- O Confeiteiro Enfermo e Seus Desejos -

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A cozinha era um modesto cômodo retangular. Nirene podia observar os prados de Asmabel através de uma pequena janela composta de hastes de madeira fina na posição diagonal. Uma mesa quadrada era destinada ao amasso de massas e cortes de pedaços de carne. Pedaços estes que ficavam pendurados em ganchos nas toras de madeira do teto e eram todos conservados em sal.

Havia duas longas tábuas finas horizontais em paralelo que estendiam-se pela parede à um metro do chão destinadas a sustentar potes contendo grãos e as mais diversas especiarias. Um forno quadrado de metal escuro com alguns resquícios de ferrugem era o responsável pelo preparo das refeições, este tinha a capacidade de manter a lenha queimando em seu interior e duas aberturas redondas liberavam o fogo necessário para o cozimento dos alimentos. 

Após a fervura do chá, Nirene o colocou numa leiteira em uma bandeja de metal e pediu que Eurene a levasse até o pai no andar de cima. Quando terminou de subir as escadas, encontrou-se diante da porta entreaberta do quarto pertencente aos pais. Aproximou-se segurando a bandeja com as duas mãos e anunciou sua entrada.

— Pai? Posso entrar? 

Uma tosse seca antecedeu a resposta.

— Claro. Entre, Eu.

Eurene abriu a porta entreaberta com seu cotovelo e silenciosamente entrou no cômodo segurando a bandeja. O local estava iluminado pelos raios de sol que entravam pela janela quadrada e Nirene havia certificado-se de retirar as cortinas para não haver o risco de a luz ser impedida de entrar. De fato este dia caminhava para ser um dos mais ensolarados do ano.

Pequeno mas confortável, o cômodo detinha uma grande cama de casal com grossos cobertores e travesseiros estufados com plumas de ganso. Dois ornamentados baús no chão guardavam as vestimentas do casal. Um baixo guarda-roupa com um espelho quadrado e gavetas enfileiradas verticalmente ocupava um largo espaço no canto esquerdo ao lado da cama e a iluminação para as noites provinha de velas em um rústico lustre negro no centro do teto. Eurene sentiu um lúgubre ar quando adentrou o quarto. Não sabia dizer se era originado da presença do adoentado pai ou se fosse alguma feitiçaria lançada pelas vizinhas maliciosas. 

Sentado na ponta do colchão... era como Eugus permanecia a maior parte do dia. Em sua frente uma pequena mesa o ajudava a apoiar seu livro e evitar a necessidade de ter que dar passos para pegá-lo. Usava as roupas que Nirene lhe deixou sobre o colchão antes de acordar; uma camisa branca com as mangas dobradas no cotovelo e um colete fino marrom com todos os botões abotoados, o que acabava por exibir dobras por causa de sua visível barriga.

— E aí? Como vai o pé-de-gigante? — Eurene depositou a bandeja sobre a mesinha diante do pai que imediatamente retirou seu livro. 

— Pé-de-gigante? É assim que vocês chamam meu pé agora? 

— Foi o Devin quem falou isso hoje de manhã. Não faço ideia de onde ele tira esses nomes. 

— Certamente dos livros de contos fantásticos dele. Devin tem uma imaginação muito fértil. 

— Três dias atrás ele me disse que tinha imaginado geleia de cereja dentro do seu pé. Confesso que ri mas agora acho meio nojento. 

— Ah, tenho certeza que o cheiro seria muito mais agradável se houvesse geleia de cereja dentro do meu pé. A cada dia sinto que isso aqui está ficando pior. 

De certa forma, Eurene não se preocupava com os eventuais comentários tristes do pai pois estava muito familiarizada com sua jovial personalidade. Puxou para perto de si uma cadeira que estava no canto do quarto e sentou-se na frente da mesinha. Ao encher a xícara com o aromado líquido fervente, levou-o de encontro à trêmula mão do homem e teve a oportunidade de estudar seu rosto mais detalhadamente. 

A Pretensão dos CavaleirosOnde histórias criam vida. Descubra agora