Derion jamais iria esquecer o que aconteceu naquela tarde. Pela segunda vez em sua vida, sofreu por fenômenos que não sabia explicar do que se tratava.
Há seis anos atrás, quando servia de companhia na peregrinação de seu pai pelas terras de Gandalar e Asmabel, Derion percebeu que possuía dons diferentes que as demais pessoas comuns não tinham. Certa vez, quando seu pai tentava negociar a troca de quatro cabras por um vorgo, o jovem Derion observava atentamente o comportamento do comprador charlatão de trajes coloridos. Quão foi sua surpresa quando ele escutou a voz do homem ser pronunciada sem que ele sequer abrisse a boca. Era a voz daquele homem, mas não a de sua boca, e sim a de seus pensamentos. Foi assim que o astuto Derion alertou seu humilde pai sobre as intenções mentirosas do charlatão.
Em uma noite qualquer, o tapete estrelado que cobria o céu de Gandalar presenteava o local em que pai e filho optaram por dormir, em uma simples charrete. Foi uma estrela cadente que chamou a atenção do menino, uma estrela linda que emitia um brilho imenso. Derion correu pelo campo terroso seguindo o rastro do corpo celeste até subir uma alta colina, quando chegou no topo, viu uma estrela cujo brilho era muito forte em meio a uma imensidão de pontos luminosos. Derion estava hipnotizado, estendeu a mão para tentar alcançá-la, mas a única coisa que lhe aconteceu foi uma luz clara emanar de suas mãos. A partir dessa noite, Derion julgou possuir algum tipo de parentesco com os vagalumes, mas seu pai sabia que isso não podia ser verdade. Era mais provável que ele tivesse o sangue de um andor, mesmo que ninguém de sua família o tivesse.
Os dias que se seguiram foram os mais benditos para o pai de Derion pois ele possuía em suas mãos um descobridor de mentiras e uma vela viva para iluminar as noites, nunca havia ficado tanto tempo longe de lamparinas e tochas. Derion passou a usar seus dons todas os dias e todas as noites, mesmo que não soubesse como controlá-los por completo. Certo dia, pai e filho se depararam com um andor andarilho que viajava em um cavalo sendo acompanhado por um animal de pelo branco, este se interessou em comprar um manto novo, vendo que o seu já estava muito gasto e rasgado. O pai de Derion tentou persuadí-lo a comprar mais coisas ou a pagar um preço acima do normal, o próprio Derion estava encarregado de sussurrar coisas na mente daquele andor, mas a esperteza do andarilho foi superior a do vendedor e mais ainda em relação ao menino.
Mas agindo contra o esperado, o andor não se enfureceu, pelo contrário, elogiou a esperteza do rapaz que apesar de tão pouca idade já buscava beneficiar-se de seus dons. Foi assim que Derion tomou ciência do que realmente era e de tudo o que poderia se tornar, mas para isso ele deveria ir para Nerendor, para buscar conhecimento. Apesar da contrariar fortemente a escolha do rapaz pois viu que perderia os benefícios de sua companhia, o pai de Derion aceitou levá-lo até as proximidades da Cordilheira Rubente onde os postos ao longo do caminho seriam responsáveis por guiá-lo até o templo, e assim foi feito.
Nerendor mostrou-se ser o que aparentava ser. Os livros lhe trouxeram conhecimento sobre fatos históricos e naturais, mas também lhe trouxeram dúvidas sobre o entendimento das coisas. Perguntas simples foram respondidas, mas perguntas complexas foram ignoradas. Por diversas vezes, Derion teve a impressão de que por mais que aprendesse sobre as coisas, o seu entendimento não lhe seria capaz de fornecer uma posição de destaque como debatedor, tendo em vista que seu lugar foi estabelecido desde sempre na hierarquia do poder.
De qualquer forma, ocupar sua mente com essas questões não iria fazer diferença agora, mas era impossível não pensar sobre, pois o que acabara de lhe acontecer foi algo que jamais iria esquecer.
— Você é um ejion!!! — Morren não demonstrou a mínima preocupação em controlar sua animação.
Os dois amigos se encontraram no anoitecer, horas após o ocorrido. Derion contou que não buscou ajudar Joron e Virmon no meio dos escombros, preferiu retornar ao templo subindo pela enorme escada. Foi questionado por um andor sobre os dois que o acompanhavam no trabalho, mas disse apenas que eles viriam em seguida. Nada de mais aconteceu. Mas enquanto seguia seu caminho pelo interior de Nerendor, Derion esperava ser chamado a qualquer momento para levar uma bronca de algum mestre. Ou, no não muito improvável, outra visita ao escritório de Grimbor.
Derion encontrou-se com Morren no longo corredor entre vários outros alunos que retornavam de suas últimas aulas, agora o destino de todos era seus dormitórios.
— Não tire conclusão precipitada... — Derion acalmou o entusiasmo do rapaz.
— O que mais tem para concluir?! Você disse que acabou com os dois sozinho usando um feitiço que eu não faço ideia do que seja e nem mesmo você sabe!
— Sim, mas talvez isso signifique alguma outra coisa.
— Fogo branco? Qual outro andor na história foi relacionado a poderes de fogo branco?
— Nunca li nada a respeito.
— Viu só? Não há outra explicação, você é um ejion e acabou. Eu estou certo.
Embora desejasse dar risadas de alegria pela descoberta inesperada, Derion mantinha seus olhos e ouvidos atentos ao redor caso algum andor inspetor os escutasse pelas proximidades do corredor, não saberia dizer as consequências que tal assunto poderia lhe trazer caso chegasse à mesa de autoridades superiores.
— Mas isso tudo é muito estranho. O fato de ter surgido exatamente agora, sem eu me dedicar ou me esforçar.
— Bom, uma hora teria que aparecer, não é?
— Eu não entendo o porquê de você estar tão contente com isso. Eu ser um ejion não muda nada na competição. Ainda terei que conquistar pontos nos testes de conhecimento.
Morren parou para analisar o que ele disse.
— Talvez você esteja certo, mas agora que o seu verdadeiro poder foi despertado, o teste de Habilidades Mágicas está ganho, meu caro.
— Ah, isso eu não tenho como contestar. Você tinha que ver, Morren, eram tantas chamas saindo das minhas mãos que cobriu aqueles dois como se fossem duas formigas!
— Eu preciso ver isso com os meus próprios olhos, cara. Pode fazer isso de novo, não é?
— Não sei dizer. Talvez sim. Mas tenho outras preocupações agora.
— Por exemplo?
— Joron e Virmon. Eles já devem ter contado aos mestres o que eu fiz.
— Pois eles que tentem te pegar, quero ver eles derrotarem um ejion de verdade.
— Pare de brincadeira, Morren, eu posso ser punido seriamente por isso.
— Bom, de qualquer forma, temos que testar esses novos poderes seus. Os testes começarão daqui um dia, e até lá você tem que aprender a dominar esses dons.
O tempo de permanência dos dois no corredor havia acabado pois alguns inspetores andors surgiram para ordenar a retirada dos últimos alunos distraídos.
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A Pretensão dos Cavaleiros
FantasyO humilde Vilarejo Erban do Reino de Asmabel passou pela mais produtiva das primaveras e a adolescente Eurene vê seus dias tornando-se mais atarefados com sua família. No entanto, tudo muda quando a expansão territorial do Reino de Vordia chega ao v...