As coisas correram tranquilas durante minha última semana em casa, apenas os mesmos constrangimentos que não merecem ser lembrados, mas tem a ver com os exames físicos obrigatórios que fiz nove dias antes e, no fim, me consideraram um homem sadio para integrar o exército sulista.
Quase não acreditei quando me disseram que eu havia sido aprovado, até dei alguns soquinhos no ar ao sair daquele prédio onde dois homens me encaravam com o rosto travado numa carranca eterna, como se tivessem acabado de aplicar botóx, e faziam inúmeras perguntas como se eu fosse um inimigo de estado.
Não, eu estaria protegendo o estado, não só ele na verdade, como também todo o país, e isso se tornava cada vez mais concreto quando eu via meu uniforme do exército estendido sobre minha cama de onde logo eu tiraria os lençóis outra vez, mas não para partir em lua de mel, e sim para partir em nome de uma causa nobre — mesmo que isso não fosse o tópico principal que me fizesse embarcar num trem naquela madrugada.
A madrugada em que eu havia de partir.
Percebi toda cordialidade me sendo dirigida desde que acordei — todos estavam em casa, inclusive Jimin, pois não poderiam se despedir de mim na ferroviária.
Começando pelo café da manhã que minha avó me servira, a mesa apresentava tudo o que eu poderia querer comer, aproximava-se a um banquete, entretanto eu me sentia fastiado, mesmo vazio.
Enquanto mordia uma torrada que ao invés de crocante estava esponjosa, a observava passar a camisa de meu uniforme militar com esmero, apertando os lábios toda vez que se deparava com o nome "Kwon Bokum" costurado no tecido num branco opaco.
Noite passada tomei a liberdade de preparar minha própria mala, ela quem sempre a preparava para mim e era incrível como punha exatamente tudo o que eu iria usar, sem nada faltar ou algo sobrar — o que me deixou receoso sobre pegar muitas ou poucas coisas, mas consolei-me internamente ao pensar que a maioria do que eu levaria se perderia na guerra.
"Que tipo de consolo é este?"
A verdade era que eu tentava banalizar aquele assunto para não sentir medo e acovardar-me, voltando atrás. Eu estava com meus pés bem longe de minha zona de conforto e avançaria mais incontáveis passos em direção ao trem das seis da manhã.
Faltava pouco, logo estaria feito, sem brechas para arrependimentos.
— Hyung, tenho uma coisa para você. — Jungkook chamou minha atenção para si assim que levei meus dedos ao zíper da mala, pronto para fechá-la.
— Você tem ou Jimin tem? — arqueei uma sobrancelha para Jungkook e ele revirou os olhos ao lembrar-se da história do vaso cristalino.
— Muito engraçado, Hyung, mas isto, de fato, é meu. — levantou o travesseiro e de lá pegou um caderno preto, parecia uma agenda, mas era um pouco maior, e não chegava a ser escolar, era bem menor.
Uma caderneta.
Me ajoelhei de frente para ele em seu colchão e tomei a caderneta de suas mãos, folheando-a, surpreendendo-me ao não encontrar linhas nas páginas amarelo-açafrão.
— Não é para escrever? — questionei, brincando com a fitinha preta presa à capa, qual servia para marcar as páginas do objeto.
— Não, seria fácil demais. Então lhe dando isso também queria propôr um desafio. — ele fitou a parede amarelada de meu quarto enquanto falava: — Desenhe o que vir pelo caminho. Se uma formiga o interessar, não importa, apenas desenhe. Caso se sinta solitário, desenhe, Hyung. Desenhe para mim.
Sorri fracamente enquanto engatinhava pouco para aproximar-me mais dele, tocando seu joelho com meu indicador e fazendo uma branda carícia lá que de pronto capturou sua atenção.
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Epiphany [KTH • KSJ]
Fanfiction"Ele chegou por acaso, como uma serendipidade. E me ganhou em toda sua singularidade." - Kim Seokjin [...] Algo que Kim Seokjin, mesmo em sua condição como ômega, não esperava e desejava era se casar com alguém que sequer tivesse alguma noção sobre...