Capítulo IX - Novas de Infortúnio

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— Malcon, membro dos templários de Tsaba'oh. Conte-nos o que aconteceu em Staldfold. – Ordenou o rei.

— Ai de mim, meu senhor, pois tenho de ser portador de más notícias e anunciar ao meu rei e meu povo as desgraças que se passaram. Por falhar em meu dever e por trazer novas de infortúnio, sou duas vezes maldito.

    Thurgon sentiu grande pesar com as palavras que ouviu e seu espirito compadeceu-se dentro dele. Sabia que ele próprio sofreria com o que estava para ouvir, mas apiedou-se daqueles que sofriam diante de si. Falou palavras brandas a Malcon e a todos os outros homens que estavam junto a ele, que sequer ousavam erguer as cabeças para encarar os olhos do rei.

— O mensageiro não tem parte na mensagem. Seu dever é apenas entrega-la e se ela é boa ou má, isso não pode ser imputado em sua conta.

— Pode até ser, meu senhor, mas ainda assim é por minha boca que ouvirá coisas terríveis e gostaria de que fosse de outra forma. Mas a vergonha e responsabilidade do fracasso, essas de modo algum podem ser retiradas de qualquer um de nós, que agora nos apresentamos a ti. Pois Vinnfold caiu, foi arrasada até aos fundamentos e todos seus habitantes foram massacrados.

    Um silêncio se abateu sobre o porto. As pessoas meditaram algum tempo, medindo a proporção da destruição ocorrida em Staldfold, lembrando-se da bela cidade, com suas ruas e casas, comércios e praças. Depois pensando em quantas vidas foram ceifadas em sua ruína. As mulheres foram as primeiras a romper o silêncio. Soltavam gritos de pranto que se assemelhavam a uivos e choravam desvairadamente enquanto se retiravam do local conduzindo seus filhos para que observassem o luto à sua maneira. Alguns homens também gritaram de angústia e dor, enquanto outros permitiram apenas que seus olhos falassem por si enquanto deixavam as lágrimas silenciosas escorrerem por suas faces.

    Thurgon guardou o silêncio por mais tempo que a multidão. Conteve as lágrimas e deixou que o alvoroço que se formou se dissipasse enquanto, de olhos fechados, inspirava profundamente.

— Triste são as novas que nos trazem – por fim o rei quebrou o silêncio – mas preciso saber como se deram essas coisas.

— Meu rei, os elfos atacaram com quatro mil guerreiros. Nossas forças contavam cinco mil homens, somando as tropas que vossa alteza enviou e a guarnição da cidade. A batalha aconteceu na planície. As forças élficas foram separadas em duas alas. Suas fileiras não eram compridas, mas tinham grande profundidade ao passo que nossa formação era menos profunda, mas possuía uma largura grande o bastante para abraçar a parede de escudos inimiga e flanquear os elfos. Foi um combate encarniçado. Na direita os elfos se precipitaram ao atacar e caímos sobre eles dominando o combate, mas na direita eles enfrentavam muitos guerreiros jovens e lá, eles romperam nossa parede de escudos. Nossa ordem atacou pela direita, desbaratando as forças inimigas e vencemos o combate travado ali. Então avançamos contra os elfos na esquerda, seguidos pelas tropas de infantaria. Chegamos lá pouco tempo depois da nossa parede de escudos se romper e levamos a morte contra os malditos elfos.

— Mas algum imprevisto aconteceu... algo que mudou totalmente o curso da batalha. Diga-me o que foi. – Thurgon interrompeu o relato.

— Nós, da cavalaria fomos os primeiros a alcançar o inimigo. Éramos poucos, o mesmo número que de sobreviventes que está aqui agora, e nos lançamos contra um inimigo muito mais numeroso. Imagino que por isso, os elfos decidiram se virar e nos enfrentar. Lutamos. Matamos, morremos e aguentamos até nossa infantaria chegar. Quando os reforços chegaram, começamos a trucidar os elfos e eles começaram a fugir por suas vidas. Parecia que tínhamos conquistado a vitória. Foi quando o príncipe dos elfos chegou. Ele e suas tropas surgiram inesperadamente e atacaram nossa retaguarda, fomos derrotados. Muitos dos elfos que fugiam viram o que acontecia e se voltaram para lutar novamente. Nosso exército se desmanchou. Alguns correram pela planície na direção oposta a cidade, foram perseguidos e mortos. Outros fugiram em direção a cidade, tenho certeza que morreram antes de chegar lá ou talvez, tenham caído junto a cidade. Nós nos escondemos entre os corpos dos mortos e creio que só sobrevivemos por isso.

— Triste foi o fim da batalha e amargo foi o destino de meus valorosos guerreiros e de meu querido povo. Mas ainda mais amargo será para mim, como pai, o que está por vir. Malcon, você foi sábio em seu relato. Como rei tinha de saber dessas coisas primeiro. Mas agora diga o que omitiu até aqui. É hora do meu pesar. Diga-me o que aconteceu com meu filho. – Thurgon estava visivelmente emocionado, seus olhos marejados de lágrimas e a voz tinha se alterado.

