Ao entrar em casa, menos de uma hora depois, trazia comigo a areia da praia debaixo das sandálias e os cabelos emaranhados pelo vento.
— Pensei que você fosse demorar mais.
Mafalda havia acabado de sair da cozinha com um pote de sorvete nas mãos, vestindo uma de suas camisas folgadas de dormir, um short surrado, havaianas e os cabelos presos num rabo de cavalo torto. Ela sentou no sofá e ligou a televisão, sem parecer se importar com o fato de eu estar usando seu macacão ou sem notar mesmo. Seu semblante aéreo me fazia acreditar que a segunda opção era mais provável.
— Eu também. — Sentei ao seu lado.
Ela pôs um episódio de Friends para passar, "Aquele em que Ross e Rachel... Você sabe". Na época do colégio, nós éramos viciadas na série e sabíamos diversas das falas dos personagens decoradas.
Queria falar para Mafalda tudo o que estava acontecendo, mas, em vez disso, assistimos ao episódio inteiro sem dar uma só risada. Quando os créditos começaram, a música que havia embalado a primeira noite de amor de Ross e Rachel ainda martelava em minha cabeça.
— Eu preciso tomar um banho. — Coloquei as mãos nos joelhos.
Mafalda juntou o resto do sorvete derretido com a colher e continuou a assistir ao episódio seguinte. Suspirei e me levantei. Eu queria, aliás, precisava relaxar.
Já no banheiro, procurei o nome da música no celular e coloquei para tocar quando entrei no box. Fechei os olhos ao sentir a água quente do chuveiro e me concentrei na sensação.
— Não, eu não quero me apaixonar... por você. — Cantei, tentando acompanhar a voz melodiosa de Chris Isaak. A balada da canção ecoava dentro do cubículo, junto com o chiado do chuveiro.
Virei-me e encostei a testa nos azulejos da parede, fazendo com que a água passasse a cair em minhas costas. Senti o gosto de metal da água na boca e tateei até encontrar o sabonete, que ainda estava com o cheiro de novo de quando eu o havia tirado da embalagem, horas antes.
Devagar, abri os olhos e observei as gotas d'água espalhadas pelos braços. Eu tinha sinais marrons espalhados por todo canto do corpo. Como podia ter esquecido aquilo? Gostava em especial de cinco sinais que se enfileiravam do topo da minha clavícula até a entrada do abdômen. Lembrei de quando era criança e me riscava, ligando os pontos e desenhando formas geométricas em mim mesma.
Toquei as costas da mão esquerda com o sabonete, destruindo algumas das gotículas que ainda se mantinham intactas. A sensação do sabonete deslizando pela pele era agradável. Lembrei-me da voz de Théo bem junto ao ouvido e quase pude sentir o arrepio que o toque dos lábios dele provocara ao roçarem minha orelha.
Segui o traçado imaginário dos meus sinais, observando o caminho ensaboado que ia deixando para trás. Cada parte do meu corpo tinha gotas que precisavam ser destruídas. Sinais a serem ligados. Da clavícula até onde eu latejava, implorando para ser tocada.
Deixei o sabonete escorregar pelos dedos e cair no chão molhado com um baque surdo, deslizando para qualquer lugar que não me importava.
~*~
Passara a última semana me forçando a acordar mais cedo que o habitual e estabelecer uma rotina de corrida antes de cair no ritmo frenético da mobilização das obras na Comunidade Bem-te-vi. Eu até conseguira controlar a dor irritante debaixo da costela. Era tudo uma questão de respiração. Inspirar fundo. Encher a barriga de ar, e não apenas o peito. Expirar.
O segundo passo era desacelerar depois da corrida com um banho de água fria demorado, ao som de alguma música relaxante, seguido de um hidratante perfumado por todo corpo. No caminho para o trabalho, sintonizava o rádio até encontrar uma música animada e cantava a plenos pulmões, mesmo que não fizesse ideia de qual era a letra.
VOCÊ ESTÁ LENDO
̶E̶d̶u̶a̶r̶d̶o̶ ̶e̶ Mônica
Literatura FemininaNós havíamos nascido um para o outro. Afinal, éramos Eduardo e Mônica, o casal mais famoso da música brasileira. Então por que, quando ele me perguntou as palavrinhas mágicas, algo em mim gritou não, não, não? Eu, que sempre desejei um relacionament...