Emoção

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Cena 1
De volta ao seu apartamento, agora acompanhado de sua mãe, Rafael questiona-lhe:
RAFAEL- Aconteceu alguma coisa mãe?
ALZIRA- Rafael, eu conversei com o pastor lá da minha igreja e ele quer conversar com você. Eu expliquei pra ele que você tá passando por esse surto...
RAFAEL(impaciente)- Eu achei que a senhora tivesse vindo aqui pra ter uma conversa sensata, mas pelo visto me enganei. A senhora ainda insiste nessa loucura.
ALZIRA- Eu não desisti de você Rafael. Você precisa de ajuda, e eu estou aqui para te ajudar. Você precisa ter contato com Deus pra ele tirar essa tentação da sua cabeça...
RAFAEL(nervoso)- Chega mãe! Chega dessa loucura. ( pausa) Eu vou falar pra senhora antes que a senhora fique sabendo por terceiros: eu vou me casar com o Lucas!
ALZIRA(abalada)- Que? Você está brincando comigo? ...
RAFAEL- Eu amo o Lucas e juntos vamos construir uma família.
ALZIRA(nervosa)- Não. Não. Você tá brincando comigo. Você não seria capaz.
RAFAEL- Eu não vou deixar de ser feliz por causa do seu preconceito idiota. Já me basta o tempo que eu passei preso aos conceitos de uma sociedade doente.
ALZIRA- Você tá maluco Rafael! Você está possuído pelo demônio. Meu Deus! Meu Deus! Eu não vou suportar isso...
RAFAEL- Eu já tomei a minha decisão mãe.
ALZIRA(furiosa)- Você não vai cometer essa loucura. Eu não vou permitir!
RAFAEL- A senhora não pode fazer nada. A sua única opção é ao menos respeitar a minha decisão.
ALZIRA- Você tá tentando me enlouquecer, mas você não vai conseguir. Essa loucura só há de acontecer se você passar por cima do meu cadáver. (pausa) Você não sabe do que eu sou capaz. Não me desafia. (pausa) Foi aquele filho do capeta que te desviou do caminho de Deus num foi? Foi ele...
RAFAEL- Não foi ninguém que me desviou de lugar algum mãe. Eu apenas estou indo em busca da minha felicidade.
ALZIRA- Eu só desejo que você seja amaldiçoado. (pausa) Você nunca vai ser feliz. Deus vai te virar as costas para sempre.
RAFAEL- Suas pragas não me atingem. Deus não irá me virar as costas pelo simples fato de eu está amando. (pausa) Eu tenho muita pena da senhora. Como pode ser tão ignorante?
ALZIRA(dá-lhe um tapa)- Cala a boca! Me respeita que eu ainda sou a sua mãe.
RAFAEL(tenso)- Uma mãe que ama o filho de verdade jamais agiria da forma que a senhora está agindo comigo. Agora por favor, sai da minha casa. Se veio até aqui me falar essas sandices, pode ir embora e não volte nunca mais.
ALZIRA(encara-o)- Você tá precisando de tratamento psicológico! Eu vou te internar num hospício.
RAFAEL- A única pessoa que está precisando de tratamento aqui é a senhora.
Alzira se retira furiosa.
Cena 2
No morro, Neide está na laje a conversar com Delcir.
DELCIR- O Nem ficou muito aborrecido com o Fábio, Neide. Geral tá comentando que o Nem até ameaçou - lo.
NEIDE- O Fábio está passando por uma fase complicada, mas logo isso vai passar. Eu conversei com ele...
DELCIR- Eu acho bom que isso passe logo mesmo. O Nem não perdoa nenhum deslize.
Cena 3
Em seu apartamento, Sheila está acompanhada de sua amiga Kelly terminando de fazer a mala.
KELLY(emocionada)- Aí amiga, eu já estou com saudade.
SHEILA- A não. Não vai me fazer chorar, né? Logo eu tô de volta sua tola.
Sheila a abraça.
KELLY- Eu te considero como uma irmã.
SHEILA- Eu também. Mas eu tô indo em busca da minha felicidade. Vou passar alguns dias na Europa com o meu namorido.
Sheila solta uma risada.
Nesse momento, Glauco bate na porta e entra.
GLAUCO- Já tô pronto!
KELLY(para Glauco)- Antes de carregar a minha amiga, eu vou te falar uma coisa : cuida bem dela, caso contrário eu acabo com a sua raça.
GLAUCO(abraça sua amada e lhe dar um selinho)- Pode deixar Kelly. Eu vou fazer da sua amiga a mulher mais feliz do mundo.
Cena 4
Anoitece.
Na cozinha, Leinha e Zenaide estão conversando.
ZENAIDE- O amor dos meninos é tão bonito, né? É um amor tão verdadeiro...
LEINHA- É uma pena que esse amor acaba sofrendo com o preconceito e a ignorância de muitas pessoas, inclusive da própria mãe do Rafael.
ZENAIDE- Eu não intendo como pode existir pessoas tão ignorantes. O amor é um sentimento tão bonito...
LEINHA(complementa)- Desde que você não fuja do molde que a sociedade estabeleceu como correto.
ZENAIDE- Eu quero falar com essa mulher Leinha. Você precisa me levar a casa dela. Eu preciso dizer umas verdades pra ela.
LEINHA- A senhora gosta muito dos meninos, né?
ZENAIDE- Pra mim é como se eles fossem meus filhos. Eu nunca fui tão bem cuidada por ninguém antes assim. Nem a minha própria filha. (emocionada) Eu nunca vou conseguir pagar o que eles fizeram por mim.
