Trilha

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Pedalar pela manhã no parque tinha muitas vantagens, a manhã tem uma magia especial. Algumas pessoas por ali já faziam alongamentos, outras caminhavam com seu cachorro, passamos por um grupo de homens e mulheres se exercitando, e nós seguimos em direção a trilha. Entramos por uma estrada de terra, o que me deu um pouco de medo ao pensar nas coisas terríveis que já vi em filmes, balancei a cabeça para me livrar daquelas idéias.
- Falta muito para chegar ao rio? Perguntei quando paramos para beber água.
- Estamos bem perto.
Eu já suava bicas.
- Certo!
Alguns minutos depois estávamos passando por uma área de areia fofa, o que quase me levou de nariz ao chão. Tivemos que descer e empurrar as bicicletas. As árvores eram altas sobre nossas cabeças.
- Você vem sempre aqui?Perguntei.
- Sim! Costumava fazer esse trajeto com meus pais. Ele respondeu
-Não fazem mais?
Ele hesitou ao responder
- Não mais...
Percebi alguma tensão em suas palavras
- Anh... Por que?
- Já tem um tempo que não fazemos mais nada juntos. Meus pais já foram muito amigos, mas agora... é estranho. Eles não se curtem mais. Estamos todos meio que afastados. Acredito que vem um divórcio por aí. Ele acrescentou.
Engoli em seco.
- Nossa eu, realmente... Não sei o que dizer.
Ele forçou um sorriso.
- É. Não é legal ver seus pais brigando como dois inimigos. A sua casa vira um campo de guerra, eu odeio estar lá.
Fitei firme em seu rosto. Ouvir aquilo partiu meu coração, eu nunca na vida imaginei meus pais separados e muito menos odiar minha casa. Na verdade minha casa era o único lugar em que eu me sentia bem. Sem falar que nunca, jamais, suspeitei que Afonso Neto tivesse problemas desse tipo.
- Puxa, que situação mais complicada...
- Veja! Ele apontou para frente. - Chegamos!
Estava focada na conversa que nem me dei conta de que um lindo rio esperava por nós. Subimos em nossas bicicletas e chegamos até uma ponte de madeira. As águas estavam bem calmas. Guardamos as bicicletas e fomos caminhar às margens. Era muito bom estar ali. Andamos bastante e depois nos sentamos sobre uma pedra.
- Então, você estava me falando sobre os seus pais... Se quiser pode conversar comigo sobre isso.
- Eu não costumo falar sobre isso sabe. É estranho, eu prefiro filtrar e fingir que está tudo bem. Eu não gosto de sofrer.
- Ninguém gosta. Respondi dando um leve sorriso
- Pois é. Eu tento ocupar minha mente com coisas que me façam esquecer um pouco do que vivo em casa. Eu sei que uma separação é inevitável...
Ele catou uma pedrinha com a mão e a atirou no rio formando um círculo.
- Sinto muito pelos seus pais.
- Não sinta. Eu já vivo tão cheio dessas brigas que acredito que seja melhor eles separados. -Minha cabeça dói todo dia quando chego em casa, o clima pesa sabe... Me sinto feliz na escola, pois alivia tudo o que eu carrego.
Meu coração se quebrou, percebi ali que eu era um tanto egoísta, tão focada em meus problemas que esquecia que as pessoas ao meu redor também tinham suas dores.
- Saiba que se eu poder lhe ajudar em algo, estou aqui. Peguei em sua mão.
Ele me olhou nos olhos e sorriu, senti minhas bochechas corar.
- Trouxe algo para você. Ele disse mudando de assunto.
Então abriu a mochila e tipo um pacote pardo com um lacinho verde. Quando abri quase infartei, era o livro que eu tinha ido comprar no dia da confusão na livraria. Aqui que me deixou tão surpresa e feliz que me atirei à ele em um abraço.
- Meu Deus, não acredito nisso! Você me deu o livro... Cara, casa comigo! E dei um beijo na bochecha dele.
- Aceito!
- ...
E ficamos lá os dois feito bobões dando risada. Após um tempo admirando meu livro e falando sobre o quanto eu era apaixonada por eles, resolvemos fazer um lanche. Escolhemos uma árvore e montamos um mini piquenique, após o lanche ficamos lá deitados, olhando para o céu.

Histórias de amor que eu não viviOnde histórias criam vida. Descubra agora