- Um Último Juramento -

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Nem mesmo o belo céu de Asmabel foi capaz de despertar um mínimo sentimento de admiração no interior dos cavaleiros. Aquele fim de tarde estava coberto de melancolia e arrependimento, e este se mostrou ser a pior dor que poderia ser sentida. 

Logo depois que todas as pessoas nas arquibancadas deixaram a arena, os militares responsáveis por recolher os corpos entraram na área e colocaram os cadáveres sobre carroças cobertas. Enquanto eles atravessavam as ruas da cidade, levavam consigo olhares de pesar e lamentações por parte das senhoras que presenciaram a morte terrível que eles tiveram. Mas além da população, a carroça também era seguida pelos três Cavaleiros Irmãos e os jovens silenciosos. De fato ninguém desejava pronunciar uma palavra. 

Quando chegaram nas câmaras dos andors no castelo, os quatro defuntos teriam suas vestes limpas para retirar o sangue excessivo, isso certamente traria mais agrado aos parentes durante o velório. Por sua vez, Mercel pediu que não fizessem nada com o corpo de Adamor, já que não haveria nenhum funeral formal e requintado para ele. O único favor que pediu aos andors foi o empréstimo de uma carroça para levá-lo até uma área fora da cidade, para ser enterrado devidamente. E assim foi feito. 

Os cavaleiros e os jovens companheiros levaram seu líder para fora da cidade sem atrair olhares curiosos. Mercel pensou em realizar o enterro nas profundezas do Bosque das Folhas Amarelas, mas se deu conta de que qualquer morador curioso poderia encontrar o relevo de terra alterada enquanto percorresse as trilhas entre as árvores. Por isso optou por fazer isso na beira do bosque, mas num lado muito mais afastado das muralhas da cidade. Uma área comum, sem nada de especial, sem nada que pudesse chamar atenção de visitantes. 

Mercel e Roren cavaram uma cova com duas pás que pegaram emprestadas. A área escolhida possuía algumas árvores de tronco fino ao redor, o terreno era tortuoso e coberto de folhas e galhos. Quando terminaram de cavar, Borbon carregou o corpo em seus braços e, com todo o cuidado possível, desceu na cova e deitou o líder lentamente sobre o solo úmido. 

Enquanto os três cavaleiros realizavam o trabalho, Idarcio pediu gentilmente que Laurelia e os quatro jovens observassem tudo de longe para não terem que ver o corpo degolado. Ou, se fosse possível, nem mesmo observar a abertura da cova. Todos estavam muito quietos enquanto esperavam o trabalho ser finalizado. Idarcio permanecia sentado em um tronco com Filo em seu colo, ele cantava baixinho uma canção que parecia ter um ar de tristeza. Eurene cutucava a terra com sua espada, mexia num formigueiro e tentava arrumar qualquer coisa para se distrair, para controlar a vontade de virar a cabeça e ver como íam as coisas lá atrás. Devin estava escorado nos ombros de Laurelia, recebia um leve cafuné como se aquela fosse sua própria mãe. Já Talion e Adilan, apenas andavam para lá e para cá. 

Quando a cova foi enfim coberta, os companheiros puderam se aproximar e assumir seus lugares ao redor do amontoado de terra. Um longo silêncio pairou sobre todos, ninguém parecia saber quais palavras dizer em tal momento. Uns olhavam para a terra e outros para o céu, refletiam e pensavam, mas não diziam nada. Foi quando Idarcio ousou iniciar sua fala. 

— Eu acredito, que todos aqui se culpam por essa tragédia. — Alguns viraram suas cabeças para ele. — Todos, ou a maioria de nós, assumimos uma missão, a de acreditar na determinação desse homem. Se fosse me dado a capacidade, eu juro a vocês que forneceria minha magia para que ele voltasse a nós, para nos liderar com sua honestidade, com sua justiça e perseverança. Mas não posso. Não tenho o dom da ressurreição. — Por um breve momento, Idarcio franziu o cenho pois um pensamento inesperado surgiu em sua mente. — Na verdade, eu não tenho a certeza se o Adamor desejaria voltar para nós. 

Assim como ele previu, todos lhe lançaram olhares de incompreensão ao ouvirem as últimas palavras ditas. Ele continuou: 

— Sim, eu não tenho certeza se voltar era o que ele escolheria. Pelo o que eu sei, Adamor foi o responsável por treinar seus três companheiros de espada. Vi que dentre vocês três, Mercel é o mais astuto, Roren é o mais ágil e Borbon é o mais forte. São excelentes guerreiros por si mesmos, mas só aprenderam a lutar em equipe nos dias de hoje graças ao líder que tiveram. E esse ensinamento não vai ser desfeito agora por ele não estar mais entre vocês, creio eu.

