Capítulo XXIII - Promessas de Pai e Filho

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    Thurgon permaneceu por mais algum tempo nas casas de cura, falando com seus homens e instruindo-os quanto ao que deviam fazer. Chegando aos momentos finais de sua estadia nas casas de cura, o rei se dirigiu ao fundo do salão lá, sentado em um local mais afastado, estava Malcon, um dos homens mais feridos entre aqueles que ali estavam.

— Salve templário de Dvalin. Como estão seus ferimentos? Notei que foi um dos poucos a se assentarem pouco tempo depois de se pronunciarem. Imagino que as dores ainda sejam um grande incômodo.

— Meu senhor – Respondeu Malcon, enquanto fazia uma breve revência sem se levantar de seu lugar – Agradeço pela preocupação. Sim, as dores ainda são muitas. Mas creio que sobreviverei por mais algum tempo, o pior já passou.

— Naquele momento, não precisava ter se levantado...

— E seria o único a me manter sentado em uma ocasião tão solene? Não, certas coisas merecem o esforço. Assim como a batalha que está por vir, me esforçarei para tombar com honra, junto a meus irmãos.

— Quanto a isso, tenho outros planos para você – Malcon olhou para o rei sem entender o significado de suas palavras – Quero que vá junto ao povo.

— Meu rei, minha vergonha em Staldfold foi assim tão tremenda? Em Vinnfold, Nestor não me permitiu lutar junto a ele contra Érebo, e agora o senhor me diz para fugir em lugar de morrer uma morte de guerreiro, com minha espada em minhas mãos?

— Malcon, templário de Tsaba'oh, não lhe imputo desonra ou vergonha alguma. E já chegou a meus ouvidas o motivo pelo qual Nestor não permitiu que fosse junto a ele, pois era necessário que um homem de valor liderasse a posição onde estavam. O que peço agora de modo algum é vergonha, pelo contrário. Quero que vá junto ao povo, como parte da comitiva que os protegerá. Em sua maioria, serão mulheres, crianças e anciões, eles precisam de alguém para os proteger.

— Meu senhor... peço que perdoe...

— Fique em paz. Há outra coisa que quero que faça, Malcon, e foi por esse motivo que o escolhi: Meu filho Talon estará entre os fugitivos, quero que você cuide de sua instrução e treinamento, já que é o último e foi um dos maiores guerreiros de sua ordem. Você também conviveu por muitos anos com Argon, talvez mais do que Talon. Quero que fale a Talon sobre Argon, para que dessa forma, a memória do irmão fique sempre viva em sua mente.

— Meu rei... muito me honra por me dar tal tarefa.

— Vou entender isso como um sim, então trate de melhorar templário de Tsaba'oh, você tem uma grande responsabilidade nas mãos.

­— Sim, meu rei. – Malcon assentiu. Thurgon lhe dirigiu um sorriso e se retirou, caminhando pelo salão e falando com um ou outro guerreiro. Por fim o rei se virou para seus homens e disse-lhes que todos deveriam comparecer na praça do rei uma hora depois do meio dia, momento em que o rei se pronunciaria a todo o povo.

— Até lá, vão e desfrutem de alguns momentos com suas famílias, aproveitem o tempo que resta, pois logo que me pronunciar na praça do rei mobilizaremos toda a cidade para a evacuação.

    Thurgon se retirou das casas de cura e foi imediatamente em direção ao castelo. O rei caminhou rapidamente pelas ruas de Vestfold e, por cuidado de Tsaba'oh, não houve nenhum encontro no trajeto para o atrasar. O rei chegou em casa antes da hora do almoço, como prometido. Caminhou até a sala onde os banquetes eram servidos, uma sala ampla com apenas uma grande mesa retangular posicionada em seu centro. Ao chegar na porta o rei notou que uma das vinte cadeiras já estava ocupada. Talon esperava pelo pai.

    Ao vê-lo o menino se levantou com um salto e correu para abraça-lo. Thurgon se agachou para receber o filho em seus braços.

— Papai! – O garoto irradiava alegria nos braços do pai.

— Meu filho... venha, vamos almoçar e passar algum tempo juntos. – Dizendo isso Thurgon se levantou e conduziu Talon pela mão para que tomassem seus lugares a mesa, sentaram lado a lado para tomar sua refeição.

