Naiara🎀
Despertador tocou umas dez vezes, eu silenciava e ele tocava de novo, uma luta. Eu estava cansada para caramba, com dor de cabeça e indisposição, a vontade de ir para a escola hoje estava zero, só queria ficar no meu quarto o dia inteirinho de baixo do meu cobertor quente. Minha mãe entrou no quarto, sentou na cama e colocou as costas de sua mão na minha testa.
Renata: Meu Deus, Naiara! Tu tá queimando de febre filha... Fica em casa hoje, sem condições de ir para escola nesse estado. Deus que me livre de tu passar mal no meio da rua aí, sei lá.
Naiara: Eu preciso ir mãe, sabe que o colégio estadual é chato com faltas. - Murmurei e ela balançou a cabeça negativamente.
Renata: Naiara, tu é inteligente, só tira notas boas e é um exemplo de aluna, tu nunca faltou um dia desse ano! Tu não vai e pronto. - Eu acabei concordando. - Agora deita aí e dorme que vou fazer uma canja para ti.
Minha mãe e seus mimos... Mas ela é mãe babona mesmo e bate no peito para assumir isso. Sempre amei esse cuidado, foi essencial para eu crescer me sentindo uma criança amada e que tinha pais maravilhosos que cuidavam de mim além do que eu merecia.
Dona Renata é cheia dos mimos mas sabe muito bem dizer não. Sempre pôs limite, dava as coisas para mim e para o meu irmão quando podia, caso ela não tivesse era "não" e acabou. Não tinha essa de "na volta a gente compra", ela sempre mandou na lata, crescemos aprendendo sobre os devidos limites.
***
Fiquei mal a beça, com um cansaço no corpo absurdo, mas depois que minha mãe me deu o remédio, fez eu tomar canja de guela a baixo e depois um banho gelado, eu melhorei.
Minha mãe pediu para eu ir no mercado e tive que ir, tentei fingir que estava dormindo mas não deu certo, ela disse que tinha me visto mexendo no celular de baixo do cobertor e eu desisti de fingir.
Vesti um short meio larguinho florido, uma blusa de alcinha preta e calcei meu chinelo, fiz um rabo de cavalo e caminhei até a cozinha. Minha mãe anotou tudo que queria que eu comprasse em uma folhinha e eu saí de casa. Comprei um açaí no caminho e enchi ele de amendoim, meu vício.
Era incrível como a Maré não tinha dia ruim! O povo curte em dia de sol e chuva e não tem nada, nem ninguém que tire eles dali. Uns tomam suas cervejinhas, outros se acabam dançando no forró do bar do seu Antônio! É engraçado de ver mas ao mesmo tempo algo admirável, o povo sabe ser feliz! Independente dos problemas, são felizes por amarem viver e isso é incrível.
Comprei as coisas para fazer strogonoff de carne e uma Coca-Cola. Subi o morro devagar, não é fácil não cara, haja disposição para subir isso aqui todo dia, uma luta. De longe vi Mariana. Ela berrava, batia palma, dava para ver que ela brigava com Coringa. Caminhei rápido até ela e a cutuquei.
Naiara: O que houve Mariana? - Perguntei preocupada, Coringa encarava aquilo tudo com tédio.
Mariana: Esse infeliz comprou Yakisoba e não dividiu comigo cara, tu acredita? Eu falei para ele que tava com fome, porra, que sacanagem. - Derramou algumas lágrimas e eu gargalhei.
Naiara: Está naqueles dias? - Ela assentiu. - Vem, vamos lá para casa, hoje tu vai jantar comigo. - Coringa sussurrou um "obrigado" para mim me fazendo sorrir.
Olhei para o outro lado da calçada e por um segundo meu coração bateu forte ao ver Perigo, sei lá, mó sensação estranha. Ele estava sem camisa, com uma pistola pendurada na bermuda e com a sua tão amada fuzil atravessada nas costas. Mal dava para ver o seu rosto de tanto que o boné escondia. Ele direcionou o seu olhar até mim, eu sorri mas ele se manteve sério e logo tratou de parar de me encarar.
