Capítulo XVI - A Neblina que Pressagia desgraças

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    No combate que se seguiu o próprio Gilgalion ficou face a face contra Nestor. O elfo estocou com a espada, mas o golpe foi contido pelos escudos sobrepostos do capitão e do templário e em seguida Nestor contra-atacou com sua lâmina, que passou por baixo do escudo do elfo e penetrou a armadura e cota de malha e chegando até a carne. Não foi uma ferida profunda, mas tomados pelo medo, os elfos retiraram o general dali e recuaram.

    Na outra frente de combate a batalha ainda seguia intensa e nenhum dos lados se permitia rechaçar, pois apesar de Elendor ceder uma parte das tropas a Gilgalion para que o general fizesse seu ataque surpresa, ele havia permanecido com os melhores guerreiros do exército élfico. Mas agora, vendo que o ataque de Gilgalion não apresentou o resultado esperado, de romper o flanco inimigo, o ânimo dos elfos tinha se abatido, ao passo que os homens que já estavam inflamados para destruir seus inimigos se sentiam ainda mais encorajados.

    Thurgon ainda combatia na linha de frente e o cansaço parecia não o atingir. O rei dos homens brandia sua espada incessantemente, estocando e cortando qualquer um que ousasse se opor a ele na parede de escudos. Impeliu a espada contra um elfo que se postava a sua frente com um grande escudo de ferro e a lâmina de Caledfwlch, sua poderosa espada, atravessou o escudo, a armadura, rompeu a carne, dilacerou os músculos e se cravou no coração maligno do elfo, que no mesmo instante parou de bater. Enquanto o rei desenterrava sua espada do corpo do inimigo, Lonmhart um capitão dos elfos, tentou aproveitar a oportunidade para atacar o rei e adquirir a glória de matar o grande Thurgon. Estocou visando atingir a garganta do inimigo, mas o golpe parou no escudo do homem ao lado do rei.

    Caledfwlch mal foi sacada do cadáver do elfo quando fez uma nova vítima. Num movimento veloz, Thurgon trouxe a espada em um golpe horizontal da direita para a esquerda e a lâmina atingiu o maxilar de Lonmhart, destruindo o elmo e decepando a metade de sua face no processo. Thurgon gritava incessantemente enquanto atacava e sua voz ribombava como um trovão. O rei era uma figura carmesim, coberto com o sangue de seus inimigos e aqueles que o viam julgavam que o próprio Tsaba'oh tinha descido para combater entre os homens.

    A espada cintilante, Caledfwlch, não tinha perdido o brilho apesar de estar inteiramente encharcada em sangue, mas assumiu um brilho como o de uma labareda viva que consumia todo adversário que surgia no caminho de Thurgon. O rei impeliu a espada para cima, acertando a carne macia sob o queixo do elfo à sua frente. O elfo gorgolejou enquanto o sangue borbulhava em sua boca. O rei continuava avançando, golpeando como uma fera. Atacava a linha inimiga com tanta fúria e habilidade que fazia aquilo parecer fácil. Os sons que saiam da boca de Thurgon não eram gritos, mas trovões. E sob os trovões do rei guerreiro os homens de Mannheim avançaram e avançaram com ferocidade, como se o poder que imbuía Thurgon tivesse, de alguma maneira, começado a afetá-los também. Dessa forma os homens romperam a parede de escudos inimiga. Thurgon havia atravessado a parede de escudos de Elendor.

    A parede rompida começou a se desmoronar quando os elfos que, vendo o centro de sua formação ser atravessado, começaram a se espalhar. Quando Elendor, que lutava na ala esquerda da formação élfica, notou o que acontecia começou a bradar ordens e ameaças para que seus guerreiros ficassem firmes e não abandonassem a formação, mas suas palavras se perdiam sob os sons do combate e os gritos desesperados dos que batiam em retirada.

— Senhor, temos de recuar. Agora que o centro se quebrou nossos inimigos se voltarão contra nós e nos envolverão. – Falou Galahir, que havia se aproximado novamente do rei no decorrer da batalha.

— Recuar diante dos homens? Está louco? Aqui onde estamos eles não avançaram um metro sequer e estamos vencendo de modo incontestável. Acha que esses vermes nos subjugarão? – Respondeu Elendor com o peito ardendo em ira e sobrolho carregado.

— Meu rei, é verdade que aqui na esquerda estamos vencendo. Mas veja, nosso centro se rompeu, o ataque do general Gilgalion não obteve resultados – Galahir fez uma pausa em sua fala enquanto bloqueava um golpe e estocava a garganta do inimigo – Não digo que devemos fugir. Apenas nos reagrupar.

    Uma lança foi atirada e se cravou na face do elfo ao lado esquerdo de Elendor, que se virou assustado com a proximidade que a arma passou de si mesmo. O rei olhou a situação em derredor e, a contragosto, elevou a voz em uma ordem a seus soldados:

— Recuar! Recuar! Vamos reagrupar nossas tropas!

    No momento em que Elendor dava suas ordens algo aconteceu na retaguarda das forças dos homens. Sob uma espécie de neblina, repulsiva e inquietante, novos combatentes corriam para se juntar à batalha. Apenas a magia envolvida naquela nevoa servia como alerta aos homens que uma nova desgraça se abateria sobre eles. Era Érebo que havia chegado para se juntar ao combate.

    O príncipe dos elfos veio do sul do campo de batalha liderando um milhar de guerreiros sedentos por sangue. Caíram sobre a retaguarda das forças dos homens e começaram um massacre. Percebendo a situação, Nestor dirigiu suas palavras a Malcon:

— Irmão, fique aqui e lidere a ala direita. Eu vou ir para a retaguarda de nossas forças para liderar a resistência contra esse novo inimigo.

— Dê a liderança a outro homem e deixe-me ir com você. Aquele que se juntou ao combate é o assassino de Argon e meu coração me incita a buscar vingança por meu príncipe e amigo. – Respondeu o templário cheio de desejo pela batalha.

— Eu entendo seu desejo, mas não posso permitir isso. Quando souberem que Érebo se juntou a batalha, os elfos liderados por Gilgalion logo retornarão ao combate. Preciso de um homem capaz para lhes fazer frente e segurar nossa formação. Deixe comigo a vingança por Argon.

    Malcon assentiu concordando com o argumento, ainda que em seu espirito estivesse desejoso de enfrentar o príncipe dos elfos. Viu o capitão da guarda real se afastar e se dirigir à retaguarda da formação humana para fazer frente àquele novo e terrível inimigo.

    Os elfos liderados por Érebo atacaram com selvageria, estocando e cortando como loucos o inimigo que, pego de surpresa, morria aos montes. O príncipe não levava escudo e usava o braço esquerdo, livre, para conjurar e disparar feitiços contra os homens. Suas magias eram acompanhadas pelos feitiços das elfas bruxas que acompanhavam o exército. Sedento por ceifar a vida de seus inimigos, Aeldred brandia a espada com a mão mutilada. Se lançou contra um inimigo que mal teve tempo de se virar para ver quem o atacava e enterrou a espada no tórax do homem, que morreu com uma expressão de surpresa no rosto. Da mesma forma os demais elfos atacavam e muitos homens pereceram e outros tantos fugiam desesperados na tentativa de salvar suas vidas. Quando Nestor chegou, reagrupou os guerreiros sob suas ordens e formou uma pequena parede de escudos na esperança de conter o inimigo.

    Quando os elfos de Gilgalion perceberam que seus reforços tinham chegado, sentiram um novo ânimo e o desejo de combater novamente cresceu em seu peito. O próprio Gilgalion, que havia sido levado para longe do combate por seus subordinados, ordenou que apenas trinta guerreiros ficassem junto de si e que os demais voltassem para atacar o flanco direito. Desapercebidos do que acontecia na retaguarda e no flanco direito de suas forças, Thurgon e os guerreiros das primeiras fileiras perseguiam as forças de Elendor, que também não haviam notado a chegada do príncipe e bateram em retirada.

    Enquanto o rei dos homens e os guerreiros das primeiras fileiras perseguiam e passavam os inimigos a fio de espada, suas tropas mais recuadas eram duramente pressionadas por seus inimigos. Nestor e Malcon lideravam resistências heroicas, mas não conseguiam repelir o inimigo cujos números aumentavam cada vez mais a medida que aqueles que haviam batido em retirada se voltavam para combater, ao passo que as forças dos homens sofriam mais e mais baixas.

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