Capítulo V - Duelo

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   O príncipe também tinha perdido sua montaria durante o combate, empalada por meia dúzia de lanças élficas, mas ainda combatia como o próprio Tsaba'oh e eram poucos os elfos que ousavam chegar próximos a ele. Mas Aengor não estava entra aqueles que queriam se afastar, pelo contrário. Por isso, quando já estava a uma distância próxima o suficiente para que o homem ouvisse sua voz dentre os sons e ruídos da multidão e pudesse ver aquele que o desafiava o general élfico bradou:

— Venha e me enfrente Argon! Venha e me enfrente seu cachorrinho, ou tem medo de cruzar espadas com um verdadeiro guerreiro?! – disse Aengor enquanto embainhava sua espada curta e puxava a espada longa, o nome do príncipe era uns dos poucos nomes humanos que Aengor havia decorado. Não somente por ele ser o filho do rei inimigo, mas porque durante toda a guerra o príncipe realizou feitos notórios e até mesmo os elfos, seres que desprezam todas as outras criaturas reconheciam e temiam seu valor em combate.

    O jovem guerreiro fixou os olhos na figura que o insultava e desafiava e reconheceu Aengor imediatamente. E tendo o mesmo pensamento que o elfo sobre o efeito que derrotar um líder inimigo teria sobre suas tropas, começou a abrir espaço entre os inimigos para combater seu desafiante. Quando homens e elfos notaram que seus campeões estavam por duelar, abriram espaço formando um pequeno círculo de espadas em meio ao caos do combate. Os elfos o fizeram pois, arrogantes como eram tinham plena convicção da vitória de seu general e da consequente fuga das tropas inimigas; os homens por saber que Aengor herdara também o temperamento marcial do pai, que jamais permitiu que nenhum outro que não ele próprio lutasse naqueles duelos – o que lhe rendera o apelido de rei-guerreiro, pois dentre todos os reinos humanos era o único a não ter um campeão pessoal, pois ele próprio combatia; também o fizeram por sua total confiança na habilidade do príncipe.

    Aengor, confiante como era, lançou-se sobre Argon, mas a seis passos do inimigo escorregou no sangue que cobria o campo de batalha e, de repente era Argon quem atacava e naquela manhã escarlate os elfos puderam ver como o príncipe se transfigurava ao combater. Como se tivesse sido tocado pelo próprio deus da guerra, sua energia fluía numa só direção a morte enquanto ele lançava sobre Aengor golpes rápidos e pesados que faziam o elfo recuar e recuar. As espadas ressoavam com estrondo. O príncipe cuspia no elfo, amaldiçoando-o, insultando-o, não parando de golpear com o gume da espada e nunca dando a Aengor uma oportunidade de se recuperar de um ataque.

    Normalmente, diante de uma situação daquelas os soldados élficos interviriam e usariam uma lança ou espada para ferir o campeão inimigo que combatia no círculo de espadas tão próximo a eles, mas estavam tão atônitos ao ver aquela cena que pensavam ser impossível acontecer, que não podiam fazer nada mais que tentar acompanhar os movimentos do combate com seus olhares perplexos.

    Aengor lutava com valentia. Nenhum outro guerreiro conseguiria aguentar aquele ataque aberto e mortífero. Seus pés blindados escorregavam no sangue que encharcava a planície e mais uma vez teve de se defender dos ataques do príncipe de joelhos, mas sempre conseguia se levantar, ainda que estivesse sendo empurrado. O elfo também era um guerreiro habilidoso e por mais que Argon atacasse mesmo assim, não conseguia quebrar aquela guarda persistente. O príncipe avançou mais uma vez para um novo golpe, porém dessa vez a situação se inverteu e foi ele quem escorregou no sangue, e apesar de se recuperar de imediato, aquele momento de hesitação, era tudo que Aengor precisava, desferindo uma estocada com a velocidade de uma águia mergulhando no ar para capturar sua presa.

