Todo cuidado é pouco

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Que lugar infernal.

Procurei a sombra de uma árvore para não virar um camarão com o sol escaldante. Felizmente, trouxe meus óculos escuros; caso contrário, estaria cego agora. Onde estava com a cabeça quando aceitei essa ideia do Anthony? Normalmente, vamos a lugares em que posso me proteger do sol. E não é todo dia que ele decide usar uma tela grande para pintar, geralmente é só o caderno de desenho, e as opções são lanchonetes, a casa dele ou a minha. Ele deve ter me pegado em um momento raro de bom humor, porque se eu estivesse no meu normal, jamais teria vindo ao Bubier Park. Pior que isso, só Fort Lauderdale Beach Park –  é literalmente a praia. Embora seja lindo, praia e eu não nos damos bem.

Enquanto Anthony faz sua arte, revezo entre olhar ao redor e tentar decifrar o que ele tá fazendo, o que não foi difícil já que ele fica olhando constantemente para a fonte em nossa frente e já percebo a silhueta dela na tela. Não é uma fonte famosa, mas tem um certo charme. Se tem algo em que Anthony manda bem, é no desenho e ele com certeza vai dar um jeito de melhorar a arte. Sério, se fosse ele, pensaria em fazer um curso de tatuagem quando terminasse o colégio. É uma pena que eu não tenha exercitado meu lado artístico desde criança, eu poderia estar tão bom quanto ele hoje em dia, afinal o desenho melhora com a prática. Se eu fosse comparar nossos desenhos, ele seria Leonardo da Vinci e eu um macaco de laboratório tentando mostrar do que sou capaz com uma tinta e papel na minha mão. Sim, essa é uma boa comparação. Mas o que falta em mim no quesito artístico, eu tenho de sobra pra esportes, depois que aprendo algo, seja um golpe de artes marciais, uma postura ou sobre alguma regra esportiva, eu consigo executar quase que perfeitamente em questão de minutos. Por essa razão sou sempre disputado quando tem alguma gincana que envolva jogar a bola em uma cesta ou fazer pontos, fora nas aulas práticas que estão sempre me querendo no time. Nessas horas até quem não se da bem comigo me quer por perto.

Liz apareceu de skate, parando ao meu lado, parecendo animada e só observa a criação de Anthony em silêncio. Suspeito que não seja apenas porque ela vai para minha casa depois. Posso  estar errado, mas acho que ela tá feliz por estar sendo incluída.

Solto um suspiro. Estou entediado.

Me afasto dos dois, pego minha carteira de cigarros e o isqueiro do bolso da mochila. Pois é, eu fumo. Comecei aos 15 e viciei nisso. Tento parar, mas nunca consigo. Acendo um cigarro e olho para Anthony e Liz. Ela me encara com estranheza, o que me faz arquear uma sobrancelha, mas não pergunto nada — já imagino o que ela vai dizer sobre câncer no pulmão e como é feio um garoto tão jovem fumando.

— O que você disse para o seu pai te deixar dormir lá em casa? — pergunto, sem muito interesse, só para puxar assunto. Poderia falar com Anthony, mas quando ele está pintando é como uma criança vidrada no celular.

— Não falei com ele, falei com meu irmão. Nem precisei explicar onde ia, ele queria a casa só pra ele porque o papai viajou. — responde, dando de ombros.

— Esperto ele. — Dou um trago no cigarro, observando Liz que ainda me olha de forma estranha. Chego a pensar que tenho algo nos dentes ou que algum pombo fez o serviço na minha testa, mas com certeza eu sentiria. Franzo o cenho e solto a fumaça. — O que foi?

— Nada! — responde com uma voz fina, claramente escondendo algo. Sorrio e balanço a cabeça, tirando os óculos para mostrar que estou desconfiado, depois volto a colocá-los. Ela revira os olhos e suspira. — Tá bom, tá bom, vou falar! — faz um biquinho adorável. — Você fica sexy fumando. Esses óculos, a camisa meio aberta, tem todo um ar de bad boy. Acho sexy.

Não me seguro e começo a rir. Não, eu gargalho. Ela bufa, resmungando que sabia que não deveria ter dito nada.

— Concordo com ela... em parte — Anthony finalmente se manifesta, mas eu continuo rindo. — Não diria sexy, mas é bem... teatral. Parece aqueles atores que, depois de fazerem algo fantástico, acendem um cigarro e ficam observando a cena catastrófica que planejaram e deu certo.

Heitor Onde histórias criam vida. Descubra agora