    Em poucos minutos os serviçais entraram, trazendo os pratos do almoço: Lombo de porco assado, verduras e legumes dos mais variados tipos, queijo e frutas. Como sobremesa foi servido um bolo de maça, a bebida de Talon era o leite enquanto o rei foi servido de vinho.

Quando terminaram a refeição, Talon saiu de sua cadeira e se sentou no colo do pai e se aconchegou junto a seu peito.

— Papai, o senhor também vai me deixar? O senhor também vai encontrar o Supremo? Não quero que vá. Fica aqui comigo. O Ellon e o Argon já foram, a mamãe também... não quero ficar sozinho, quero ficar com vocês. Com todos vocês. – O menino começou a chorar enquanto falava.

    Thurgon foi tomado pela emoção com as palavras do filho, o abraçou com mais força antes de responder:

— Meu filho, nenhum deles se foi porque quis. Todos queríamos ficar juntos. Mas quando o Supremo chama, não há ninguém que possa resistir. Mas lembre-se do que lhe ensinei: Um dia, todos nos reencontraremos. Um dia, o Supremo restaurará todas as coisas ao seu estado inicial, sem mácula, as trevas não mais existirão. Seremos povo dele, e ele mesmo estará conosco, nossas lágrimas cessarão, não haverá mais morte, nem dor, nem tristeza alguma. Porque essa realidade não mais existirá e nós entraremos num estado de alegria eterna. Estaremos todos juntos, e melhor ainda, estaremos juntos do nosso Criador e Pai.

— Vai ser muito bom, não é? – O garoto perguntou à medida que seus soluços paravam.

— Sim, vai ser muito bom.

— Então eu quero que esse dia chegue logo!

— Eu também quero meu filho. Todos nós queremos... até lá, temos que nos manter firmes. Você vai ficar firme meu filho?

— Sim! Eu vou!

— Então, posso te pedir uma coisa?

— Claro.

— Você agora é meu herdeiro, um dia se tornará rei e terá de governar, instruir e proteger nosso povo. Nunca se esqueça disso, você terá uma grande responsabilidade e vão ser muitos os desafios. Mas Tsaba'oh cuidará de ti e terá pessoas a seu lado para o ajudar, inclusive o "vovô" Plínio. – Thurgon sorriu junto ao filho diante da menção do apelido carinhoso pelo qual Talon o chamava – Lembre-se de quem tu és, lembre-se de mim, de seus irmãos, até mesmo de sua mãe que não chegou a conhecer, ela te amou muito e disse-me para sempre te lembrar disso. Cresça e se torne um grande homem. Não se desvie do bom e reto caminho, lembre-se que um dia você também se encontrará com o Supremo. Meu filho, sê forte e corajoso. Me prometa isso.

— Eu prometo! – Disse o menino depois de meditar sobre as palavras do pai.

— Muito bem, não se esqueça dessa promessa. Talon, esse provavelmente será nosso último momento juntos. Nossos inimigos estão vindo, logo estarão aqui. Eu os enfrentarei novamente. Ganharemos tempo para que o povo se salve, você irá com eles.

— O quê? Eu quero ficar com o senhor.

— Meu filho, qual foi a promessa que acabou de me fazer?

— Que.... eu seria forte, corajoso... que vou crescer e me tornar um homem, e ser um bom rei...

— Isso mesmo. Você tem de fazer isso Talon. Você precisa ir com nosso povo, você precisa deles, e eles precisarão de você. Sim, vamos nos separar, mas é preciso meu filho. Se todos ficarmos aqui, todos nós morreremos.

— Papai...

— Eu e os homens de Mannheim, faremos um último esforço. Uma última e gloriosa batalha. Lutaremos para que vocês, nosso povo, possam escapar. Meu filho, vou acrescentar outra coisa em meu pedido: Cresça, torne-se um homem forte e reconstrua um lar para nosso povo. Reerga Mannheim. Conserve nossa semente e cuide para que a semente de nosso povo também seja preservada.

    O garoto se afastou dos braços do pai. Olhou fixamente nos olhos de Thurgon, como se agora, finalmente compreendesse a totalidade e o peso de suas palavras. Acenou a cabeça em concordância, depois se lançou em seus braços novamente, para um novo e apertado abraço. Pai e filho desfrutaram de mais alguns momentos juntos antes de Thurgon ter de se dirigir à praça do rei, para falar ao povo.

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