- Um Treinamento Intensivo -

133 29 4
                                    

Adamor confiava profundamente em sua capacidade, mas mesmo não demonstrando nenhum resquício de intimidação, ele não se permitia abaixar a guarda para o seu adversário. Mercel possuía uma perícia notável no manuseio da espada, e suas habilidades estavam comparáveis com as do seu líder, muito comparáveis.

Os quatro Cavaleiros Irmãos decidiram que, às vésperas do Desafio das Estações, o mais adequado a se fazer durante a longa espera era treinar o seu desafiante, por mais preparado que este já parecia estar. O local escolhido para tal foi uma viela próxima da Estalagem de Emelia, sua vantagem era a de comumente estar vazia e distante dos olhares de guardas e patrulheiros. Sendo assim, Adamor e seus amigos não pensaram duas vezes em empunhar suas espadas e transformar o local em um campo de batalha. 

E dessa vez nenhum deles poupou esforços. O líder retirou seu manto vermelho a fim de ganhar mais liberdade nos movimentos. Sua longa espada de cabo preto silvava profundamente em cada cortada de ar e trazia consigo o desejo de vitória. Mas Mercel era um oponente astuto, concentrado e terrivelmente mortal. Não por sua força física ou agilidade insuperável, mas sim por sua destreza em analisar o inimigo e traçar pontos vitais a serem atingidos. Tendo ciência desse detalhe, Adamor evitava uma aproximação permanente ao corpo do rival, optava por tentar apenas desarmá-lo com o choque de sua lâmina. 

O barulho da fúria dos metais tomava conta da viela. Os dois combatentes dançavam e rodopiavam na árdua tentativa de derrotar um ao outro. Sem berros nem urros de fúria, a concentração assumia o lugar da extrema agressividade. Havia momentos em que ocorria pausas para a análise de possíveis pontos fracos no oponente, era quando eles apontavam a lâmina em direção ao outro e davam passos em círculo como um felino aguardando a hora certa de atacar. E eis que o combate se retomava onde mais uma troca incessante de golpes eram dados e repelidos. Sem berros nem urros, apenas o barulho da fúria dos metais em um duelo quase coreografado. 

Roren e Borbon apenas assistiam o espetáculo escorados em uma parede da viela. O cavaleiro de grande porte bebia cerveja no bico de uma garrafa e vez ou outra olhava o quanto o sol se afastava no horizonte daquela manhã. Aparentemente, uma hora já tinha se passado desde que estava aguardando a sua vez de entrar em cena.

— Vocês dois vão ficar nessa brincadeira por mais quanto tempo? — Borbon perguntou tomando mais um gole da garrafa. 

Houve outra pausa e Adamor tomou espaço para reavaliar a situação da disputa. 

— Mercel é um oponente mais difícil de ser derrotado do que você julga, meu amigo. Nunca foi minha intenção que isto se prolongasse assim. 

— O desafio vai começar daqui duas horas, chefe. E eu gostaria de ter um bom almoço antes de ir para lá — disse Roren.

Adamor e Mercel trocaram olhares e pareciam conversar através de seus pensamentos. Após alguns segundos de resistência, os dois chegaram a um acordo. Desfizeram suas posições de combate e guardaram as espadas em suas bainhas. Mercel andou em direção à parede e sentou em cima de um barril deitado, tomou um cantil de água e refrescou-se do calor e da fadiga que o tomava. 

— Mal me lembro da última vez em que tive um duelo tão árduo assim com um oponente da minha altura, Mercel — disse Adamor enquanto bebia de um cantil. 

— Você disse bem, sou um oponente da sua altura. Não represento nem um pouco a ameaça que é a tal criatura que você vai enfrentar hoje. 

Adamor suspirou. 

— Você tem razão. Nem eu mesmo tenho total ciência do que se trata a fera que terei que matar. Mas de qualquer forma, treinar até eu me esgotar é a melhor coisa que posso fazer no momento. 

— Aquele andor, o Idarcio — disse Roren. — , disse que o tal orgolon é uma criatura enorme, com uma pele espessa quase impenetrável e uma força descomunal. 

