Nem. 🔥
Limpei as lágrimas que insistiam em cair mais uma vez. Já era madrugada e eu não conseguia dormir. Não parava de pensar na minha filha nem mesmo por um mísero segundo.
E muito menos conseguia digerir que hoje seria seu enterro.
Eu nunca demonstrei para ninguém, mas eu já havia criado mil momentos com ela na mente. Pensava como seria o meu primeiro toque em sua pele frágil, em como seria nosso primeiro momento juntos e até chegava a ir mais longe pensando como iria ser quando eu proibisse ela de namorar.
Maria Clara já era minha vida mesmo sem ter vindo ao mundo. Ela era o único motivo que mantinha minha sanidade em pé, meu porto seguro, Maria foi o incentivo que eu tive para acordar e ter vontade de viver.
Saber que nunca vou ouvi-la falar pai, nunca vou ve-la andar, me deixa maluco! Eu nunca pensei que um dia iria sentir essa dor! Dói no fundo da alma, dentro do meu peito, como se algo estivesse me rasgando. Nenhuma dor se compara a que eu estou sentindo. Nenhuma.
***
Ouvi alguém bater na porta da minha salinha e mandei entrar. Coringa apareceu, seu olhar carregava pena.
Coringa: Chefe, vai para casa pô! Fica tranquilo que eu assumo os b.o junto do Perigo.
Nem: Não posso sair daqui. A vida que continua Coringa. - Murmurei pegando o caderninho.
Ele caminhou até mim e tirou o caderno das minhas mãos.
Coringa: Teu compromisso hoje é com você mesmo. - Bateu nas minhas costas. - Respeite seu próprio luto! A Maria merece a sua presença lá.
O encarei durante alguns segundos e acabei assentindo. Saí da boca 3 sem cumprimentar ninguém, peguei minha moto e parti voado para o cemitério. Liguei o foda-se mermo! Quero que se foda as chances dos canas me pegarem lá, to pouco me fudendo para isso, minha filha é a minha prioridade, independente do que pode acontecer comigo.
Quando cheguei perto daquele grupo de pessoas, pude perceber que já iriam fechar o pequeno caixão. Olhei em volta vendo toda aquela gente. metade das pessoas eu não sabia nem quem era e muito menos sabia se eles realmente se preocupavam com a Maria, ou se estavam alí somente por fofoca.
Perlla chorava abraçada com a Naiara. Era possível ouvir apenas seus soluços altos e intensos. Engoli seco e caminhei até elas. Naiara me encarou e cutucou Perlla que logo teve seus olhos fixados em mim.
Mordi os lábios e acariciei seu braço, logo puxei o mesmo, a trazendo para o meu peito. Beijei o topo da sua cabeça e fiz carinho em seus cabelos negros.
Perlla: Olha nossa filha... - Ela sussurrou baixinho.
Nem: Não sei se vou conseguir.
Perlla: É a última vez que podemos nos despedir...
Andei lentamente até aquele caixão, senti meu coração bater mais rápido ao olhar aquele ser pequenininho já sem vida. Por mais que eu tentasse impedir as lágrimas de descerem, era inevitável.
Suspirei fundo e levantei a palma da minha mão a olhando. Eu tremia mas mesmo assim eu insisti em leva-la até a bochecha da minha filha. Acariciei seu rostinho gélido sentindo o meu peito se contorcer.
Ela era a Perlla toda, o formato da boca, o nariz, os olhos e até mesmo o cabelo pretinho liso. Sorri amarelo e beijei seu rostinho. Aquele era o meu adeus.
Caminhei até Perlla de novo e a abracei apertado. Pus seu cabelo para o lado e falei baixinho em seu ouvido, para que só ela escutasse.
Nem: A conexão que eu tive com a Maria foi de outras vidas. Obrigada por ter me proporcionado isso mesmo que tenha sido durante um período pequeno. - Ela assentiu me apertando contra ela. - Eu preciso ir agora.
Perlla: Obrigada por ter vindo. - Ela disse baixo, apenas concordei saindo dalí.
Saí por trás do cemitério, era o local mais seguro e menos movimentado. Montei na minha moto, botei o capacete e saí voado dalí. Minha mente estava a um milhão.
Eu não conseguia pensar em nada. Parecia que eu havia tomado um sedativo ou até mesmo me drogado durante horas e horas. Nada se passava pela minha mente. Eu não sentia dor, nem alegria, não sentia absolutamente nada.
