Capítulo XVII - Destino Nefasto

14 4 6
                                    

    Enquanto o rei dos homens e os guerreiros das primeiras fileiras perseguiam e passavam os inimigos a fio de espada, suas tropas mais recuadas eram duramente pressionadas por seus inimigos. Nestor e Malcon lideravam resistências heroicas, mas não conseguiam repelir o inimigo cujos números aumentavam cada vez mais a medida que aqueles que haviam batido em retirada se voltavam para combater, ao passo que as forças dos homens sofriam mais e mais baixas.

    Malcon segurava firme o escudo contra dois elfos que o pressionavam ao mesmo tempo na tentativa de derrubar o templário. Conseguiu impelir a espada por baixo do escudo de um dos adversários. A lâmina penetrou a armadura e mordeu a carne, fazendo o elfo recuar, nesse momento o homem a direita do templário empurrou o elfo com seu escudo, fazendo o inimigo se desequilibrar e cair. No mesmo instante a espada de Malcon desceu encontrando a nuca do oponente, que não se levantou mais. O outro elfo se valeu da oportunidade e atacou, tentando decepar o braço do homem que retraiu o membro ao mesmo tempo que o girava para a direita a fim de se desviar do golpe. A ponta da lâmina rasgou a manga da cota de malha e causou um corte no antebraço, quase na altura da articulação do cotovelo.

    Vociferando de dor e fúria o homem trouxe o braço da espada para junto do corpo e num impulso rápido impeliu a arma contra o queixo de seu agressor. A lâmina penetrou na carne macia, destruiu a mandíbula, cortou a língua e despedaçou os ossos nasais. Sangue e dentes espiraram enquanto o elfo expirava. Malcon fez força para desenterrar a espada do corpo do inimigo enquanto gritava a seus aliados:

— Firmes homens! Por Argon, por Thurgon, por Mannheim!

    Malcon mal havia pronunciado suas palavras quando o guerreiro a sua direita foi atingido na face por uma chama negra. O homem foi ao chão enquanto largava a espada e levava as mãos ao rosto, seus gritos de agonia preenchiam o céu. A bruxa que lançou o feitiço não viveu muito mais depois daquilo. Um guerreiro das fileiras de trás atirou uma lança que voou até se cravar em seu abdome exposto pelas estranhas vestes que trajava. A lança penetrou o tronco e se cravou ao solo e o sangue escorria da pele branca da elfa e corria pela haste da lança enquanto ela dava seus últimos suspiros e lançava maldições contra os inimigos. O homem a direita de Malcon já estava morto no instante em que a lança acertou a bruxa. A pele e a carne de seu rosto haviam sido extremamente corroídas, chegando até ao osso.

    O templário recebeu outro golpe em seu escudo enquanto tentava empurrar o oponente. A madeira de tília estalou sob o impacto. O elfo que desferiu o golpe foi atacado pelo guerreiro ao lado de Malcon, que estocou com sua lâmina na região onde o ombro se une ao peito. O elfo gritou e cuspiu sangue enquanto tombava; logo foi pisoteado pelos companheiros que vinham atrás de si, ansiosos para tomar o lugar daqueles que tombavam. Um elfo tentou cravar a lâmina da espada na coxa do templário, mas o homem moveu a perna ao mesmo tempo que estocava com a espada. O elfo caiu levando as mãos a garganta, que tinha sido aberta. Mas seu último golpe não fora de todo em vão, pois apesar de mover a perna Malcon não pôde se esquivar completamente do golpe e a lâmina élfica passou de raspão em sua coxa, rasgando o couro da calça e cortando a carne por baixo da veste.

    O elfo que assumiu o lugar do companheiro morto arremeteu contra o homem cheio de fúria, e num golpe brutal, sua espada partiu metade do escudo de Malcon. Por conta da pressão dos inimigos, o homem segurava o escudo bem próximo ao rosto e a ponta da lâmina inimiga atingiu seu olho esquerdo. O templário gritou de dor, mas não cedeu. Contra-atacou com uma estocada baixa, que foi aparada pelo escudo do oponente, mas logo em seguida o elfo caiu sob a lâmina do homem à esquerda de Malcon, que aproveitou a brecha para enterrar sua espada no peito do inimigo. Mais e mais elfos chegavam para pressionar o flanco direito e Malcon mal teve tempo de dar dois passos para trás quando uma lâmina foi enterrada em sua barriga. O templário caiu e sobre ele continuou o intenso combate.