Engoli seco e continuei andando com a Mariana. Ela chorava de soluçar, a tpm atacou a bichinha mesmo! Tava mal demais, me segurei para não rir. Assim que chegamos em casa, a apresentei para minha mãe e a levei para o quarto. Pus um filminho clichê na netflix e enquanto a comida não ficava pronta, comemos pipoca de micro-ondas.
Mariana: Qual é do seu lance com o Perigo? - Deu um gole no seu refrigente e me encarou.
Naiara: Necessidade. - Eu disse e ela arqueou a sobrancelha.
Mariana: Necessidade de dar? não entendi. - Gargalhei e contei toda a história para ela, ela se desmanchou todinha, eu afagava seus cabelos enquanto ela chorava no meu colo. - Como pode cara, tu é uma pessoa tão boa a ponto de vender seu corpo só para ajudar o seu pai!
Naiara: Acho que qualquer uma pessoa faria o mesmo. - Mordi os lábios. - O pior dia da minha vida foi quando meu pai deu essa notícia para mim, me senti impotente, inútil, queria ajudar ele de alguma forma e não vi saída. - Ela assentiu. - Deus pode não estar orgulhoso de mim mas acho que de alguma forma ele me entende.
Mariana: Claro que entende! Deus abomina o pecado e não o pecador. - Concordei.
Ouvi alguém bater na porta e mandei entrar, minha mãe chegou com dois pratos e dois copos de refrigerante, comemos e Mariana dormiu aqui em casa, o dia foi ótimo, já considerava muito essa nova amizade.
***
Entrei dentro da igreja. Eu tremia, havia tanto tempo que eu não ia... Sentia vergonha, repulsa! As pessoas me olhavam torto e dessa vez posso dizer com convicção que não foi coisa da minha cabeça. Uns até ousavam a cochichar, me remexi na cadeira, nunca pensei em estar desconfortável dentro da minha igrejinha.
Mas é aquilo né! Ninguém vai a igreja a procura de pessoas e sim de Deus. Se formos atrás de pessoas já era, você se magoa, ninguém nunca vai ser 100% perfeito e querendo ou não, sempre botamos expectativas no ser humano. E quando a gente quebra a cara, saí da igreja, põe a culpa na pessoa ao lado! Mas a pergunta fica: você vai a igreja em busca de quê? De esperar das pessoas ou de Deus?
Com esses pensamentos deixei todas aquelas pessoas de lado e adorei a Deus como nunca. Elegeu minhas mãos para o alto e soltei minha voz.
Tu és tudo o que eu mais quero
O meu fôlego, Tu és
Em Teus braços, é o meu lugar
Estou aqui, estou aquiPai, eu amo Sua presença
Teu sorriso é vida em mim
Eu seguro em Suas mãos
Confio em Ti, confio em TiQuero ir mais fundo
Leva-me mais perto
Onde eu Te encontro
No lugar secreto
Aos Teus pés, me rendo
Pois a Tua glória quero verAs lágrimas desciam de meu rosto incessantemente, eu sentia algo me preencher, me sentia abraçada. Era algo surreal, inexplicável. Alí era o meu lugar, era o melhor lugar para se estar, não há nada igual, nada melhor, nada que se compare a estar na casa do pai.
Mamãe me abraçou de lado, ela orou comigo e logo depois nós duas nos recompomos. Sentamos e ouvimos a palavra que foi bênção. Independente da doença, papai nunca perdeu a paixão em professar a palavra de Deus. Era sempre com a mesma força, com a mesma garra, nunca se deixou por nada.
Quando o culto acabou, meus pais foram dormir na casa de uns amigos, eu não quis ir então apenas voltei para casa. Tomei um banho, pus uma roupinha fresca e fui comprar um x-bacon na rua.
Enquanto eu esperava o mesmo ficar pronto fiquei mexendo no celular. Senti uma mão no meu ombro e virei assustada, Perigo me encarava sério. Pus a mão sobre o peito tentando controlar o meu nervosismo.
Naiara: Que susto!
Perigo: Bora logo lá para casa. - Suspirei fundo mas acabei assentindo.
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Opostos [Morro]
Teen FictionE se a filha do pastor se apaixonasse por um traficante? #1 lugar no ranking razão 04/01/19 - 28/08/19