    Argon desviou, mas não o suficiente e a lâmina do elfo encontrou uma brecha por debaixo de seu escudo e, rompendo a proteção da armadura, fez brotar da cintura do príncipe o primeiro sangue daquele combate. Agora era Aengor quem atacava, e o elfo o fazia com habilidade e fúria mortais. Argon desviou-se mais uma vez, depois bloqueou outro golpe com o escudo e dessa vez recuou perante as estocadas firmes e rápidas que perfurariam o coração de um tauri. Agora os elfos gritavam, apoiando seu general enquanto Aengor sorria e farejava a vitória. O elfo atirou-se sobre Argon usando seu grande escudo de forma triangular para derrubá-lo ao chão, mas o homem esperava por aquele golpe e deu um passo para o lado e impeliu sua espada contra o pescoço do inimigo para decepar sua cabeça. O golpe não teve a eficácia pretendida, mas a ponta da lâmina do príncipe atingiu e fendeu a nuca de Aengor. A ferida, como todas as feridas na cabeça, sangrava copiosamente e o sangue encharcava os longos cabelos do elfo e corria para o resto do corpo fluindo do pescoço. Os elfos calaram-se novamente.

    Argon saltou sobre o inimigo novamente, voltando a atacar, e mais uma vez, Aengor se colocou na defensiva. Ambos estavam ofegantes, sangrando e cansados. Argon desferia golpes para a direita e para a esquerda e, incrivelmente seus golpes tinham a mesma velocidade de quando o combate havia se iniciado. Eram tão rápidos que o elfo nada mais podia fazer que bloquear com o escudo, que a cada vez ficava mais destroçado. O príncipe conseguiu vencer a defesa de Aengor uma vez, fazendo com que o elfo movesse seu escudo a direita para defender um golpe e retraindo a espada para ataca-lo à esquerda. Mas a resistente armadura élfica protegeu seu portador e a lâmina do príncipe fez pouco mais que aguilhoar o corpo de Aengor.

    Aengor empurrou a espada do inimigo com a sua e novamente tentou atirar o príncipe ao chão usando o escudo e o peso de seu corpo. Dessa vez conseguiu e ambos caíram. Por um segundo pareceu aos elfos que seu general apanhara Argon, mas de alguma maneira o jovem guerreiro conseguiu rolar e pôr-se em pé novamente.

    Argon esperou que o inimigo se levantasse. Aengor respirava com grande dificuldade. Entreolharam-se durante alguns segundos, avaliando suas chances. Depois Argon avançou, atacando de novo. Golpeava e voltava a golpear, tal como fizera antes, e Aengor continuava a bloquear os golpes com sua espada ou seu escudo. Foi quando Argon escorregou.

    O príncipe gritou enquanto caia e Aengor, entendendo como um grito de medo, gritou seu triunfo enquanto levava o braço da espada para trás a fim de preparar o próximo golpe. Nesse momento o elfo, acostumado a aplicar ardis percebeu que ele próprio havia caído em um. O príncipe tinha apenas fingido, para que o inimigo abrisse a guarda. E, então, foi Argon que deu a estocada. Foi a primeira estocada que o príncipe deu em todo o combate, e também a última. Num último esforço desesperado Aengor tentou posicionar o escudo na trajetória da lâmina, mas foi em vão. Os elfos observaram, chocados, a ponta brilhante da espada de Argon surgir das costas molhadas de sangue de Aengor. A estocada do príncipe atravessou o escudo, que se partiu com o golpe, e trespassou o corpo do elfo. Aengor ficou congelado por um instante, e de repente, o braço da espada ficou frouxo, sem força. Depois a arma caiu da mão inerte.

    Argon deixou sua espada na barriga de Aengor durante o tempo de um inspirar. Depois, torceu a lâmina e arrancou-a. Ele gritava enquanto arrancava o aço do corpo de Aengor, gritava enquanto a lâmina vencia a proteção da armadura e a sucção da carne abaixo dela e dilacerava as entranhas, os músculos, a carne e a pele, e ainda gritava enquanto puxava a espada novamente para a luz do dia. Ao finalmente sair do corpo do elfo a arma espalhou sangue para todos os lados.

    Aengor, com a descrença estampada no rosto e as entranhas espalhando-se pelo chão, tombou, sem forças para dizer sequer uma palavra.

    Depois, a lâmina de Argon desceu mais uma vez. Enterrando-se no pescoço do elfo. O príncipe pegou a cabeça decepada junto ao solo e a ergueu para que todos a contemplassem. Virou-a em direção ao próprio rosto e cuspiu na face do inimigo derrotado.

— Matem-nos! – bradou Argon enquanto arremessava a cabeça do inimigo contra seus soldados. 

Crônicas de Eretz: Queda de Reis (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora