Histórias de amor que eu não vivi

Segunda Feira

Meu final de semana foi incrível. Nos divertimos bastante com Ana Rosa e família. Fiz amizade com Túlio, que me pareceu ser uma pessoa decente, ligado à família, ao trabalho e aos estudos. Antes de Henrique viajar Túlio e eu trocamos nossos números para que eu tivesse mais alguém conhecido a quem recorrer caso precisasse de ajuda. A cidade vivia uma onda de assaltos e violência e eu passava a semana inteira sozinha, entre o trabalho e a faculdade. Fazia cerca de dois meses que Henrique havia começado a passar os fins de semana em meu apartamento, e embora eu gostasse muito da ideia de morar sozinha, sempre que ele ia embora eu sentia um vazio.
Cheguei do trabalho e corri para o banheiro para me arrumar para ir a faculdade. Em alguns minutos eu estava saindo pela porta com o cabelo ainda pingando, a mochila em uma das mãos e um suco de caixinha na outra. Uma das piores coisas de se morar sozinho é o fato de você se alimentar super mal. Na pressa acabei esquecendo o celular. Nessa noite tive um problema sério na faculdade e acabei me desentendendo com minha equipe. Estávamos começando a nos prepar para o temido TCC e alí era cada um por si, eu particularmente já preferia fazer trabalhos sozinha, mas mesmo tendo procurado o professor várias vezes para discutir isso, ele não aceitou meus argumentos, então todas as noites eu vestia a minha roupa de super heroína e me juntava às cobras universitárias. Mal acabou a aula, corri para pegar o ônibus, quando cheguei em casa tudo o que queria deitar na cama, ligar para Henrique e desabafar.
Abri a porta, joguei a mochila em um canto, peguei meu celular(esquecido em cima do sofá) tirei a roupa e me joguei na cama.
- Oi amor. Boa noite!
- Boa noite é o c#%$&*. Onde você estava?
- Henrique eu...
- Henrique o que??? Eu já te liguei 300 vezes!!! Onde você estava???
- Na faculdade!!! Onde mais estaria?? Quer parar de gritar?!Você está louco??
- E por que raios você não levou seu celular?? Você nunca desgruda desse telefone, e quando te ligo você ainda não atende! Onde era que você tava afinal?? Tá achando que eu sou otário??
Comecei a tremer de raiva e nervoso. Eu nunca consegui lidar bem com situações de agressividade.
- O que é que você está insinuando? Perguntei fervendo por dentro.
- Por que é que você não responde onde estava???
- Eu estava na faculdade!!! Esqueci o telefone em casa. Você por acaso está insinuando que eu estava te traindo? Tá louco!? Eu mal tenho tempo para viver, tô cheia de problemas no trabalho, na faculdade. Chego em casa doida para desabafar com você, mas você vem querer me enlouquecer com suas desconfianças? Desde quando você se tornou assim Henrique??? Eu gritava a plenos pulmões sem me importar se os vizinhos do décimo andar ouviriam.
Ele ficou mudo.
- Me esquece Henrique! Atirei o celular num canto da cama e desabei num choro dolorido. Cerca de 1h depois, precisei me recompor pois estava recebendo uma ligação dos meus pais. Não falei nada a eles, não queria preocupa-los, mas me acalentou o fato se saber que viriam passar o próximo fim de semana comigo. Quando a chamada acabou fui conferir direito meu celular. Haviam infinitas chamadas de Henrique, mensagens de grupos, que fui ignorando e uma mensagem de Túlio:
- Boa noite Sarah. Está tudo bem?
Suspirei. Será que Henrique ligou para ele? Seria uma tentativa de usar o amigo para aplacar a minha fúria? Henrique estava brincando comigo... Pensei furiosa.
- Não! Não está tudo bem. E avise Henrique que pare de infantilidade. Esse tipo de problemas se resolve pessoalmente e com maturidade.
Ele respondeu com uma carinha assustada(😮).
- Túlio, eu não quero ser grossa com você. Eu estou chateada então por favor sem rodeios, sei que Henrique está usando você para falar comigo. Eu não quero falar com ele agora. Eu estou P da vida e preciso de paz.
- Sarah. Desculpe. Eu não sei do que está falando. Mas pelo visto teve um problema com Henrique e eu espero que se resolvam. Foi mal. Só queria saber como você estava pois Henrique me pediu para sempre me comunicar com você pois fica preocupado pelo fato de estar só. Mas enfim, foi mal, desculpe o incômodo. Boa noite! Qualquer coisa estou aqui.
Li e reli a mensagem por alguns instantes. Sei que Henrique se preocupava com a minha segurança, e quase todos os nossos amigos em comum me mandavam mensagens como aquela, mas a minha fúria naquele momento não era pouca. A minha vontade era de mandar Túlio e Henrique às favas. Mas... e se ele realmente não soubesse de nada? Se estivesse sendo honesto?
- Foi mal Túlio. Eu realmente não quero ser grossa com você. Achei que Henrique tivesse ligado para você para falar o que aconteceu. Me desculpe mais uma vez. O problema é entre mim e Henrique.
- Tudo bem, não precisa se desculpar. Eu é que peço desculpas por mandar mensagem no momento errado. Boa noite!
Fiquei encarando a tela do celular por alguns segundos e recomecei a chorar descontroladamente. Que raios de vida! Que inferno! Já não bastava ter me desentendido com Henrique, agora até uma pessoa que não tinha nada haver com a situação estava sendo atingida pela doideira que estava sendo meu mundo naquele instante. Eu só queria sumir.
- Me perdoe, você deve achar que sou louca. Devo ser mesmo... Salve sua vida enquanto pode. Boa noite!
Deitei na cama e fiquei encarando o teto. A cabeça já começava a doer por causa da crise de choro. Senti meu celular vibrar.
- Se quiser conversar estou aqui.
- Quer me "ouvir" falar mal de Henrique?
- O que ele fez para você?
- Só acabou de piorar minha situação.
E então desabei em contar para ele tudo o que estava acontecendo comigo. Quando me dei conta eu havia simplismente aberto para Túlio toda a minha vida naquele momento em uma explosão de raiva e tristeza. Ele por sua vez me respondeu com toda paciência me pedindo que me acalmasse, que ficasse a cabeça no lugar, que deveria ter sido apenas uma crise de ciúmes de Henrique e que se eu quisesse conversaria com ele, que logo nos entenderíamos. Li aquelas palavras com os olhos encharcados e simplismente balancei a cabeça... Como era difícil colocar em palavras tudo o que estava sentindo. Mas eu não estava mais com disposição para isso. Agradeci a Túlio pelas palavras e desliguei o celular. Tomei um comprimido para a dor e fui tomar banho para ver se dormia e a dor do corpo passava, pois a da alma, eu sabia que não passaria tão depressa.