[28] Linchpin

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DIA 19 DE MARÇO — MANSÃO DOS KIM

Há muito o café na xícara à frente de Taehyung tivera esfriado, seu olhar estava perdido no pires minuciosamente adornado em cores quentes e a gola de sua camisa social branca para fora das lapelas do paletó me deixava agoniado. Apático, mas eu sabia que por sua mente uma miríade de pensamentos corria, principalmente sobre o julgamento do qual logo participaríamos.

Quatro meses atrás, em 18 de novembro, a guerra teve seu início e deixou consequências ainda que tivéssemos impedido-a de tomar proporções maiores e irreversíveis. Por medo do sofrimento pelo qual passariam com os ataques, muitos cidadãos sulistas ousaram cruzar a fronteira do país em direção, sobretudo, à metrópole chinesa, arriscando-se e, alguns, até perdendo a vida. Foram registradas mais de cem mortes durante os quase dois meses em que prestei o serviço militar e podia parecer pouco em comparação à época na qual a Guerra Afiada encontrava-se em atividade, porém estas continuavam sendo vidas inocentes ceifadas em vão.

A drástica mudança na dieta dos cidadãos do sul resultou na adquirição de inúmeros transtornos alimentares, pois substituir o costume de comer carne todos os dias a comer pão não era algo simples e acarretou especificamente em desnutrição. Ao passar pelo centro quase vazio da capital dentro de um caminhão com os outros soldados presenciei uma senhora com profundos sulcos em suas bochechas e as costas anormalmente encurvadas, parecia faminta e, ao olhá-la, senti meu estômago se revirar, fastiado. 

Nada daquilo foi preciso. O sofrimento, o sacrifício, o medo. Absolutamente nada, por fim.

Somente um dia após uma lamentável tragédia — o confronto entre soldados do sul que deu cabo da vida de tantas pessoas, inclusive à de Min Yoongi — uma carta do norte foi recebida pelo capitão Do Byeongho. Passávamos por um momento crítico: a maioria dos soldados das divisões A e B se recusava veemente a apreender o patriarca Cho Kyungha por ter me raptado, alegando ser uma besteira tanta preocupação para comigo e ignorando completamente o fato de que ele causara a batalha na penitenciária isolada à costa de Marado, espante-se, mesmo local onde um navio sulista supostamente teria sido atacado por três fragatas do norte.   

Admito que não foi nada agradável ter de lidar com as suposições do porquê de eu ser tão protegido por pessoas de alta patente como Jungsoo e o capitão Ryeowook, mas concentrei minha esperança naquela carta de páginas com folhas cor-de-açafrão.

Além de esbanjarem a caligrafia do presidente do norte, as cartas também eram assinadas pelo primeiro tenente da décima sexta divisão nortista, Woo Dakho, e este já estava familiarizado com alguns soldados, inclusive o capitão Do, após uma breve conversa por rádio obtida pelo conterrâneo Lee Donghun, que se encontrava detido numa prisão da província do sul até que sua inocência quanto ao lançamento de mísseis à divisão C fosse provada — o que eu achava um absurdo, porque graças àquele alfa coisas importantes ficaram claras: a inexistência de um ataque do norte ao sul, por exemplo.

A província nortista possuía um álibi que lhes garantia a ausência do local onde o navio mercante sulista foi afundado, seu orientador eletrônico (qual chamavam de GPS) acoplado a todas as embarcações da marinha do norte podia comprovar isso, sem contar na segurança emanada pelo primeiro tenente através das cartas, que até mandou as coordenadas exatas de onde todos os seus navios estavam no exato horário do atentado. As últimas folhas contavam unicamente com coordenadas e precisas latitude e longitude.

Era difícil dizer pelo quê os soldados estavam mais surpresos — se pelo seu terrível engano em culpar o norte por um ataque que qualquer outro país pudesse ter causado ou pelo conhecimento de um tipo de bússola que possuía a capacidade de orientá-los em qualquer lugar do mundo num piscar de olhos.

Epiphany [KTH • KSJ]Onde histórias criam vida. Descubra agora