Compromisso

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[Lance]

Entre um conto e outro Keith acabou adormecendo com a cabeça apoiada no meu ombro. Me pergunto se ele realmente virou a noite claro, porque parece que sim.

Delicadamente retiro meu casaco e cubro ele, tentando o deixar o mais confortavel possível. É o mínimo que eu posso fazer.

Nesses últimos dias eu cheguei a conclusão de que nenhum ser humano é realmente capaz de entender o outro. Mesmo quando duas pessoas leem o mesmo exato texto, e ainda mesmo que passassem pela mesma exata situação, sob as mesmas circunstâncias, cada uma teria a sua propria interpretação, seu jeito proprio de sentir e passar pelas mesmas coisas.

Sendo assim, eu sei que não sei nada sobre o que ele esta passando. E tudo o que eu faço sai errado, e tudo o que eu quero não importa. Eu realmente só quero que ele fique bem. E por mais que eu queira estar com ele, se isso não for bom eu posso aceitar também.

Mas eu me sinto tão feliz agora.
Por mais preocupante que seja ele faltar aula, eu estou tão feliz dele ter me chamado. É tão bom não ser parte das coisas que ele evita!
E ele não terminou comigo, isso significa alguma coisa, certo?

Já deve ter uns 20 minutos que estamos aqui, será que eu deveria carregar ele pra deitar apropriadamente na cama?

Inclino minha cabeça pra admirar seu rosto sereno enquanto dorme. Ele parece um anjo, um anjo emmo mas um anjo.

-Como consegue ser tão lindo?- me pergunto em um sussurro, afastando uma mecha do seu rosto - Como pode fazer eu te amar ainda mais sem fazer nada?

Espero em silêncio por alguns segundos como se ele fosse responder. Sinto como se olhasse pro céu em uma noite estrelada, como se a qualquer momento uma estrela cadente pudesse passar bem na minha frente, e eu não posso perde-la.

-Posso chamar você de namorado? Seu contato até já esta salvo assim no meu celular, há muito tempo.- pergunto em outro sussurro, sorrindo -Keith, você quer namorar comigo?

-Sim. - meu coração para por um momento, e eu fico em silêncio com os olhos arregalados em surpresa, sem ter certeza se ele respondeu ou se eu estou alucinando - Eu quero.

-O quanto das coisas que eu disse você ouviu?- aninho ele, que ainda soa sonolento, nos meus braços.

-Só ouvi a parte importante de que agora estamos namorando. Mas tenho que dizer que não eperava isso de você.

-Isso o que?

-Me pedir em namoro na sala da minha casa enquanto eu durmo. Quer dizer, pra quem passou uma semana planejando nosso primeiro encontro,  e fez uma serenata pra se declarar, isso é meio simples, não?

-Idiota!- ri, constrangido por ele me conhecer tão bem, eu realmente queria criar todo um cenário romântico pra pedir ele em namoro- Não era pra você estar ouvindo.

-Ainda assim, depois de só um encontro e meio não é muito cedo pra isso?

-Só o que importa para mim é a sua resposta, e o seu tempo. A gente pode começar a namorar hoje, amanhã, daqui a dez anos, ou até passar o resto da vida sem rótulo.

-Você salvou mesmo meu contato com "namorado"? - ele se levanta dos meus braços se expreguissando e olhando pra mim

-Salvei, e isso eu só aceito mudar quando for pra algo além, mas pra isso é muito cedo.

-Você já tem a bênção dos meus pais!- ele ri, o que imediatamente me faz sorrir também - Mas Lance, não te preocupa o fato de que... tipo... provavelmente vamos terminar?

-Te preocupa o fato de que um dia vamos morrer? Quer dizer, você não pode descartar toda uma história preocupado com o final. O meio é sempre a melhor parte.

-Esse é exatamente o meu ponto. Não te parece ridículo viver pra morrer? Ficar comigo por, sei la, um ano, só para terminar depois?

Reviro os olhos sem saber mais que palavras usar.

-Eu nao vivo pra morrer, eu morrerei porque vivi. E vale a pena pra mim você quebrar meu coração daqui a um ano se você for ficar com ele durante esses 12 meses!! - seguro o rosto dele entre minhas mãos - Tem uma frase que diz "Tudo tem seu tempo, tudo tem seu fim, tudo morre.".

-Que frase bonita, parece bíblica.

-Sim, é Doctor Who. A questao é que ta tudo bem tudo acabar porque quer dizer que aconteceu.

-Certo certo. - ele tira minhas mãos do rosto dele e se levanta, contornando pro outro lado do sofá sem olhar para mim - É muito filosófico esse meu namorado.

Meu coração pula, e com a mesma energia eu pulo por cima do sofá para parar atrás dele sorrindo.

-Keith!- chamo e ele vira pra mim, sorrindo também, com os braços cruzados - Eu te amo muito.

-Eu sei. - ele responde com uma arrogância encenada, pendurando a mochila em um ombro- Agora vamos logo fingir que estamos saindo da escola antes que alguém chegue em casa.

[Keith]

Andamos de mãos dadas até a esquina que marca o meio termo entre o caminho pra minha casa e o pra dele, e ficamos parados ali conversando.

Parece tão bobo ficar tão feliz segurando mãos. Ficar de mãos dadas por si só parece tão bobo.

-Mas falando sério agora, ENEM. Como você pretende passar pra alguma faculdade faltando aula?

-Por que eu deveria ir pra faculdade?- reviro os olhos, frustado com o rumo da conversa- Pensei que você iria me sustentar enquanto eu tento seguir carreira artistica com a Pidge!

-Claro, pode ser! - ele sorri triste, tentando e conseguindo disfarçar alguma coisa

-O que foi? - troco de posição desconfortavel - Por que isso importa?

-Não importa. Eu só tava curioso pra saber que cursos você poderia ter interesse, suas notas eram todas muito boas até o início desse ano, nunca soube sua favorita.

-Acho que eu nunca tive uma...

Fico quieto, brincando com meus pés sem saber o que fazer. É óbvio que tem alguma coisa perturbando ele, mas se ele não quer falar não é como se pudessemos simplesmente ignorar também. E, quer dizer, sou eu, ele não deveria falar comigo mesmo do que não quer falar com outras pessoas?

-Agora eu entendi. - admito em voz alta, sorrindo- Você passou a maior parte desse ano tentando me convencer de que eu devia falar com você. - encosto um dedo contra o peito dele apontando de forma acusatória - Se você quer fazer parte mesmo das coisas que eu não quero mostrar pra ninguém, então tem que falar as coisas pra mim também.

-Tudo bem. - ele junta os labios em uma linha contendo um sorriso, e eu sinto meus ombros relaxarem perante a reação positiva - Mas acho que antes da gente ficar quites eu ainda tenho o direito de guardar isso.

Rapidamente ele termina a frase, e sem me dar tempo de resposta me da um celinho breve e sai andando, correndo para atravessar a rua, me deixando pra tras com um simples aceno e uma piscada de olho.

-Idiota...- murmuro pra mim mesmo enquanto viro pra seguir o caminho de minha casa, sem conseguir fechar o sorriso que ele deixou no meu rosto

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Feeling Bad By Being FatOnde histórias criam vida. Descubra agora