— Bobagem, ele te falou isso só para você ficar com medo — Borbon afirmou com um tremendo descaso.

— Só porque você não tem medo não significa que a coisa não pode te matar. 

— Não vou subestimar a criatura, afinal eu não sei exatamente como ela é e o que pode fazer. Além do mais, meu objetivo não é apenas tentar matá-la, mas sobreviver também, esperar que meus outros três adversários sejam eliminados por ela. 

— Isso se você também não for devorado, é claro — Roren salientou. 

— Eu continuo firme em afirmar que essa foi uma péssima decisão — Mercel elevou sua voz. — Enfrentar monstros gigantes nunca esteve em nossos planos e é uma jogada extremamente arriscada. 

— Entendo seu argumento, Mercel, mas também nunca tive em mente fazer uma aliança com um andor, e no fim isso mostrou-se ser uma ótima decisão, embora ainda não tenhamos tomado nenhum benefício por parte das habilidades de nosso amigo Idarcio. 

— Hunf, aquele lá não tem todos os miolos no lugar — disse Borbon. 

— A princesa disse que matar o orgolon é a mais rara das hipóteses — continuou Mercel. —, então parece que você vai ter que usar sua agilidade para se esquivar da criatura por toda aquela arena. Deixar que os rivais sejam mortos primeiro. Se não morrer de cansaço e for o último homem a restar de pé, você vence. 

— Viram só? Não parece ser tão difícil, basta desviar dos punhos da criatura. — Roren assumiu uma animação que parecia não ter motivo algum. 

— Diz isso porque sabe que é o mais ágil de nós, não é, Roren? 

— Bom... eu me ofereci para ir em seu lugar, chefe, todos sabem disso. 

— Não mesmo, fui eu que me ofereci e todos sabem disso — Borbon protestou. 

— E quem disse que foi nessa hora que eu me ofereci? Você não estava lá quando fiz isso, seu bobalhão. 

— Amigos, isso é irrelevante agora — Adamor os interrompeu. 

— Se vencer, você provavelmente será o próximo cavaleiro a entrar para os livros de contos, Adamor — disse Mercel. — O cavaleiro que matou um orgolon. 

— Ou um que não foi morto por ele — Roren salientou. 

— Mas se morrer, toda a nossa causa estará perdida — Mercel completou.

— Parece que vocês estão mais ansiosos do que eu mesmo com tudo isso. Vamos esquecer o orgolon por enquanto, sim? No momento, me contento em derrotar apenas vocês três. — Dito isso, ele empunhou sua espada e assumiu uma posição de combate. 

Àquela altura, Borbon e Roren já tinham esquecido de que chegaria a sua vez de treinar com o líder. Mas de forma alguma os dois negaram a proposta, ambos empunharam suas espadas com vigor e caminharam para o centro da viela. Por instinto, Mercel e Borbon começaram a rodear Adamor que permaneceu no meio do círculo, como um animal indefeso prestes a ser tragado. O cavaleiro de barba castanha parecia estar satisfeito com a situação, talvez estivera esperando por muito tempo a sua vez de entrar em ação. Já Roren, concentrado e animado, preparou-se para a sua diversão. 

O jovem cavaleiro saltou e girou no ar em direção ao rival que defendeu-se com firmeza. Nesse momento, Borbon também avançou com as duas mãos em sua espada e Adamor esquivou-se, foi para o outro lado e o golpeou pela retaguarda. Roren partiu em sua direção com incessantes ataques mas Adamor conseguia repelí-los. Borbon não esperou por um descuido, desceu a lâmina em sua direção e quase o cortou ao meio se não fosse os olhos atentos de Adamor, ele desviou mais uma vez. 

Assim a luta entre os três se seguiu. Tudo era composto por rápidas investidas da parte de Roren, pesados golpes da espada de Borbon e defesas precisas da perícia de Adamor.  



A Pretensão dos CavaleirosOnde histórias criam vida. Descubra agora