Encostei-me na porta e escorreguei devagar até o chão. Sentada no carpete do hall de Eduardo, esforcei-me para chorar em silêncio e não acordar os vizinhos. A conversa se repetia na minha cabeça, como se eu tivesse a necessidade de me torturar.Sentia o estômago embrulhar só de lembrar a expressão incrédula de Eduardo. Ele estava certo. Eu devia estar fora de mim. A morte do meu pai devia ter causado algum curto-circuito no meu cérebro e, no dia seguinte, eu me arrependeria do que havia acabado de fazer.
Quando o estoque de lágrimas pareceu acabar, já eram duas horas da madrugada. Meu corpo todo estava dolorido, como se tivesse levado uma surra. Como poderia estar exausta daquela forma sem ter feito exercício algum?
Levei um choque ao ver meu reflexo no espelho do elevador e fiz uma anotação mental: nunca terminar um relacionamento de rímel. Isso se houvesse outros relacionamentos para terminar, claro. Era bem provável que eu terminasse meus dias sozinha e amargurada.
Mesmo depois de a cabine chegar no térreo, me recusei a sair sem antes recuperar ao menos um pouco da dignidade. Não podia deixar que me vissem daquele jeito. Retirei da bolsa um saquinho de guardanapos da McDonald's que nunca usara e tentei amenizar o look roqueira depressiva de ressaca. Até escutar o barulho da porta se abrindo e duas pessoas entrarem aos beijos na cabine.
Era o vizinho do andar de cima do apartamento de Eduardo, Théo. O cabelo escuro e a barba fechada eram inconfundíveis. Ele se mudara há poucos meses e nós apenas havíamos jogado conversa fora enquanto esperávamos o pessoal da manutenção liberar o elevador. Eu até o achara um cara divertido antes de descobrir os boatos.
Corria na boca miúda que o apartamento de Théo era um verdadeiro depósito de bebidas e que, quase todos os dias da semana, ele chegava altas horas da madrugada de alguma noitada com uma mulher diferente — o que, a julgar pela cena que se desenrolava bem diante do meu nariz, não era apenas um boato.
Théo era o tipo de homem que eu desaprovava e ainda assim... aquele casal que devia ter se conhecido naquela mesma noite tinha mais paixão no beijo do que eu e Eduardo jamais tivemos em anos de relacionamento. Théo a prendia entre os braços fortes e, ao mesmo tempo, agarrava os longos — e belíssimos, diga-se de passagem — cabelos loiros dela bem junto à nuca.
Bastava olhar para o jeito como a mulher sorria enquanto eles se beijavam para saber que ela estava condenada a ser mais uma das conquistas dele — e estava muito bem assim, obrigada. Por alguns segundos, alguma coisa dentro de mim daria tudo para saber o que era estar no lugar dela. Só saí do transe — com a boca um tanto entreaberta, por sinal — ao escutar um gemido.
Pelos céus! Será que eles não lembravam que havia câmeras nos elevadores ou não ligavam? Pior, será que eu era tão invisível assim? Senti o rosto esquentar. Tudo que eu queria era sair dali o mais rápido possível.
— Ca-ham.
— Ai meu Deus! — A mulher se desvencilhou do rapaz ao perceber que possuíam companhia.
Quase fiquei com pena da sua cara de horror.
— Boa noite. — Falei, sem graça. — Eu posso passar? — Indiquei a porta com a cabeça.
— Desculpe, nós não te vimos, Mônica.
Théo fez uma cara preocupada, que eu não consegui levar a sério diante de todo o batom vermelho espalhado em sua boca. Atordoada, não me dei ao trabalho de responder e saí da cabine.
Ainda podia sentir a angústia de minutos antes no hall comprimindo o peito, mas agora havia também uma pitada de um desconhecido sentimento de alívio.
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̶E̶d̶u̶a̶r̶d̶o̶ ̶e̶ Mônica
ChickLitNós havíamos nascido um para o outro. Afinal, éramos Eduardo e Mônica, o casal mais famoso da música brasileira. Então por que, quando ele me perguntou as palavrinhas mágicas, algo em mim gritou não, não, não? Eu, que sempre desejei um relacionament...