o que passa aqui dentro de mim. Eu nao consigo explicar! Falei tentando parecer firme, olhando em seus olhos, mas as lágrimas voltando. Ele sustentou o olhar e me puxou para um abraço. Pela segunda vez naquele dia eu estava sendo abraçada e consolada pelo garoto que eu mais odiava na escola. Eu tinha 14 anos e eu e meus pais não sabíamos que o que acontecia comigo se chamava síndrome do pânico. Quem passava por ali, veria dois adolescentes sentados à uma mesa de um café, abraçados, a cena parecia linda, mas a causa dela era triste e real.
Fomos interrompidos gentilmente pela gerente do café que nos perguntou se precisávamos de algo, acredito que ela os funcionários devem ter ficado sem saber o que fazer quando viram dois adolescentes entrar naquele estado, (mesmo que eu nao faca ideia de que estado eu entrei, mas não imagino nada bom), e até então nenhum deles havia se aproximado de nós, respeitando talvez a nossa privacidade, porém como eu havia recomeçado a chorar, acharam por bem chamar alguém que poderia "resolver" aquela situação no mínimo embaraçosa.
- Com licença. Me perdoem, mas observei que a moça não parece estar bem. Há algo que eu possa fazer por vocês?
Me desvencilhei do abraço e comecei a limpar as lágrimas envergonhada. Olhei ao meu redor e vi que haviam poucas pessoas lá dentro. Estávamos em uma das mesas mais distantes, portanto ainda me restava alguns farelos de dignidade, eu acho.
- Está tudo bem! Eu respondi.
- Bem, se precisarem de algo, que nós podermos ajudar... Ela continuou.
- Nós já estamos indo. Eu disse me levantando.
-Ahn é... Desculpe qualquer incômodo, nós.. Afonso Neto tentou falar, mas eu lhe peguei pela mão lhe arrastando porta afora, evitando quaisquer olhares.
Novamente na rua, nos demos conta de que na confusão, nossos livros haviam ficado para trás. Ele ainda se ofereceu para ir novamente à livraria, mas eu disse que se quisesse ir, tudo bem, mas eu não iria entrar lá de novo. Isso para mim pesava como mil pedras, pois eu adorava a livraria. Enfim, depois dessa eu iria precisar de um tempo. Pegamos nossas bicicletas e seguimos juntos. Eu não queria ir pra casa, eu não queria relatar tudo o que havia ocorrido, mas aparecer sem meu livro, nao passaria despercebido pelos meus pais. Afonso notou meu olhar de preocupação e perguntou:
- Quer que lhe acompanhe até a sua casa?
- Não é preciso. Eu vou pedalar um pouco para tentar aliviar a minha cabeça. Preciso ter estômago para contar tudo isso aos meus pais.
- Se quiser, acompanho você. O dia está bonito.
Eu gostava de pedalar no calçadão da orla.
- Vamos lá!
Por incrivel que pareça eu acabei tendo um restante de dia feliz, ainda que tenha chegado em casa com a cabeca explodindo, os olhos com bolsas por causa do choro, e as mãos vazias. Meus pais ouviram meu relato e eu não chorei ao contar, até mesmo ocultei algumas partes. So queria ficar em paz.
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Histórias de amor que eu não vivi
RomanceTodo mundo tem um arrependimento na vida, se ainda não tem, vai ter! E não, não acredito nessa história que você só se arrepende do que não fez! Eis aqui as "desventuras" de Sarah, a personagem que narra algumas de suas histórias de amor ao longo de...