Acelerei a moto indo á 100 quilômetros por hora. Sorri ao sentir a chuva bater contra o meu corpo. Era uma sensação boa, um anestésico. Nada tirava minha atenção dalí!
Olhei no retrovisor vendo uma luz conhecida por mim se aproximar. Virei numa rua, tentando despista-los, mas foi tarde demais. Logo aquela cirene filha da puta ecoou para todo mundo ouvir. Encostei a moto já sem esperanças e levantei as mãos em sinal de rendição.
Policial Oliver: Aí Paulo! Esquece o que eu disse sobre o dia estar sendo uma merda. Acho que na verdade é o meu dia de sorte. - Ele falou se aproximando de mim. - No chão filho da puta!
Fiz o que ele pediu e bufei ao senti-lo fechar as augemas nos meus braços bruscamente.
Policial Paulo: Logo tu dando um mole desses, Nem? - Riu. - Da última vez tu prometeu que nunca mais veríamos a tua cara!
Nem: Vai tomar no olho cu! Bando de cuzão do caralho. - Eu disse e logo em seguida recebi um tapão na cara. Sorri irônico.
Policial Oliver: Escuta aqui, seu filho da puta, eu só não te mato aqui mermo porquê tem esse bando de fofoqueiro olhando... - Sussurrou no meu ouvido. - Agradece ao povo!
Policial Paulo: Meus pêsames por sua filhinha. - Riu irônico. Fechei os olhos e travei o maxilar. Como eu queria meter um tiro na cara daquele filho da puta!
Não pude responder pois Oliver me puxou me colocando dentro da mala do carro. Olhei todas aquelas pessoas que prestavam atenção atentamente e só pude pensar nos moradores do meu morro.
Sinceramente, eu não tinha plano b. Realmente pensei que conseguiria voltar para a Maré sem ser pego. Pela primeira vez na vida, eu realmente não soube que fazer. E para ser sincero, nem queria pensar em fazer nada!
Não sei o que está dando em mim nesse momento caralho, papo reto. Eu só queria deitar e dormir uns quarenta dias seguidos. Sinto um peso em cima de mim, um fardo fudido que não consigo carregar nas costas sozinho.
E agora? Quem vai ser por mim? Quem vai ser o meu de fé?
Não montei porra nenhuma! Não tinha plano nenhum nesse caralho. Será que vão me passar a perna? Será que vão me manter como Gerente Geral daquela porra ainda?
Nem imagino minha vida longe do tráfico. Não sei fazer mais nada não caralho! Minha vida toda foi nessa porra aí... Lembro como se fosse ontem de eu entrando para essa vida.
Era um molecote! Puro para caralho. Sonhava em ser um policial, olha como o mundo é irônico rapaz...
Passei dez anos da minha vida com a minha mãe de criação e era um inferno, não tínhamos dinheiro para nada, passávamos fome! Cortavam nossa luz e água direto porquê ela atrasava tudo, o salário era mínimo, então as contas que ela tentava pagar se acumulavam meses e meses.
Eu perguntava onde estavam meus pais verdadeiros mas ela dizia que eles não queriam saber de mim. Ela falava que eles eram seus vizinhos e não tinham condições de cuidar de mim, ela teve pena e acabou assumindo toda a responsabilidade me criando sozinha. Tenho maior respeito pelo período curto que ela me criou.
Não tive outra opção a não ser recorrer o crime para sobreviver. Fui subindo de cargo até me tornar o Gerente Geral do Complexo da Maré. Foi árduo, foi difícil, três cadeias no total. Fui muito esculachado nesses anos todos!
Minha mãe de criação infelizmente fugiu quando eu disse que estava envolvido com isso. Lembro como se fosse ontem do seu olhar de desgosto ao ver a compra do mês que eu fiz amarradão para ela.
Eu entendo cara. Entendo para caralho. Você criar alguém e depois ele se envolver nessa vida de ilusão! Ela tava na razão dela, não fez por mal. Não guardo nenhum pingo de rancor, por incrível que pareça.
Sempre foi eu por eu. E sempre será! Nada mudou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Opostos [Morro]
Teen FictionE se a filha do pastor se apaixonasse por um traficante? #1 lugar no ranking razão 04/01/19 - 28/08/19