[26] Eyes Closed pt. 1

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Não é fácil se descobrir como um alfa. Não é fácil se descobrir como um ômega.

Um jovem alfa logo pensa nas responsabilidades que terá como tal: deverá esforçar-se quanto aos estudos para dar orgulho aos pais, encontrar um ômega o quanto antes — participantes de reuniões de escolha não eram bem vistos, afinal —, trabalhar para dar o melhor à família que formaria e, acima de tudo, não ser o responsável por sua ruína porque um lobo é perfeitamente capaz disso.

Um ômega preocupa-se somente com o que a sociedade lhe designou para fazê-lo: o quão encantador terá de ser para conquistar o alfa que lhe dará uma vida confortável, se sua composição biológica é boa o bastante para gerar filhotes saudáveis e ainda se poderá suscitá-los.

Ômegas estéreis eram tão inúteis como bibliotecários no sul. O último fora citado em decorrência à ignorância do povo, por fim, que não se interessava pelos mais cativantes livros das bibliotecas, sendo isso fruto de um árduo trabalho de vulnerabilização do povo por parte do patriarca e sua família — se estivessem amedrontados o suficiente pela guerra, não sentiriam outra necessidade senão a de se proteger, consequentemente não buscando o conhecimento adequado para criarem seus próprios conceitos.

Tudo o que resultou naquela nação fora feito minuciosa e trabalhosamente, a guerra foi uma auxiliar para que a gente se tornasse submissa da aristocracia do senhor Cho, pois o que o tornavam uma nação era o estado de natureza, o sentimento em comum de não quererem mais se sentir ameaçados, no entanto abaixando a cabeça para aquela família conseguiram exatamente o contrário.

O patriarca Cho cuidava da província sulista com esmero, todas as ruas eram planas, cobertas pelo asfalto negro que reluzia perante a luz do dia, os brinquedos, bancos e quiosques dos parques eram todos bem cuidados, pareciam ter sido instalados no dia anterior, as casas do sul eram marcadas por suas típicas infraestrutura de dois andares e cores quentes, todas muito belas e aconchegantes para qualquer pessoa. Porém, do que adianta viver no paraíso e não ter o direito de apontar quando algo não vai bem? De discordar de coisas que não lhe agradam e fazer escolhas diferentes — escolher com quem passará o resto de sua vida ao invés de ser prometido para tal antes mesmo de saber contar a ter dois, por exemplo.

Aquela era a realidade cravada na região sul qual incontáveis pessoas viviam todos os dias, e era a ela que eu melancolicamente assistia enquanto passava pelo subúrbio dentro da proteção de um Excel do mundo exterior, pois meu Appa alfa trabalhava no outro lado da cidade e raramente me permitia acompanhá-lo, apenas quando eu insistia muito. Eu me perguntava por que aquelas pessoas, que moravam tão longe de minha casa, sempre estavam carrancudas e até choravam às vezes, já que eu não estava acostumado com a tristeza tendo tido uma vida livre de tribulações desde que nasci.

Eu me lembrava com clareza de uma moça abraçada a um menininho da mesma altura que eu, mas estava tão franzino e não abria seus braços para retribuir o aperto da mãe ou para limpar as lágrimas que caíam copiosamente de seu rosto pálido — eu tinha oito anos, a verdade me atacou como um urso violento quando descobri o que aquela imagem significava.  

Com oito anos de idade eu não tinha noção de diferenças sociais, e nem quando as conheci, mais velho, elas fizeram sentido para mim, então eu não entendia por que a cozinheira que trabalhava em minha casa não podia sentar-se à mesa conosco para comer a comida que ela mesma preparou. Eu não entendia por que todos os anos eu podia comemorar a ceia de Natal com minha família, ficando acordado até tarde para assistir meus pais dançando bêbados do topo da escada, e os filhos do jardineiro iam dormir cedo.

Mas quando vi a cozinheira tirar o avental suado e mal-cheiroso, guardando-o em sua bolsa para lavá-lo em casa, sem sequer se banhar após um dia de trabalho cheio que a deixou naquele estado, eu entendi.

Epiphany [KTH • KSJ]Onde histórias criam vida. Descubra agora