22.

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Sina.

Acordei, mas preferia não estar vivendo aquele pesadelo. Queria que tudo aquilo não tivesse passado de um pesadelo. Queria não ter de viver com isso.

Me levanto e me arrastando, vou ao banheiro. Tomo um banho quente demorado e aproveito o momento para chorar. Eu nem sabia o que estava fazendo, nesses últimos dias vivi no modo automático. Sem vontade, sem animação, sem empolgação. Apenas existindo. Coloquei uma roupa confortável para ir ao trabalho. Nada de saltos ou saias que marcam os meus quadris. Para que me arrumar se eu estava me sentindo um lixo?

Desci as escadas e fui até a cozinha, sentando-me à mesa e pondo um pouco de chá na xícara. Meu irmão me olhou de lado e me entregou um prato com algumas torradas, mas balancei a cabeça negando.

— Você não pode ficar sem comer para sempre, Sina. Você precisa seguir em frente, você precisa voltar a viver.

— Desculpa Christian, mas comer sem vontade não dá. — Me viro ficando de frente para ele. — Sim, eu sei que não posso continuar nessa merda me sentindo para baixo, mas não foi você quem quase morreu duas vezes e quase foi estuprado, não foi você quem teve de ouvir que a culpa dos nossos pais terem morrido foi sua, não foi você quem teve de olhar novamente no fundo dos olhos do homem que destruiu a sua família.

— Mas ele está preso, e você está segura agora!

— Vamos ver até quando, né? Porque se ele teve a coragem de voltar anos depois, ele tem coragem de voltar uma terceira vez. Eu não vou me confiar nisso, mas sei que também não posso viver assim para sempre.

— Tem algo que eu possa fazer para ajudar?

— Adoraria pedir para que você tire a dor que eu estou sentindo aqui dentro, mas não tem como. Então vou pedir que você contrate um segurança. Não precisa ser na minha cola, mas que ele esteja por perto quando eu precisar. — Mesmo nessa situação, meu irmão sorri malicioso. — O que foi? — Pergunto brava.

— Digamos que eu já tenha arranjado a solução...

— Christian... Eu não estou gostando dessa sua cara. — Respondo desconfiada.

— Tome seu café que temos trabalhos a fazer, não temos? — Sorri vitorioso, sabendo que conseguiu mudar o rumo da nossa conversa.

• • • •

Peguei minha bolsa e o acompanhei até a garagem, entrando em seu carro.

O caminho foi torturamente silencioso. Os pingos de chuva batiam no carro como bala. O batuque dos dedos do meu irmão no volante pareciam chicotes. Os pneus rodando na pista pareciam leões ferozes querendo nos devorar. Eu fechava os olhos e aquelas cenas repassavam na minha mente. Eu tentava me distrair olhando para o mundo ao nosso redor mas seu rosto sempre aparecia nos desenhos das nuvens. Christian teve que desviar o caminho para não passar por aquela rua e agradeci mentalmente. Fechei os olhos e respirei fundo ao ver que tínhamos chegado.

Meu irmão estava certo. Eu precisava continuar, precisava seguir em frente. Desci do carro e passei pela grande porta, recebendo olhares de piedade. Odiava me sentir assim.

Quando nossos pais morreram e a Grace nos adotou, enquanto andávamos com ela pelas ruas e as pessoas nos reconheciam, nos olhavam como coitados. Muitos chegaram a dizer que tinham pena de nós. Me senti um objeto. Todos aqueles olhares estavam me deixando enjoada.

Os trilhos que puxavam o elevador trabalhavam mais lentos que o normal. Senti que demorei mais de uma hora para chegar ao meu setor. Quando as portas se abriram, pulei de dentro do elevador e apressei o passo até a minha sala. No caminho, o pessoal do meu setor agiu normalmente e agradeci mentalmente por isso. Entrei em minha sala e vi Shivani em sua mesa já trabalhando. Ela me olhou e lançou um sorriso.

— Bom dia, Sina. Já se sente melhor? — Vem até mim e me abraça. — Deixaram essas flores aí para você. — Apontou para as flores brancas que estavam em minha mesa.

— Quem deixou isso? — Fui até a minha mesa e me abaixei, inalando o perfume das flores. Seu cheiro era suave e me trouxeram boas lembranças. Dentro havia um cartãozinho escrito à mão.

"Espero que você tenha um excelente dia. Sabe que pode me procurar quando precisar, vamos deixar as desavenças de lado. Se eu te fiz sorrir, saia comigo outra vez essa noite. Nada de bar ou boates lotadas. Vamos até o píer da praia sentir a brisa do mar bater em nossos cabelos. Estarei esperando no estacionamento às 17h.

— N :)"

Sorrio. Tinha sido Noah. Mas por que ele estava agindo assim comigo? Se for apenas pena de toda a situação eu me recuso a sequer me aproximar dele.

GREY ↯ noartOnde histórias criam vida. Descubra agora