Cena 5
No morro, Neide está seguindo sozinha por um beco, e ao chegar em uma casa aparentemente muito simples ela entra  e de imediato vê Nem sentado ao sofá tomando um copo de uísque com seu colar de ouro exposto no pescoço.
NEIDE- Oi.
NEM- Pensei que não viria mais!
NEIDE(se aproxima)- Pensou isso de mim?
NEM(levanta-se e a agarra)- Safada. Você me deixa louco!
Nem a beija louco de desejo.
Cena 6
Amanhece o dia.
Alzira está na cozinha terminando de tomar café quando então ouve a campainha tocar. De imediato, ela vai atender e ao abrir a porta acaba dando de cara Zenaide e Leinha.
ALZIRA(sem reconhecer)- Quem são vocês?
ZENAIDE- Sou Zenaide. Uma amiga que veio até aqui tentar te ajudar. (para Leinha) Me coloca dentro de casa e me deixa as sois com ela Leinha.
LEINHA(para Alzira)- Com licença.
Leinha empurra a cadeira de rodas com sua tia até a sala, o que deixa Alzira sem ação.
ZENAIDE(para Leinha)- Pode ir agora.
LEINHA- Qualquer coisa é só chamar tia. Eu tô aqui do lado.
Leinha se retira e Alzira fecha a porta e se aproxima ainda sem intender nada.
ALZIRA- Sinceramente eu não estou intendendo o que está acontecendo. Quem é a senhora? O que veio fazer aqui?
ZENAIDE- Não interessa quem sou eu. Me veja como uma amiga. (pausa) A senhora tem um filho tão lindo com um coração tão grande...
ALZIRA(nervosa)- Ah, não! Foi o Rafael quem lhe mandou até aqui?
ZENAIDE- O Rafael nem sonha que eu estou aqui. Ele é orgulhoso demais para me pedir tanto. (pausa) Eu vim até aqui ter uma conversa de mãe para mãe.
ALZIRA- Eu não estou interessada...
ZENAIDE(continua)- Eu tenho uma filha, a Neide. Foi a minha única filha. Eu tinha dificuldades para engravidar. Depois de inúmeras tentativas, eu consegui engravidar. Foi uma gravidez muito difícil, mas a minha filha conseguiu nascer. (pausa) Quando eu a peguei nos meus braços pela primeira vez foi uma emoção tão grande. Até hoje me faltam palavras para expressar a alegria que senti. (pausa) Eu a criei com tanto amor e carinho. Apesar das dificuldades, eu nunca deixei lhe faltar nada. Ela cresceu, o meu esposo faleceu e só ficou nós duas. (pausa) Uma dependendo da outra pra tudo, até que ela se casou. (pausa) Fiquei muito feliz quando esse dia chegou. Naquele momento eu podia morrer tranquila, pois já tinha alguém pra cuidar dela por mim. Mas enfim, logo depois que ela casou, eu sofri um AVC. Fiquei condenada a essa cadeira de rodas desde então. (pausa) Depois de tudo que eu fiz por ela,  eu esperava ao menos um pouquinho de gratidão. Mas não. Ela me agredia. (emociona-se) Ela me agredia todos os dias. Cansava de dizer que eu era um fardo na vida dela. Me tratava como se eu fosse um lixo, e mesmo assim, se ela chegasse aqui hoje atrás de mim eu não lhe viraria as costas, porque mãe não despreza filho nenhum. Um filho é uma parte da gente. (enxuga as lágrimas) Depois de tudo isso, e te pergunto : como você tem coragem de falar que não ama seu filho só pelo simples fato dele ser gay? A minha filha me agredia, e mesmo assim eu a amo da mesma forma que sempre a amei. O Rafael é um homem maravilhoso! Ele cuidou de mim como se eu fora a sua mãe, não só ele como o Lucas também. Eu estava mergulhada numa terrível depressão, e eles me devolveram a vida. (pausa) Não faça nada que possa se arrepender depois. Aceite o seu filho da forma como ele é.
ALZIRA- Não. Eu não tive um filho gay. Eu passei a vida sonhando em ter netos...
ZENAIDE- Mas ele pode te dar netos!
ALZIRA- Como vai poder me dar netos com outro homem? Além do mais, isso vai contra os princípios de Deus...
ZENAIDE- Deus é amor. Deus não é esse rancor que a senhora carrega aí dentro do seu peito. Se não fosse permitido esse tipo de sentimento, não existiriam gays. (pausa) O tempo é tão cruel. Enquanto a senhora fica aí lutando para mudar algo que não pode ser mudado, tantas coisas podem acontecerem. Uma fatalidade talvez, e a senhora carregar essa culpa para sempre contigo. (pausa) Pensa nisso!
Zenaide vai até a porta, abre-a com um pouco de dificuldade, chama por Leinha que está a frente.
ZENAIDE- Leinha.
De imediato, Leinha se aproxima, fecha a porta e se retiram deixando Alzira ainda na sala muito pensativa.
Logo, uma voz ao fundo começa recitar:
Ame como se fosse morrer.
Demostre seu amor hoje, como se estivesse numa despedida. Não adie o amor, o olhar bom, o abraço, a boa palavra, o beijo. Um dia sem amor, é um dia perdido. Somos espíritos imortais, mas nossa experiência na terra tem prazo de validade. Não desperdice o tempo como se ele fosse infinito.

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