- O Filho Esquisito e o Filho Estúpido -

519 63 115
                                    

O moinho era dividido em três partes, a base foi transformada numa cozinha onde todos os utensílios eram mantidos, o segundo cômodo era o quarto destinado à Laurelia onde também estava o minúsculo banheiro, este mantinha apenas uma privada de madeira cujo encanamento a ligava à fossa abaixo do solo. E por último, o topo da torre onde os irmãos dormiam em colchões separados no chão de madeira. Ambos eram preenchidos por panos e revestidos por couro de carneiro. A pouca maciez dos colchões por vezes deixava dores nas costas do trio mas todos concordavam que qualquer colchão, por mais desconfortável que fosse, era melhor do que a madeira do chão. 

No lado exterior do topo do moinho e abaixo da janela, havia tábuas quadradas e simétricas pregadas verticalmente uma ao lado da outra. Tal plataforma havia sido construída originalmente para sustentar sacos fechados de grãos e os mais diversos materiais. Porém, Adilan o considerava um lugar perfeito para ter um pouco de privacidade tendo em vista que morava na construção mais desprovida de espaço naquele vilarejo. 

Todas as noites ele costumava sair pela janela e sentar-se na pequena plataforma onde permanecia observando os campos abaixo da escuridão da noite. Porém, desta vez a escuro era dissipado pelo brilho das pequenas esferas luminosas que pairavam pelo telhado das casas. 

Sentado com as pernas cruzadas, era a forma mais confortável que ele poderia estar. Em sua mão uma lisa casca de árvore servia de apoio para a pequena folha de papel que ele anotava seus manuscritos. Uma única pena e um pote de tinta nanquim foi o que ele conseguiu obter de um dos mercadores que semanalmente visitavam o vilarejo com suas mercadorias. O papel, antes pertencente à biblioteca do governante do vilarejo, passou a ser o único recurso que Adilan se viu obrigado a roubar já que ele uma vez percebera que montes de papéis limpos eram deixados expostos à poeira e ao tempo sem que ninguém os tomasse para escrever. 

Seus escritos, ele não permitia que nem Talion nem sua mãe os lêssem. Poderiam ser sonhos, relatos, desejos ou desabafos. Embora ele soubesse que Talion não expressava interesse por leitura, Adilan nunca deixava seus escritos no cômodo em que dormia com o irmão e por isso cobria-os com uma capa de couro de carneiro e levava-os consigo presos na lateral de seu cinto. Por vezes ele já percebeu olhares curiosos dos frequentadores da taverna que suspeitavam que a bolsinha quadrada em sua cintura poderia guardar moedas ou objetos de valor. Mesmo que até então não tivesse sofrido nenhum ataque, Adilan permanecia atento aos que se aproximavam muito perto de si. 

Mesmo que forçasse, a inspiração para escrever algo parecia não surgir em sua mente naquele momento. Talvez seja porque seus ouvidos estavam atentos à discussão que acabara de ocorrer na cozinha do moinho. Mesmo estando no topo da estrutura, qualquer elevação de voz era audível. Sem que percebesse, o barulho de algo sólido batendo na superfície da plataforma assustou-lhe. 

— Te trouxe o jantar — Laurelia anunciou quase recuando ao súbito movimento de espanto do rapaz. 

A mulher estava fora da janela apenas da cintura para cima. Ela estendeu o braço para entregar a vasilha de madeira esférica contendo algumas verduras cozidas e pedaços de carne seca. 

— Obrigado, mas não precisava. Não estou com fome. 

— Ah, eu sabia que você ia dizer isso, por isso trouxe sem te perguntar se queria. 

— Não estou com fome, mãe. 

— Não está com fome ainda. Mas vai comer quando esquecer todos esses problemas. Você sempre faz isso. 

Laurelia deu apenas um leve sorriso e começou a recuar para sair da janela. 

— Mãe — Adilan a chamou e logo foi respondido com a hesitação da mulher. —, me desculpe por ter causado mais uma confusão essa noite. Não quis colocar seu trabalho em risco. 

A Pretensão dos CavaleirosOnde histórias criam vida. Descubra agora