Olhos cor lavanda

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Fort Lauderdale, Flórida.

Mesmo sendo fevereiro, inverno e estar nevando em muitos lugares dos Estados Unidos, aqui o sol só falta fritar nossa pele o ano inteiro.

O lugar é como o inferno para uma pessoa como eu.

Observo minhas íris azuis levemente violeta no espelho do banheiro – para ser exato, diria que são da cor azul lavanda – e passo a mão em meu rosto inchado e com marcas. Não, não apanhei, apenas acabei de acordar e as marcas são da fronha do travesseiro.

Não importa quantas vezes eu peça, meu pai sempre me coloca para estudar de manhã e em tempo integral. Mas parando para pensar, não sei se alguma escola de ensino médio proporciona aulas noturnas aqui nos Estados Unidos. Para minha felicidade, é meu último ano nessa escola.

— Heitor, você está atrasado! — a voz de meu pai se fez ouvir, ele está no meu quarto.

Ele sempre aparece quando demoro demais para descer e se ele entrar no banheiro vai me ver nu. Não que eu me importe, mas deve ser estranho pra ele, assim como também seria estranho se eu acabasse vendo ele pelado. Provavelmente já aconteceu, afinal já tomei banho com ele quando eu era criança.

Estremeço de horror.

Ainda bem que eu tinha uns cinco anos e não lembro de nada precisamente. Acho que só tomei banho com ele para aprender a me lavar, mas não quero ficar pensando nisso.

— Já vou! — suspiro e abro a porta do armário para pegar minha escova de dentes e a pasta. Começo a resmungar;  como em todas as manhãs de segunda a sexta-feira. — Odeio essa escola e principalmente a aula de educação física e os treinos e futebol. Sério, onde eu estava com a cabeça pra fazer parte daquele time de merda? — e por algum motivo ninguém me tira do time mesmo que meu comportamento seja ruim. Eu sei que sou bom no futebol, mas não é como se eu fosse insubstituível, além do mais, não aguento sair dos treinos cheio de hematomas. Eu poderia dar um basta, mas sou meio besta e não gosto de ver meus amigos tristes, não que todos do time sejam meus amigos, mas uns eu considero mais que outros. Os treinos de futebol são no sábado, tem que ser fora do horário de aula porque precisamos de mais tempo do que temos nas aulas de educação física. Dois horários na quinta-feira e normalmente jogamos basquete, vôlei, queimada ou simplesmente ficamos na sala aprendendo algo teórico. — Esses filhos da puta vão ver o que é bom, vou foder todos aqueles Aquinas de mer...

— O que você está falando aí? — meu pai novamente se manifesta, interrompendo meu xingamento matinal. Provavelmente ele grudou o ouvido na minha porta e ainda assim não entendeu nada já que está me questionando.

Bufo com irritação.

— Você pode fazer o favor de sair de trás da porta do meu banheiro? O senhor está invadindo meu espaço! — começo a escovar meus dentes, ouço a risada dele e logo seus passos se afastando. Rosno irritado e escovo os dentes com tanta força que vejo sangue quando cuspo na pia. Ele sabe que meu humor é terrível de manhã, não entendo porquê ele faz questão de encher meu saco, deve ser algum tipo satisfação que todo pai tem. Aposto que é o hobby favorito deles: irritar e constranger os filhos.

— Não demora, estou falando sério! — ele diz e ouço a porta do meu quarto batendo.

Fiz minha higiene matinal no meu ritmo, ou seja, como uma tartaruga. Não tenho um pingo de pressa para ir à escola e eu sei que não devo vacilar logo no último ano do high school, mas sempre fui assim e sempre passei de ano... raspando, mas passei.

Visto meu uniforme que consiste em uma calça de cor sem graça – eu vejo como marrom desbotado –, uma camisa banca, gravata e um blazer com um A de Aquinas que eu só acho que deveria ter o nome todo do colégio que é St. Thomas Aquinas High School. É um bom colégio, mas não vejo a hora de me livrar daquele lugar. E não, não é um colégio religioso, bem longe disso. Em cada corredor ou banheiro tem adolescente se pegando, incluindo eu, isso quando as garotas colaboram.

Heitor Onde histórias criam vida. Descubra agora