— Ai de mim senhor. Terei de ser arauto de outra desgraça ainda. Miserável sou por levar ao pai a notícia da morte do filho e maldito sou por não conseguir fazer nada para salvar meu príncipe, meu irmão de armas e amigo. Queria eu ter morrido em lugar de Argon...

— Conte como meu primogênito e herdeiro morreu. – Ordenou o rei.

— Meu rei, Argon definiu todas as nossas estratégias de batalha e as executou de maneira impecável. E quando chegou a hora da cavalaria se juntar ao combate o príncipe lutou como se fosse Tsaba'oh encarnado. Sempre a frente, lutou com força, velocidade e habilidades inigualáveis e nós perdemos a conta depois que abateu o quinquagésimo elfo. Perdeu a montaria durante a luta, e quando isso aconteceu pareceu lutar com ainda mais ferocidade, abrindo um caminho de sangue entre os inimigos. Cruzou espadas contra Aengor, um monstro, mas mesmo ele não foi páreo para Argon o magnífico e por fim teve sua cabeça separada de seus ombros. O príncipe então nos conduziu contra as forças de Aeldred, que liderava a ala esquerda dos elfos. Recebeu muitas feridas ao longo do combate, mas nenhuma delas foi capaz de o parar, nem mesmo uma cruel ferida nas costelas provocada por uma lança que conseguiu romper a armadura. Também cruzou espadas com o segundo general e nossos olhos viram o príncipe ferido e cansado vencer outro dos maiores campeões dos elfos. Ele estava prestes a desferir o golpe final quando foi morto por Érebo. Foi um golpe covarde, meu senhor. Estávamos longe do príncipe e Érebo chegou ao campo de batalha sem ser percebido e atacou Argon por trás. Conjurou um feitiço arcano e disparou um raio mortal contra o príncipe. Depois que os elfos se retiraram do campo de batalha nós encontramos seu corpo e o enterramos juntamente com suas armas.

— Triste fim teve meu primogênito amado. Morto por um golpe traiçoeiro no momento em que estava prestes a alcançar a vitória.Quantos amargores a vida ainda me reserva? – falou o rei e agora as lágrimas escorriam de seus olhos como cachoeiras – mas não se culpe Malcon. Sei do seu valor e de tua amizade com Argon, de como o ajudou nesses tempos de guerra quando ele foi elevado a condição de grão-mestre interino da ordem. Não imputo a culpa da morte de meu filho nem a você e nem a nenhum de vós – Thurgon ergueu o olhar para os outros sobreviventes – também agradeço por terem o enterrado. Fizeram o possível. Agora quero que descansem pois logo combateremos novamente. Descansem para que estejam prontos a cobrar dos elfos a vingança.

— E vocês – Thurgon ergueu a voz e se virou para a multidão – todos temos inúmeros motivos para o pranto e o luto, mas não podemos parar para observar os costumes agora. Voltem a seus afazeres e observem o luto e o silêncio enquanto trabalham no porto e carregam os navios.

    Thurgon se retirou a passos vagarosos. A multidão, em silêncio, abria caminho para o rei que era seguido por Nestor e Plínio, que tinha chegado em tempo de ouvir o que acontecera ao príncipe, o ancião se adiantou e falou em voz baixa aos ouvidos do rei:

— Meus pêsames por Argon, meu senhor. O príncipe nos era muito querido. Sei que em um momento como esse, vossa alteza desejará ficar a sós. Cuidarei para que ninguém o incomode no templo. Caso queira algo ou precise de mim, não hesite em chamar.

— Obrigado pela compaixão e sensibilidade velho amigo. Faça como disse. Eu agradeço.

    Plínio parou e deixou o rei seguir em frente. Nestor apressava-se em seguir seu rei quando o ancião o agarrou pelo braço.

— Deixe-o ir. Nesse momento a solitude será melhor companhia que nós.

— Mas meu dever é seguir e proteger o rei. Eu nem sei para onde ele está indo.

— Fique tranquilo. Thurgon está indo para o templo de Tsaba'oh, onde mais acha que ele iria? Não será afastado do seu dever, capitão da guarda. Chame seus homens e montem vigia em volta do templo. Não deixem que ninguém entre para perturbar o luto do rei, nem mesmo você Nestor. Nesse momento, a única proteção da qual Thurgon precisa está além do alcance de sua espada ou suas palavras. Somente os deuses podem consolar um pai pela morte de seu filho. Acredite, tenho alguma experiência nisso.

    Nestor meditou por alguns segundos nas palavras do ancião. Julgou haver sabedoria nelas e assentiu. Retirou-se para se encontrar com os demais membros da guarda real.

Crônicas de Eretz: Queda de Reis (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora