[24] Snapping

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— Está bem, prestem atenção. — Taehyung parou afronte de todos nós e respirou fundo antes de dizer o que já sabíamos, olhando para mim, contudo: — Não serão legais com a gente.

— Nunca foram. — entendi as entrelinhas que ele me dirigiu para que somente eu compreendesse. Era triste o fato de não sermos o casal perfeito para sua família, para o resto da sociedade, mas o sarcasmo que utilizei o fez dar de ombros enquanto sua expressão dizia: "fazer o quê?".

"Pois é. Fazer o quê?" — assim como Taehyung, movi meus ombros para cima num ímpeto, os lábios franzidos numa falsa conformidade.

— Me refiro ao geral. — refez sua frase e assenti para que continuasse, apontando-nos os grandes portões de ferro da divisão B. — Pela situação de guerra, além do fato de trazermos um soldado do norte conosco, é bem provável que sejamos confundidos com infiltrados. Infiltrados não são muito bem tratados aqui no sul, certo, Kim?

Youngwoon ignorou Taehyung, seus olhos fixos na divisão B pareciam maiores naquele rosto grande e imundo pela poeira, mas a hipótese de ele estar faminto também podia ser cogitada. Nossa última refeição fora há mais de doze horas, vertigem e sebo nos encobriam, um pouco de hospitalidade seria pedir muito?

— Irei na frente, homens. — Ryeowook entregou o braço direito de Donghae para que Suk pudesse segurá-lo, espreguiçando-se antes de se aprumar à nossa vanguarda. — Será impossível evitar os gracejos dos soldados, porém fiquem firmes que receberão comida quente e um banho decente logo, logo.

— Eles que não ousem fazer de mim uma piada. — Youngwoon resmungou, orgulhoso, e, incrivelmente, não dei meu típico revirar de olhos para ele. Em um dia e meio de jornada, eu aprendera a suportar sua voz mais que o esperado. O cansaço favoreceu a minha tolerância para com ele, mas ainda éramos como água e óleo — e eu tinha a impressão de que seria difícil modificar isso.

— Não seja egocêntrico, Youngwoon, estamos todos no mesmo barco. Por favor, nos apressemos, não posso aguentar esse pó grudado em partes que não quero ter que compartilhar por nem mais um segundo. — Suk choramingou, e teríamos rido se nossa fadiga não fosse maior que nosso senso de humor.

Fomos depois do capitão Ryeowook, passo após passo, esperando pelo acolhimento dos nossos. Taehyung tinha razão, armas nos foram apontadas assim que estávamos a dez passos dos portões da divisão, o que nos estagnou completamente. Houve um burburinho entre os soldados que ficavam de tocaia na pequena casinha de madeira atrás das muralhas até sermos escoltados por seis deles e suas inseparáveis armas ao longo do campo. Senti uma imensa vontade de me jogar sobre aquela grama verdinha recém lavada, ela me parecia tão convidativa que eu poderia até comê-la.

Como mecanismo de defesa meus tímpanos passaram a não mais diferenciar a chacota dos soldados, tudo tornou-se apenas um som sem nexo para mim, contudo um "frouxo" eu fui capaz de escutar. Era lastimável em demasia ver que os soldados diminuíam até quem carregava a bandeira do sul no peito em razão ao medo do inimigo que carregávamos ao nosso lado.

Mas também havia outro detalhe.

Eu era um ômega, grávido ainda por cima, envolvido por vários soldados alfas e betas.

A atmosfera tornou-se pesada de repente.

— Qual sua posição, soldado? — um alfa veio nos receber, provavelmente o de maior patente daquela divisão, reconheci pelo seu cheiro tentar sobressair-se aos demais. No entanto, eu não conseguia prestar atenção no que ocorria à minha frente quando uma letargia insistia em se apossar de meu ombro, das escápulas, das costas.

Virando-me, me deparei com um alfa que beirava os cinquenta anos, as rugas demonstravam que ele rira muito durante toda a vida, porém seu olhar depravado esclarecia que os motivos de seu sorriso não deviam ser lá os melhores. Vê-lo me trouxe um arrepio à espinha, assim como desagradáveis memórias à mente.

Epiphany [KTH • KSJ]Onde histórias criam vida. Descubra agora