Os homens escutaram em silêncio. Não concordaram e nem discordaram. 

— Pelos diálogos dos últimos dias — Idarcio continuou. —, eu tomei ciência de quão difícil era a vida de Laurelia e seus dois filhos naquele vilarejo repleto de pessoas repugnantes. Sei das angústias que passaram dentro daquela taverna. Mas eu também sei que, na noite mais desesperadora, um líder cavaleiro ofereceu ajuda para tirá-los de lá e os trazerem para ter uma vida melhor na Cidade de Asmabel. Talvez essa ainda não seja a vida que sonhavam ter, mas o passo mais difícil já foi dado, quando saíram de lá. 

Laurelia estava entre seus dois filhos e tinha a mão dos dois nas suas, as acariciava sutilmente. 

— Ver os próprios pais e tudo o que conhecia ser massacrado em uma única noite é algo que menina nenhuma devia suportar, por mais forte que ela seja. Mas se um dia ela terá a oportunidade de fazer justiça em nome de seus pais e de tudo que perdeu, então essa oportunidade pode vir devido à uma proposta feita em uma estalagem por um líder cavaleiro. Também há um menino sonhador, que deseja ser tão habilidoso e respeitado como Adamor era. Mas para chegar lá, um passo importante será recitar o juramento pertencente aos cavaleiros. E, eu acho que esse juramento já foi lhe ensinado lá na estalagem numa manhã comum. Eu acredito fielmente que esse menino não se esqueceu das palavras ensinadas. Não é? 

Devin balançou a cabeça em sinal de negação enquanto estava escorado à sua irmã. Houve mais um silêncio, e agora todos refletiam no que o andor havia falado a respeito de cada um, a respeito do que Adamor havia feito por eles, mesmo que em tão pouco tempo de convívio. 

— Pode ser estupidez de minha parte acreditar que o Adamor não desejasse retornar, já que ele tinha uma missão a cumprir, uma missão que ele estava disposto a sacrificar sua vida para que ela se concretizasse. Mas eu vos pergunto, não foi isso o que aconteceu? Ele sabia dos riscos, e aceitou a tarefa sem contestar. Por isso, meus amigos, eu acredito que nós não devemos nos indignar se por acaso deixamos de tentar impedí-lo ou de fazê-lo mudar de ideia. Ele fez o que estava disposto a fazer. Sim, nós não temos mais sua liderança, mas isso não significa que a jornada acabou. Pelo contrário, eu acredito que isso deve servir como ânimo para nós, para nos fazer seguir em frente até concluímos a missão, até fazermos com que sua morte não tenha sido em vão. É por tudo isso que eu acredito que ele escolheria descansar, porque ele já nos deu o que precisamos para seguir em frente. Esse é um último juramento que devemos fazer à ele, mesmo que não esteja mais aqui.

As palavras ditas adentraram profundamente na mente dos que estavam presentes. O silêncio que pairou no local foi capaz de fazer com que o barulho das árvores fosse ouvido claramente, até o movimento das folhas secas no solo pelo vento era discernível no ambiente. Assim eles permaneceram por um longo tempo ao redor da cova, até que Roren pigarreou e quebrou o silêncio dizendo que eles precisavam devolver as pás e a carroça. Mercel afirmou que ficaria por ali mais algum tempo, ele voltaria para a cidade andando. Laurelia chamou seus filhos para voltarem consigo mas Talion disse que gostaria de pensar um pouco por ali. Idarcio também partiu para ir embora levando Filo, Devin e Eurene consigo. 

No entanto, quando estava caminhando ao lado do andor, Eurene viu que Talion ficara sozinho sentado em um tronco. O rapaz estava visivelmente abatido, cabisbaixo e reflexivo. Ela não podia negar que em seu interior havia uma centelha de vontade de ir conversar, nem que fosse para xingar e lamentar o tamanho da besteira que eles fizeram em aceitar o desafio. Ela pensou e pensou se deveria ir até lá, mesmo que não tivesse nenhum motivo para tal. Seguir caminhando de volta para a estalagem era, sem dúvidas a ação com menos chances de ela se arrepender. 

Mas que graça teria isso?



A Pretensão dos CavaleirosOnde histórias criam vida. Descubra agora