    Na retaguarda da formação humana, Nestor segurava como podia as forças inimigas. As bruxas causavam severas baixas e apesar do capitão ordenar que todas as lanças arremessadas fossem contra elas, para cada bruxa que caía, três homens ou mais pereciam. O capitão aparou uma estocada com a borda do escudo e contra-atacou o inimigo com sua espada. Uma lâmina que descia contra sua cabeça foi aparada pelo escudo do homem a sua direita. A haste de uma lança surgiu dentre a multidão dos inimigos, passando a centímetros do peito do capitão e cravando-se na virilha do homem que estava atrás. Nestor desferiu uma estocada contra o elfo à sua frente. A lâmina rompeu o escudo, atravessou a couraça e se cravou na carne sob a cota de malha. Quando o elfo caiu, o capitão da guarda sentiu um arrepio na espinha. Érebo havia entrado em seu campo de visão.

    Do príncipe dos elfos irradiava uma aura sinistra. Sua pele, alva como a neve, estava salpicada com o sangue de suas vítimas; a armadura outrora negra havia assumido uma tonalidade carmesim; a espada, na mão direita, movia-se como se tivesse vida própria e de sua mão esquerda emanavam chamas negras conjuradas por feitiços cruéis. O elfo fixou o olhar no capitão da guarda, esboçou um sorriso sádico e caminhou a passos tranquilos em direção ao homem. Uma lança foi atirada contra o príncipe, que de maneira despreocupada usou a espada para se desviar.

— Érebo, venha me enfrentar. Vamos descobrir se o príncipe dos elfos faz jus à fama que tem.

    O elfo não respondeu, apenas continuou andando em direção ao capitão. Ergueu a mão esquerda enquanto recitava palavras em uma língua arcaica. Um redemoinho de chamas negras se formou na mão do elfo, que apontou o dedo indicador na direção dos guerreiros humanos. As chamas seguiram o caminho ordenado por seu conjurador e voaram até atingir o alvo, queimando e consumindo até mesmo elfos, que por tolice ou inabilidade não puderam se desviar da trajetória das chamas. Ao atingir os homens, as chamas crepitaram e causaram uma forte explosão, lançando membros e vísceras pelos ares.

    Os guerreiros que não morreram instantaneamente com a explosão, tiveram muitas partes de seus corpos queimadas. Homens gritavam e choravam como crianças devido a dor causada pela fusão de sua carne queimada com o couro e o ferro com que se vestiam para a guerra. A formação humana tinha desmoronado. Aqueles que não estavam mortos ou feridos demais fugiam desesperadamente. Nestor também fora atingido pelas chamas. O escudo tinha sido inteiramente consumido e o braço esquerdo, que o segurava, estava em carne viva. O valente capitão da guarda se obrigou a caminhar em direção àquele terrível adversário. Extravasava a dor que sentia gritando insultos ao príncipe dos elfos.

— Todos que puderem, fujam! Salvem suas vidas, vão ao encontro do rei e se juntem às suas tropas! – O capitão virou-se rapidamente em direção a seus aliados e deu-lhes uma última ordem.

— Renda-se e talvez eu permita que se torne meu escravo pessoal. – Falou Érebo, sem deixar de lado o sorriso zombeteiro.

— Vá para o inferno, cria das trevas. – Nestor cuspiu e avançou contra o inimigo.

    As espadas se cruzaram e Érebo se surpreendeu com a força do golpe do homem. Deu um passo para trás enquanto girava o pulso e trazia a espada na horizontal para atacar da direita para a esquerda. O homem se abaixou para escapar da trajetória da lâmina e tentou estocar o pé direito do inimigo. Mas o elfo foi rápido e saltou para trás esquivando-se do golpe.

    O elfo avançou novamente. Impeliu a espada na intenção de estocar o peito do adversário, mas Nestor fintou o golpe. Girou os calcanhares e estocou na região das costelas do inimigo, mas seu golpe não obteve efeito. A ponta de sua lâmina, já desgastada e fragilizada pelo intenso combate, se quebrou ao se chocar contra a resistente armadura élfica. Érebo teve a satisfação de observar a expressão de fúria e incredulidade do homem antes de girar Thanatos, sua espada, para cortar a garganta do inimigo. Dessa forma Nestor, um dos maiores heróis de Mannheim, encontrou seu destino nas mãos do príncipe dos elfos.

Crônicas de Eretz: Queda de Reis (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora